Mais democracia

28/02/2013
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Recentemente o senador Renan Calheiros (PMDB/AL), presidente do Senado, escreveu um artigo na Folha de S.Paulo para tranquilizar os barões da mídia. Comprometeu-se em trabalhar para impedir um novo marco regulatório que reorganize o modelo de comunicações vigente no país. Agressivo e desrespeitoso com governos dos países andinos, que ousaram criar leis que democratizam as comunicações, o senador alagoano escreveu: 
 
“Outro passo relevante é a defesa do nosso modelo democrático, a fim de impedir a ameaça à liberdade de expressão, como vem ocorrendo em alguns países. O chamado inverno andino não ultrapassará nossas fronteiras. (...) A liberdade de expressão é um dos nossos direitos mais preciosos. Temos que nos inspirar, sim, nas brisas de uma primavera democrática e criar uma barreira contra os calafrios provocados pelo inverno andino. Vamos criar uma trincheira sólida, se preciso legal, a fim de barrar a passagem desses ares gélidos e soturnos”.
 
Seguramente o senador, se vivesse no Brasil do início do século 19, faria o mesmíssimo discurso quando, em 1804, Toussaint L’Ouverture proclamou a independência do Haiti. O senador trataria de tranquilizar a coroa portuguesa assegurando que aqueles ares de independência das colônias, que começavam a soprar, sob a liderança de um escravo, (gélidos e sotunos?) não chegariam ao nosso território.
Os ventos andinos provocados por Simón Bolívar, que promoveram a independência da Venezuela, Colômbia, Equador e Bolívia, anos antes da independência brasileira, certamente causariam os mesmos calafrios ao atual presidente do senado.
 
Essas mesmas palavras - escritas no jornal paulistano que serviu de apoio à ações repressivas da ditadura militar (1964-84) e hoje tenta reescrever a história dizendo que o que existiu no período foi uma ditabranda – poderiam serem transcritas na segunda metade do século 19 para tranquilizar os senhores de engenho que enriqueciam às custas da mão de obra escrava. 
 
Os escravocratas, tão defensores de primaveras democráticas quanto é o Calheiros em sua trajetória política, poderiam ouvir do senador o compromisso de que os ventos que asseguravam a liberdade dos povos negros não ultrapassariam nossas fronteiras. Políticos como este senador, se jactam de um poder que não possuem frente aos acontecimentos da história. Suas retóricas servem apenas para renovar uma canina submissão aos donos do poder, sejam quais forem os tempos históricos.
 
O senador usa os novos marcos regulatórios dos meios de comunicações, promovidos na Venezuela, Bolívia e Equador – os ventos andinos – para ganhar a conivência dos barões da mídia. Em troca, quer sossego enquanto preside o Senado. O recado foi claro: não me incomodem no cargo e eu criarei uma trincheira sólida, se preciso legal, para defender seus interesses dos ares gelados quem vêm dos Andes. 
 
Calheiros, se estivesse realmente comprometido com os interesses do povo brasileiro, deveria se preocupar menos com os ventos andinos e mais com o bafo e os arrotos das elites brasileiras. Vêm de suas entranhas os ares gélidos e soturnos que vitimam o povo brasileiro e penalizam o país. O que atenta para a liberdade de expressão, que o senador afirma defender, é o oligopólio das comunicações e a autorregulação da mídia. 
 
O presidente do senado ignora o exemplo vindo da Inglaterra que colocou no banco dos réus o senhor Murdoch, dono de um império de comunicações, e atestou a falência do sistema de autorregulação na mídia. Esconde que aquele país discute agora a criação de um órgão fiscalizador independente das empresas jornalísticas. 
 
Não menciona os ventos soprados pela Dinamarca, que criou um órgão de “co-regulação” para controlar os excessos prejudiciais à sociedade, preservando a liberdade de imprensa. 
 
E muito menos menciona os ventos soprados pela União Europeia (EU), o velho continente. Na ultima semana de janeiro, em Bruxelas, a UE divulgou o relatório Uma mídia livre e pluralista para sustentar a democracia europeia. O relatório, depois  de 16 meses de trabalho, faz 30 recomendações sobre a regulamentação da mídia. Certamente o senador não fez menções ao relatório por não conhecê-lo, uma vez que a mídia brasileira ignorou-o completamente. 
 
Silencia sobre os exemplos vindos desses países porque é mais fácil criticar os governos que a mídia já elegeu como inimigos.
 
É lamentável que a presidenta Dilma sinaliza, na terceira Mensagem ao Congresso Nacional, que não tem a disposição de empunhar a bandeira por um novo marco regulatório da radiodifusão brasileira. Não está no plano de governo, para 2013, iniciar um processo efetivo de democratização da comunicação em nosso país. Uma batalha tão importante quanto as reformas políticas e tributária. 
 
O Brasil poderá ser novamente o último país do continente, como foi na abolição da escravatura, a enfrentar o poder dos barões da mídia. Mas esta hora, inevitavelmente, chegará. E quando chegar, o senador Calheiros poderá poupar seus esforços de escriba e utilizar uma declaração já escrita, a do deputado escravista Lourenço de Albuquerque: “Voto pela abolição porque perdi a esperança de qualquer solução contrária; seriam baldados os esforços que empregasse; sendo assim, homenagem ao inevitável, à fatalidade dos acontecimentos.” 
 
Contra a vontade daquele parlamentar, que precedeu o de hoje, os acontecimentos mudaram o Brasil, para melhor. Também os barões da mídia serão derrotados. É visível como são figuras anacrônicas nos tempos de hoje. Seria alvissareiro se a presidenta Dilma tivesse sensibilidade com a oportunidade histórica que bate à porta do seu governo.
 
27/02/2013
Editorial edição 522 do Brasil de Fato
 
https://www.alainet.org/pt/active/62008
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