Sexta licitação: erro estratégico no setor petróleo
16/07/2004
- Opinión
1. Um espectro ronda a economia mundial: novo choque do petróleo.
Choque diferente dos anteriores, de um tipo que ainda não
conhecemos.
Na década de 1970, os preços do principal insumo energético da
nossa época elevaram-se subitamente, duas vezes consecutivas, por
motivos essencialmente políticos – primeiro a guerra entre árabes
e israelenses, depois a revolução no Irã – com múltiplas
conseqüências sobre a economia mundial. O choque atual é menos
espetacular, mais gradual, mas de conseqüências provavelmente mais
profundas e mais duradouras. É um choque estrutural.
2. De um lado está o aumento permanente do consumo, seja pelo
crescimento normal das economias centrais, quase todas dependentes
de importações, seja pelo crescimento rápido de grandes economias
semiperiféricas, como a China e a Índia, igualmente dependentes de
importações. Dos países do chamado G-7, apenas Canadá e Inglaterra
são auto-suficientes. A necessidade de abastecimento externo é de
60% para os Estados Unidos (que têm reservas próprias para menos
de cinco anos) e 100% para Alemanha, França, Itália e Japão. A
China, que consome 8% do petróleo mundial (contra 25% dos Estados
Unidos), foi responsável por 37% do crescimento da demanda nos
quatro últimos anos; na próxima década, terá dobrado o seu consumo
e precisará obter no exterior mais de 80% de todo o petróleo de
que necessita. "Temos debatido a concorrência da indústria chinesa
e indiana com a nossa indústria", escreveu o norte-americano Paul
Krugman, "mas um tipo diferente de competição – a competição pelo
petróleo e outros recursos – representa uma ameaça muito maior à
nossa prosperidade."
É alto, como se vê, o potencial de conflito envolvido nessa
questão. Junto com o gás natural, a ele associado, o petróleo
responde por 2/3 da energia total consumida no mundo (no Brasil,
graças ao peso da hidreletricidade, essa proporção é de pouco mais
de 1/3).
3. O outro lado desse choque estrutural é a incerteza sobre o
volume das reservas mundiais. Elas haviam sido grosseiramente
superestimadas e estão sendo revistas para baixo. Durante a
recente epidemia de fraudes contábeis, as mais respeitáveis
multinacionais do setor apresentaram números falsos para elevar o
valor de suas ações. As reservas da Shell foram infladas em 24%,
as da El Paso em 33% e as da Enron em 30%. Diversos países fizeram
o mesmo, inclusive grandes produtores, como os Emirados Árabes, a
Arábia Saudita e o México. Anunciaram a posse de jazidas entre 20%
e 40% maiores do que as verdadeiras, pois as quotas de produção,
definidas no âmbito da Organização dos Países Exportadores de
Petróleo (Opep), são proporcionais às reservas declaradas. Há
muito menos petróleo disponível do que se pensava.
4. Com a elevação do consumo e a descoberta das fraudes, o mercado
mundial mergulhou em grande incerteza. O barril custava cerca de
US$ 13,00 em 2001; passou para cerca de US$ 28,00 em 2003; agora
oscila em torno de US$ 40,00 e não apresenta tendência consistente
de queda. Ao contrário, autores insuspeitos anunciam novas
rodadas de alta. O embaixador Rubens Ricupero já advertiu sobre "a
tendência a um aumento sensível e contínuo no preço do petróleo. O
aperto nos preços (...) pode vir em cinco anos, com mais um choque
elevando o barril a US$ 50,00."
Krugman seguiu a mesma linha: "O mercado do petróleo está
distendido até o limite da ruptura. (...) Na última vez que os
preços atingiram os níveis atuais, pouco antes da Guerra do Golfo
(1991), havia capacidade de produção excedente no mundo, de modo
que havia espaço para enfrentar sérias perturbações da oferta,
caso elas surgissem. Desta vez isso não se aplica. (...) Novas
descobertas têm sido cada vez mais raras. (...) Os preços do
petróleo estão altos e podem subir ainda mais."
Paul Roberts foi ainda mais enfático: "Estamos no limiar de um
novo tipo de guerra, entre aqueles que têm energia suficiente e
aqueles que não têm, mas estão cada vez mais dispostos a sair para
buscá-la. Parece cada vez mais provável que a corrida por uma
fatia das últimas grandes reservas de petróleo e gás natural será
o tema geopolítico dominante no século XXI."
Documentos do Departamento de Estado dos Estados Unidos
parecem confirmar essa última opinião, ao conferirem grande
destaque, na escala de interesses do país, à necessidade de
"assegurar acesso incondicional às fontes de energia e aos
recursos estratégicos".
5. Alguns especialistas prevêem que em 2010 atingiremos o auge da
produção e começaremos a ver o inevitável declínio na oferta. A
demanda, por sua vez, deverá crescer 60% até 2020. Os mais
assustados dizem que o barril poderá custar US$ 100,00 nessa
época. Datas e números estão sujeitos a controvérsia, mas a
tendência é certa. A produção de qualquer campo de petróleo segue
uma curva em forma de sino, que atinge um pico e declina; como a
soma dessas curvas resulta sempre numa curva de mesmo formato, a
produção mundial, que é a soma da produção de todos os campos,
também seguirá uma curva do sino. A busca de novas jazidas (em
terrenos ainda não explorados, como as grandes profundezas do
mar), a melhora nas técnicas de extração (para viabilizar a
continuidade dos trabalhos em campos hoje considerados exauridos)
e o uso misto de combustíveis alternativos podem estender prazos,
mas sempre às custas de aumento de custos. Isso quer dizer que, de
qualquer maneira, independentemente da polêmica sobre o
esgotamento das reservas mundiais, a era do petróleo barato ficou
para trás. Tudo indica que a tendência dos preços passou a
apontar, definitivamente, para cima.
A gerência dos recursos restantes e a alteração gradativa da
matriz energética tornam-se, pois, problemas decisivos para as
próximas décadas.
6. O Brasil é um dos países mais bem-posicionados do mundo para
enfrentar esse enorme desafio, seja do ponto de vista de sua
dotação de recursos, seja de sua capacitação tecnológica, seja do
potencial para desenvolver alternativas. Nossa oferta de
eletricidade é majoritariamente de origem hídrica, e mais da
metade do potencial hidrelétrico permanece disponível para vir a
ser utilizado. Nosso extenso território tropical, com água e
insolação abundantes, permite intensa produção de biomassa, fonte
de combustíveis líquidos que podem substituir a gasolina e o
diesel, com elevada produtividade. Temos grandes reservas de
urânio de boa qualidade. O previsível aumento de eficiência dos
coletores de energia solar muito nos beneficiará.
Quanto ao nosso recurso energético mais escasso – o próprio
petróleo – construímos em meio século uma impressionante história
de êxito, que ainda não foi plenamente reconhecida. Na trajetória
econômica medíocre do Brasil nos 24 últimos anos, destaca-se o
excepcional desempenho da Petrobras. Lutando contra uma geologia
adversa em terra firme, ela foi capaz de localizar e operar
jazidas importantes em alto-mar, tornando-se líder mundial em
tecnologia de exploração em águas profundas. Graças a esse empenho
e competência, o Brasil tem hoje reservas de 16 bilhões de barris,
suficientes para assegurar seu consumo interno, nos níveis atuais,
durante cerca de dezoito anos. A auto-suficiência será atingida em
2006.
Nesse aspecto, ocupamos uma posição intermediária no mundo.
Nem temos reservas especialmente grandes, comparadas com o nosso
consumo, nem dependemos crucialmente do mercado internacional.
7. Uma conta simples mostra a importância do que já conseguimos
fazer: se as décadas de 1980 e 1990 tivessem sido perdidas também
no setor petróleo, como o foram na grande maioria dos demais
setores da nossa economia, de modo que o Brasil necessitasse
importar hoje a mesma proporção de barris que importava na época
dos dois primeiros choques, estaríamos gastando cerca de US$ 23
bilhões por ano para suprir o mercado interno. Todo o saldo
comercial brasileiro atual teria de ser usado em petróleo, o que,
literalmente, quebraria o país.
Nas duas décadas perdidas, conseguimos escapar dessa arapuca.
Mas, paradoxalmente, o risco que corremos, em futuro não muito
remoto, é de retornar a ela, em uma conjuntura internacional mais
desfavorável. Esse risco vem sendo construído a partir do governo
de Fernando Henrique Cardoso. Também aqui, o governo Lula apenas
dá continuidade ao desastre.
8. Três momentos sucessivos assinalam a alteração do marco
regulatório do setor petróleo no Brasil, com o desmonte do modelo
anterior, reconhecidamente exitoso. Em 1995, o Congresso Nacional
aprovou a emenda constitucional número 9, que extinguiu o
monopólio da exploração pela Petrobras. Em 1997, a lei 9.478
regulamentou essa decisão e definiu as novas regras para o setor.
Em 1998, foi criada a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Ao
contrário de outros países que também passaram a admitir a
participação de empresas estrangeiras na exploração de petróleo, a
mudança feita no Brasil não incluiu dispositivos que garantissem a
liderança do setor por uma empresa nacional (na Noruega, por
exemplo, a estatal Statoil continuou tendo prioridade para receber
as melhores áreas, sem precisar participar de licitações).
A Petrobras – que, até a promulgação da nova lei, procurava e
explorava petróleo em todo o território nacional – ficou confinada
em 397 áreas, assim distribuídas: 231 correspondiam a campos em
produção, 51 a campos em desenvolvimento e 115 a blocos em
prospecção, que passaram a ser chamados "blocos azuis",
selecionados pela própria empresa e, por isso, os mais
promissores. Todas as demais áreas, que correspondem a cerca de
90% do território brasileiro, foram entregues à ANP para serem
leiloadas. A Petrobras recebeu prazo de três anos (depois
estendido para cinco) para colocar em produção os campos em
desenvolvimento e demonstrar a comercialidade dos blocos em
prospecção, sob pena de ter de devolvê-los também à ANP. O prazo
vencia em agosto de 2003.
Quatro rodadas de leilões foram realizados durante o governo
de Fernando Henrique, sempre sob fortes críticas do PT. A quinta
rodada foi preparada nesse mesmo governo, mas realizada já depois
da posse de Lula, que a manteve, alegando que não desejava
interromper um processo já iniciado, de modo a não contrariar
expectativas de grandes empresas. O compromisso de campanha, no
entanto, era claro e reiterado: suspender novos leilões.
9. O trabalho de prospecção progrediu muito lentamente na época em
que a Petrobras foi dirigida por diretorias nomeadas por Fernando
Henrique Cardoso, como se houvesse a deliberada intenção de levar
a leilão aquelas áreas nobres, ou blocos azuis, que haviam
permanecido sob controle da empresa. Com a posse da nova
diretoria, em janeiro de 2003, o trabalho foi intensificado e
resultou na descoberta – que já era esperada – de 6,6 bilhões de
barris em áreas que seriam devolvidas à ANP em agosto. Este foi o
aspecto mais positivo da nova gestão. As reservas comprovadas
brasileiras aumentaram em mais de 50%. Mas, não houve tempo para
perfurar tudo. Parte significativa dos blocos azuis teve de ser
entregue à ANP, entre as quais 70% do BC-60 da Bacia de Campos (na
área norte, correspondente a 30% do bloco, já foram encontrados 2
bilhões de barris) e o Espírito Santo número 12 (onde se estima
existirem 4 bilhões de barris).
Contrariando o posicionamento histórico do PT, o Ministério
das Minas e Energia do governo Lula determinou que a ANP
deflagrasse o processo que levará à sexta rodada de licitação,
prevista para 15 de agosto, nela incluindo esses blocos azuis,
considerados bilhetes premiados. Entre 3,3 bilhões de barris
(estimativa oficial) e 6,6 bilhões de barris (estimativa de
técnicos da Petrobras) das reservas brasileiras serão leiloados de
uma só vez.
10. São falsos os argumentos apresentados para defender o leilão,
a saber:
(a) Seria necessário atrair mais recursos para o setor. Como
vimos, a Petrobras garantirá a auto-suficiência a partir de 2006,
antes que as áreas agora licitadas entrem em operação. Com US$ 9
bilhões disponíveis, a empresa brasileira tem recursos próprios
mais do que suficientes para investir de forma planejada,
otimizando o uso das reservas conforme os interesses estratégicos
do país;
(b) Precisaríamos ter acesso a novas tecnologias. Trata-se,
aqui, da repetição de um fetiche, pois o que ocorre nesse caso é
justamente o contrário. As empresas estrangeiras que começaram a
entrar no Brasil sempre buscam alguma forma de associação com a
Petrobras, pois a melhor tecnologia é a dela. Além disso, não era
necessário alterar a Constituição do país para isso, pois
parcerias tecnológicas sempre existiram.
(c) Seria urgente fazer novas descobertas para manter
constante a relação reservas / produção (R / P). Ninguém discute
que vários blocos a serem leiloados na sexta licitação têm muito
petróleo, de modo que haverá apenas a confirmação de reservas, que
passarão de prováveis a provadas. Ora, se essas áreas entrarem em
produção sob controle de empresas estrangeiras, com as regalias
que a lei brasileira lhes faculta (propriedade plena do óleo
extraído e decisão autônoma de exportá-lo), as reservas não
poderão mais ser computadas como brasileiras, de modo que leilões
vencidos por multinacionais nunca poderão influir positivamente na
relação R / P. Note-se, ainda, que, quando detinha o monopólio, a
Petrobras realizava dentro da economia brasileira, em média, 85%
das compras necessárias ao desenvolvimento e exploração de um
campo marítimo e 100% das compras destinadas a equipar um campo
terrestre. As empresas multinacionais que participaram da
penúltima rodada de licitações (não há dados disponíveis para a
última) comprometeram-se a realizar compras locais no valor médio
de 38% do dispêndio total para campos marítimos e 68% para campos
terrestres. Os efeitos multiplicadores dos investimentos da
Petrobras na economia brasileira são muito maiores.
(d) Precisaríamos aumentar a competição no setor para
conseguir preços menores. Ocorre, nesse caso, justamente o
contrário. O modelo competitivo e aberto transforma o mercado
brasileiro de petróleo e derivados em uma extensão do mercado
internacional, de modo que os preços nos dois ambientes permanecem
equiparados. O trabalhador brasileiro, hoje, paga pelo gás de
cozinha (GLP) o mesmo preço pago por um trabalhador alemão.
Mantendo-se o modelo anterior e atingindo-se a auto-suficiência, o
mercado interno brasileiro poderia ser isolado dos choques
internacionais, com a Petrobras sendo remunerada pelos seus custos
(mais uma rentabilidade adequada), de modo a defender a economia
brasileira como um todo.
11. Pela lei em vigor, todo o petróleo a ser extraído passa a
pertencer às empresas vencedoras das licitações, que ganham
automaticamente o direito de exportar a quantidade que desejarem.
Como estamos às vésperas da auto-suficiência, as áreas que o
governo Lula vai leiloar só poderão entrar em operação para
abastecer o mercado externo, pois haverá excesso de produção. É um
erro grave. A geologia brasileira é desfavorável à ocorrência de
petróleo, de modo que não devemos esperar que grandes descobertas
se sucedam. Se o Brasil passar à condição de exportador, o
horizonte da auto-suficiência será drasticamente reduzido, com o
país podendo retornar à posição importadora em menos de uma
década, justamente quando a competição mundial pelo petróleo
estará mais acirrada e os preços, mais altos. (Em situações de
emergência, a lei prevê que o governo pode exigir prioridade ao
abastecimento do mercado interno por trinta dias, pagando, no
entanto, o preço em vigor no mercado internacional; isso equivale
a uma importação, pelo Brasil, de petróleo brasileiro.)
A propriedade de campos petrolíferos, nas próximas décadas,
será muitíssimo lucrativa. Façamos mais uma conta, utilizando a
estimativa mais conservadora, que afirma a existência de "apenas"
3,3 bilhões de barris nas áreas a serem licitadas. A vida útil de
um campo oscila normalmente entre 15 e 20 anos. Se supusermos o
preço do barril de petróleo em US$ 50,00 nos próximos anos,
conforme a previsão do embaixador Rubens Ricupero, estamos falando
da entrega, a empresas privadas, de um negócio de US$ 89 bilhões
de dólares, já descontados todo o investimento, todo o custo de
operação e todos os impostos e taxas. Se supusermos o preço em US$
75,00, estamos falando de um lucro líquido de US$ 134 bilhões. Com
a sexta licitação, corremos o risco de retirar da Petrobras e
repassar a empresas privadas um valor provavelmente situado entre
esses dois números, ambos gigantescos.
12. A questão de fundo é a seguinte: pressionado pela necessidade
de fazer vultosos pagamentos externos nos próximos anos, o Brasil
resolveu tratar como uma commodity comum, a ser incorporada em sua
pauta de exportações, aquele que é o principal recurso estratégico
das economias modernas. Um recurso finito, não renovável, do qual
temos reservas apenas suficientes, nunca sobrantes. Receberemos
impostos sobre o valor exportado e repassaremos esses recursos aos
nossos credores internacionais. Assim, o governo Lula optou por
usar o petróleo brasileiro como lastro para manter em dia o
pagamento de dívidas financeiras, mesmo com o ônus de produzir um
esgotamento precoce das nossas reservas. Como vimos, esse
esgotamento, se vier a ocorrer, terá conseqüências dramáticas
sobre a economia real e as contas externas do país, que se
tornarão inadministráveis.
A posição brasileira está na contra-mão do que ocorre no
mundo. O aumento de preços tem sido compreendido, por todos os
países, como um sinal de que o petróleo é um produto estratégico e
finito, e por isso a disputa pelas reservas nunca foi tão intensa.
As guerras no Oriente Médio, a crescente tensão no Cáucaso, as
disputas entre China e Japão pelo traçado do oleoduto siberiano e
as tentativas norte-americanas de desestabilizar o governo da
Venezuela são apenas a ponta de um imenso iceberg. Só o governo
brasileiro parece fazer a leitura de que o aumento de preços deve
ser aproveitado para queimar reservas escassas e fazer caixa o
mais rapidamente possível.
Tal decisão, no mínimo ingênua, poderá ter desdobramentos
insuspeitados. Em pleno desenvolvimento do que chamamos de "choque
estrutural do petróleo" – um choque que, como vimos, será
prolongado –, o Brasil está se dispondo a entregar a empresas
multinacionais a propriedade de campos situados em alto-mar,
garantindo a elas a livre disposição sobre o petróleo extraído. Os
contratos com essas empresas têm trinta anos de duração. Se, nesse
período, em uma situação de crise, o país tentar retomar o
controle sobre esses campos (para garantir o abastecimento
interno, por exemplo), poderá ver-se envolvido em um contencioso
internacional muito desfavorável, até mesmo pela falta de meios
para defender sua soberania nessas áreas. Se resolver mudar a lei,
não poderá fazê-la cumprir. "Numa situação de grande tensão
mundial, com crescente escassez de petróleo, no futuro as forças
armadas brasileiras não terão poder de dissuasão para evitar que
plataformas de petróleo operadas por empresas estrangeiras, em
nosso mar territorial, entreguem suas produções para petroleiros
que a levem diretamente para o exterior", alertou recentemente o
brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla.
Por precaução com a nossa soberania, o controle e a
propriedade dos campos situados na plataforma marítima deveriam
caber exclusivamente à Petrobras.
13. A sexta licitação será realizada sem que nenhum órgão público
tenha apresentado um estudo sobre o suprimento de petróleo ao país
no médio e longo prazos. Mais ainda: o país não dispõe de um
planejamento energético de caráter estratégico. Está parado no
Senado Federal, desde junho de 2001, um projeto de lei muito
simples e de grande bom senso, proposto pelo senador Saturnino
Braga (PT-RJ), que diz apenas o seguinte: "Ficam suspensas as
licitações de novas áreas para exploração de petróleo, até que o
Congresso Nacional aprove o planejamento energético do país, a ser
proposto pelo Conselho Nacional de Política Energética."
A nosso ver, tal planejamento estratégico deveria, pelo menos:
(a) racionalizar e otimizar o uso do potencial energético
disponível, tendo em vista as necessidades de médio e longo
prazos, combinando-se nesse projeto o uso de fontes tradicionais
(hidreletricidade, petróleo, nuclear) e alternativas (biomassa,
solar, bagaço de cana, eólica), além de definir políticas de
conservação. Os recursos não renováveis deveriam ser objeto de
tratamento cuidadoso;
(b) utilizar o próprio setor energético como instrumento de
indução ao desenvolvimento, não só por fornecer energia, mas
também por maximizar suas compras dentro do espaço econômico
nacional e reinvestir nele o lucro obtido, gerando empregos e
promovendo o desenvolvimento tecnológico;
(c) ampliar e diversificar o potencial disponível por meio de
políticas de integração da América do Sul. Assim como a Comunidade
Européia do Carvão e do Aço, criada depois da Segunda Guerra
Mundial, foi o embrião do Mercado Comum Europeu, que por sua vez
desdobrou-se na União Européia, a enorme capacidade de oferta e a
complementaridade de fontes energéticas (algumas das quais não
comercializáveis no mercado mundial) podem desempenhar um papel-
chave em um processo de integração do nosso continente;
(d) preparar um salto à frente da economia brasileira dentro
do sistema mundial. País tropical de grande dimensão territorial,
o Brasil, como vimos, é um lugar privilegiado para assumir uma
posição de destaque na mudança da matriz energética nas próximas
décadas.
14. Nada disso está sendo feito. A divisão internacional de
trabalho que se desenha neste início de século reforça a posição
dos países centrais como produtores de bens e serviços de alta
tecnologia, transfere para o Leste da Ásia a dinâmica
manufatureira e conduz a América Latina a especializar-se de novo
em atividades primárias e exportação de recursos naturais. A
decisão de usar o petróleo brasileiro, relativamente escasso, para
encorpar no curto prazo os resultados da balança comercial
confirma que estamos dispostos a aceitar esse retrocesso, que traz
riscos imensos à sociedade brasileira. Lamentavelmente, também
nesse aspecto, o governo Lula é uma decepção sem tamanho.
* César Benjamin, Paulo Metri e Rômulo Tavares Ribeiro. Projeto de Análise da Conjuntura Brasileira. Laboratório de
Políticas Públicas da Uerj. Fundação Rosa Luxemburgo. Página na
internet: www.outrobrasil.net
Data do fechamento: 17 de julho de 2004
https://www.alainet.org/pt/active/6466
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