O medo da democracia
30/09/2013
- Opinión
Hoje o Conselho Universitário (CO) da USP vai se reunir para deliberar sobre o processo para a eleição do novo Reitor.
A situação deixou a todos, professores, alunos e servidores, um tanto quanto perplexos, pois a iniciativa em torno do debate da democratização do processo eleitoral para os dirigentes da Universidade, incluindo o Reitor, veio, abruptamente, em julho deste ano, do atual Reitor, que se valeu exatamente da falência democrática da USP tanto para chegar à Reitoria quanto para instituir várias formas de repressão às mobilizações democráticas de estudantes e servidores no âmbito da Universidade.
A perplexidade aumentou quando, em 17 de setembro, Diretores de diversas unidades apresentaram proposta de alteração do art. 36 do Estatuto da Universidade de São Paulo, que rege, exatamente, a matéria, pedindo que a questão fosse incluída já na pauta da próxima reunião do CO, que ocorre hoje.
A proposta apresentada pelos Diretores mantém as bases de uma estrutura de poder que se estabelece a partir da titulação acadêmica, fazendo com que professores titulares e membros de Conselhos sejam mais cidadãos que outros, não desafiando sequer o problema da falta de paridade na representação dos diversos setores, professores, alunos e servidores. Nos Conselhos, a participação de servidores e alunos é bastante reduzida e completamente desproporcional ao número de seus integrantes.
A proposta, no entanto, ao que parece, não desafia os propósitos do Reitor, que apenas instigou o debate e sugere que a democracia se satisfaz com a fixação de regras claras para o processo eleitoral. Além disso, o próprio Co, no qual se estabelecerá na nova regra, não é composto a partir de uma regra democrática de paridade entre os segmentos da universidade, tendo, inclusive, participação bastante limitada de professores não titulares.
Dentro desse quadro, não há como se entender que o resultado que venha a ser alcançado represente uma conquista democrática, ainda que a possibilidade de apresentação de propostas tenha sido instituída e que se efetive uma votação das propostas oferecidas pelos votantes atualmente legitimados para tanto.
Em tudo isso há um vício de origem, que é, exatamente, o medo da democracia, que se reproduz em medo da igualdade e da liberdade.
Se todos elegem o Presidente da República, e esta é uma conquista da cidadania, por que, afinal, fixar um quadro eleitoral reduzido e “qualificado” para a escolha do Reitor? Os servidores não sabem votar? Os estudantes estão apenas de passagem e não se interessam verdadeiramente pelo futuro da entidade? Professores-doutores escolheram errado?
Além disso, nesse processo viciado de escolha acaba ocorrendo um distanciamento entre as bases de servidores, alunos e professores e o “escolhido”, pois este não precisa angariar eleitores na base. O “escolhido” pelo governador do Estado (conforme se mantém na proposta dos Diretores) integra uma lista tríplice, formada por um colégio eleitoral restrito.
De fato, qualquer argumento que se utilize para manter a restrição aos eleitores não é mais que um modo de fugir do debate democrático e, mais grave, de tentar manter a Universidade sob o controle de subestruturas de poder, mantendo o comando central junto ao governo do Estado. Neste contexto a Universidade não adquire o seu caráter de uma universidade essencialmente pública, que a todos pertence e que a todos esteja voltada, sobretudo na sua atuação fundamental da produção do conhecimento.
O que se assiste, portanto, é uma estratégia para dar a aparência em torno da construção de um processo democrático.
Neste instante, mais que nunca, é importante que as falas contrárias ao processo eleitoral que se pretende aprovar, sob pretensa base democrática, sejam manifestadas muito claramente, inclusive para que o silêncio não seja apontado, posteriormente, como aceitação.
É essencial, também, recobrar a discussão em torno de uma estatuinte, para a construção de um novo Estatuto não apenas verdadeiramente democrático, com previsão de eleição direta para Reitor e para os demais dirigentes da Universidade, mas também para a consagração de uma Universidade verdadeiramente pública, com o fim do Vestibular, a eliminação das Fundações de direito privado e demais cursos pagos, o fim da segregação entre servidores e professores, a derrubada física e simbólica de todos os muros que separam a Universidade da sociedade, de modo a viabilizar a produção de uma racionalidade centrada na solidariedade e na superação das desigualdades, sem desprezo ao desenvolvimento tecnológico, mas homenageando a produção do saber voltado à elevação da condição humana, que é, em suma, a razão de ser de uma instituição pública de ensino.
Não é hora de medo: é hora de lutar por uma democracia real.
A situação deixou a todos, professores, alunos e servidores, um tanto quanto perplexos, pois a iniciativa em torno do debate da democratização do processo eleitoral para os dirigentes da Universidade, incluindo o Reitor, veio, abruptamente, em julho deste ano, do atual Reitor, que se valeu exatamente da falência democrática da USP tanto para chegar à Reitoria quanto para instituir várias formas de repressão às mobilizações democráticas de estudantes e servidores no âmbito da Universidade.
A perplexidade aumentou quando, em 17 de setembro, Diretores de diversas unidades apresentaram proposta de alteração do art. 36 do Estatuto da Universidade de São Paulo, que rege, exatamente, a matéria, pedindo que a questão fosse incluída já na pauta da próxima reunião do CO, que ocorre hoje.
A proposta apresentada pelos Diretores mantém as bases de uma estrutura de poder que se estabelece a partir da titulação acadêmica, fazendo com que professores titulares e membros de Conselhos sejam mais cidadãos que outros, não desafiando sequer o problema da falta de paridade na representação dos diversos setores, professores, alunos e servidores. Nos Conselhos, a participação de servidores e alunos é bastante reduzida e completamente desproporcional ao número de seus integrantes.
A proposta, no entanto, ao que parece, não desafia os propósitos do Reitor, que apenas instigou o debate e sugere que a democracia se satisfaz com a fixação de regras claras para o processo eleitoral. Além disso, o próprio Co, no qual se estabelecerá na nova regra, não é composto a partir de uma regra democrática de paridade entre os segmentos da universidade, tendo, inclusive, participação bastante limitada de professores não titulares.
Dentro desse quadro, não há como se entender que o resultado que venha a ser alcançado represente uma conquista democrática, ainda que a possibilidade de apresentação de propostas tenha sido instituída e que se efetive uma votação das propostas oferecidas pelos votantes atualmente legitimados para tanto.
Em tudo isso há um vício de origem, que é, exatamente, o medo da democracia, que se reproduz em medo da igualdade e da liberdade.
Se todos elegem o Presidente da República, e esta é uma conquista da cidadania, por que, afinal, fixar um quadro eleitoral reduzido e “qualificado” para a escolha do Reitor? Os servidores não sabem votar? Os estudantes estão apenas de passagem e não se interessam verdadeiramente pelo futuro da entidade? Professores-doutores escolheram errado?
Além disso, nesse processo viciado de escolha acaba ocorrendo um distanciamento entre as bases de servidores, alunos e professores e o “escolhido”, pois este não precisa angariar eleitores na base. O “escolhido” pelo governador do Estado (conforme se mantém na proposta dos Diretores) integra uma lista tríplice, formada por um colégio eleitoral restrito.
De fato, qualquer argumento que se utilize para manter a restrição aos eleitores não é mais que um modo de fugir do debate democrático e, mais grave, de tentar manter a Universidade sob o controle de subestruturas de poder, mantendo o comando central junto ao governo do Estado. Neste contexto a Universidade não adquire o seu caráter de uma universidade essencialmente pública, que a todos pertence e que a todos esteja voltada, sobretudo na sua atuação fundamental da produção do conhecimento.
O que se assiste, portanto, é uma estratégia para dar a aparência em torno da construção de um processo democrático.
Neste instante, mais que nunca, é importante que as falas contrárias ao processo eleitoral que se pretende aprovar, sob pretensa base democrática, sejam manifestadas muito claramente, inclusive para que o silêncio não seja apontado, posteriormente, como aceitação.
É essencial, também, recobrar a discussão em torno de uma estatuinte, para a construção de um novo Estatuto não apenas verdadeiramente democrático, com previsão de eleição direta para Reitor e para os demais dirigentes da Universidade, mas também para a consagração de uma Universidade verdadeiramente pública, com o fim do Vestibular, a eliminação das Fundações de direito privado e demais cursos pagos, o fim da segregação entre servidores e professores, a derrubada física e simbólica de todos os muros que separam a Universidade da sociedade, de modo a viabilizar a produção de uma racionalidade centrada na solidariedade e na superação das desigualdades, sem desprezo ao desenvolvimento tecnológico, mas homenageando a produção do saber voltado à elevação da condição humana, que é, em suma, a razão de ser de uma instituição pública de ensino.
Não é hora de medo: é hora de lutar por uma democracia real.
- Jorge Luiz Souto Maior é Juiz do trabalho, titular da 3ª. Vara do Trabalho de Jundiaí. Professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP.
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