Brasil desigual e concentrado

07/12/2013
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Vamos chegando ao final de 2013 e o Brasil segue, sob pressão das consultorias financeiras, acomodação e inércia de governantes e setores da própria esquerda, um país fraturado. Anos e anos de “disciplina fiscal”, cavalares taxas de juros para combater a inflação, prioridade ao pagamento de amortizações da dívida pública e generosas desonerações tributárias não foram capazes de tirar o país do fosso do baixo crescimento e das desigualdades sociais e regionais.

Segundo a pesquisa das Contas Regionais do IBGE, de 2011, disponível do site do Instituto, entre 2002 e 2011, o país concentrou 67,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em cinco estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná. O Nordeste subiu de 13% para 13,4% do PIB nacional, no mesmo período, e, do ponto de vista setorial, entre 2010 e 2011, teve queda de 17,1% para 16,6 % na agricultura; de 12% para 11,8% na indústria. Em serviços, a região Nordeste subiu de 14,3% para 14,4%. Uma absoluta inércia.

Tais indicadores contrastam com a propaganda de que o país vai bem e com as falas repetitivas sobre a “responsabilidade fiscal” que devemos seguir para atrair investimentos externos, obter boas notas pelas agências de classificação de risco e manter sustentável (e sempre rentável ao capital) a relação “Dívida/PIB”.  Além desses preocupantes indicadores, é visível a marcha do país rumo ao passado:

exportador de comoditties, produtos primários e básicos e importador de bens de capital, de média e alta tecnologias, segundo farta literatura, reportagens recentes e alertas conhecidos, como os que tem feito o Professor Wilson Cano, há anos.

Reportagem publicada no jornal “O Estado de São Paulo”, no dia 19 de novembro, no Caderno de Economia, revelou que, apesar de o Brasil ser o quarto destino de investimentos estrangeiros no mundo nos últimos dez anos, superado apenas por China, Estados Unidos e Índia, isso não ajudou nosso país a mudar o grau de desenvolvimento tecnológico. Tais recursos não vieram para inovação e sim para o mercado de consumo em expansão e para o setor de produtos primários.

Em pesquisa e desenvolvimento, a América Latina recebeu apenas 3% dos investimentos do mundo. Europeus trouxeram para essa região apenas 0,8% nesse campo. Os japoneses, 0,03%. Já os norte-americanos chegaram a 1,9%.

Enquanto isso, na mesma área, os Estados Unidos levaram 21% de seus investimentos para a Europa e 41% ao grupo dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia e China e África do Sul).

Em 2010, no Encontro da Associação Nacional dos Centros de Pesquisa e Pós-Graduação em Economia, a ANPEC, André de Melo Modenesi e Eliane Araújo apresentaram estudo em que afirmam que "é baixa a sensibilidade-juros da inflação. Assim, uma elevação da Selic gera um benefício (dado pela queda da inflação) relativamente pequeno. Todavia, uma ampliação dos juros cria custos não desprezíveis: o arrefecimento da atividade econômica, a valorização cambial e a ampliação da dívida pública.” Por isso, a inflação em alimentos e preços administrados, em geral insensíveis à elevação dos juros, pois esses atacam os sintomas e não as causas da inflação ( Sicsu,2006), deve ser  combatida de outras maneiras, sob diagnóstico preciso e sólido planejamento de investimentos no aumento da oferta desses alimentos, combinados com possíveis taxações de exportações em épocas de elevação de preços internacionais (Relatório do Banco Central, de 2011, apontava que essa situação interfere nos preços internos de alimentos).

Porém, com a implantação do atual regime de metas de inflação, em vigor desde 1999, e o uso inercial da elevação da taxa de juros para conter o IPCA - Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, o Brasil sobrevalorizou o câmbio, transformou-se em exportador de capitais para os investidores externos com aplicações nos papéis do tesouro e pratica, desde então, uma espécie de “Bolsa-Rentista” aos que seguem nessa mesma direção, gastando quase dez vezes mais com isso do que com os dispêndios com o "Bolsa-Família". Como o superávit primário não é suficiente para zerar a conta dos juros, exigem-se mais cortes e ajustes fiscais e a submissão do país ao curto prazo da conta financeira da dívida.

Isso enterra o planejamento e a construção do desenvolvimento no médio e longo prazos e a correta articulação entre as políticas de combate à inflação, a tributação e a política fiscal, a taxa de juros, o câmbio, o investimento em inovação e tecnologia, infraestrutura e direitos sociais.

É hora de se mudar a arquitetura da estabilidade e do crescimento, a favor do desenvolvimento. Estabilidade monetária e responsabilidade fiscal são referências tão importantes quanto conceitos manipuláveis. Não podem ser tratadas como são hoje. Não há estabilidade sem crescimento, desconcentração da renda pelo trabalho e investimento estratégico em educação, ciência e tecnologia. Não há responsabilidade fiscal quando a política fiscal vira âncora da política monetária e da dívida pública.

O país precisa voltar a debater e construir, com autonomia e soberania, a superação dos seus graves problemas econômicos, construindo estratégias de desenvolvimento que o libertem do curto prazo, das convenções a favor do mercado e das amarras conservadoras da atual política monetária. Assim defendem Luis Fernando de Paula, Fernando Cardim de Carvalho (uma nova governança para a política monetária) e José Carlos de Assis, em “O Universo Neoliberal em desencanto”, de 2012 (desindexar a remuneração dos papéis do tesouro de longo prazo das taxas aplicadas na remuneração das reservas bancárias).

O crescimento do tipo "vôo de galinha", o desenvolvimento "bicho preguiça" e a drenagem da poupança fiscal para o capital rentista, como verminoses que nos roubam os nutrientes, precisam ser superados com coragem, vontade política, clareza, organização e estratégias. Mãos à obra.

- Paulo Rubem Santiago é deputado federal pelo PDT de Pernambuco.
 
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