Quem ganhou e quem perdeu as eleições municipais?

02/11/2004
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A
Uma análise global, qualitativa, do resultado das eleições municipais deste não deixa dúvidas: ganhou a direita e perdeu a esquerda. A direita ganha Em primeiro lugar porque o eixo de seu bloco partidário – PSDB-PFL – saiu fortalecido, tanto pelos resultados obtidos, quanto pela capacidade de atração que demonstraram, conseguindo atrair o PMDB, o PPS e localmente outros partidos, na oposição ao PT. Depois da grande derrota que tiveram em 2002, até dezembro de 2003 pareciam estar sem capacidade de ação, com seu programa econômico apropriado pelo governo Lula, com uma capacidade de alianças debilitada pelo poder de atração que o governo federal demonstrava. Sem bandeiras próprias, salvo setoriais – mais repressão ao MST, contra qualquer forma de regulação da área cultural e midiática, contra o PPP, críticas a aspectos da política externa -, esse bloco recebeu o oxigênio inesperado que necessitava justamente do governo. Desde o "caso Waldomiro", uma sucessão de circunstancias favoreceram diretamente a oposição, enfraquecendo o governo, até desembocar em um resultado eleitoral inesperado até a poucos meses pela própria oposição. A direita conquistou prefeituras importantes – como São Paulo, Porto Alegre, Belém -, desalojando o PT e projetando seus quadros, na perspectiva inclusive de resultados mais favoráveis nas eleições estaduais e nacional de 2006. A conquista da prefeitura de São Paulo permite ao PSDB governar o estado e a cidade mais importantes do país, suas capitais econômicas, com o segundo e o terceiro orçamentos do Brasil. Consolida-se assim, no centro nevrálgico do país os vínculos orgânicos entre o grande empresariado – industrial e financeiro – com o bloco de partidos de direita, não apenas como ponto de apoio para candidaturas opositoras em 2006 contra Lula, mas principalmente como o eixo hegemônico ideologicamente no país – somando partidos, grupos empresariais e midiáticos -, contando também com os ministérios econômicos do governo. Em segundo lugar ganhou o monopólio privado da mídia. Sabemos que pouco mudou na passagem da ditadura à democracia nos planos econômico e social, mantendo-se e até mesmo fortalecendo- se o monopólio em fatores essenciais de poder no país – a terra, o dinheiro e a informação. Nem os latifúndios, nem o sistema financeiro, nem o monopólio privado da mídia foram afetados naquela transição, imprimindo-lhe um caráter conservador. Nestas eleições esse monopólio privado demonstrou todo o seu poder, especialmente quando pôde agir de forma unificada. O caso de São Paulo é exemplar e tem que ser utilizado permanentemente como caso especial nos cursos, seminários e teses sobre a democracia e mídia como um caso paradigmático. Os dois maiores jornais apoiaram e usaram suas páginas para promover a candidatura da direita para a prefeitura da cidade. Todos os seus colunistas praticamente agiram nessa direção. A cobertura da campanha, conforme os dados do Observatório da Mídia, revela como houve mais de cinco vezes mais matérias contra a candidata do PT do que contra o candidato apoiado por esses jornais. A parcialidade e a adesão praticamente de todos os colunistas dos jornais à candidatura da direita, fortalecida pelo mecanismo das pesquisas, que condicionam fortemente a opinião pública, produziram um quadro similar àquele existente ainda na Venezuela. Com essa atuação o monopólio privado da mídia – somado ao financiamento milionário das campanhas - demonstrou que se constitui em um obstáculo quase insuperável de ser superado, revelando como não existirá democracia política enquanto esse monopólio não for quebrado e se instaurem mecanismos minimamente democráticos na mídia. Em terceiro lugar, saiu triunfante a equipe econômica do governo. Defensora das políticas liberais hegemônicas dentro do governo, ao se enfraquecer o PT como partido e seus governos municipais, que em geral promovem a prioridade das políticas sociais, vêem fortalecer-se as forças políticas que mais os apóiam – o grande empresariado, a grande mídia privada e os partidos da direita tradicional. Vitórias como as de Marta Suplicy em São Paulo – que aplicou o melhor conjunto de políticas sociais que o Brasil já havia conhecido – e de Raul Pont em Porto Alegre, por exemplo, teriam significado o triunfo de modelos sociais e políticos de governo que apareceriam como alternativos àquelas predominantes no governo, pela influencia da equipe econômica que, com o debilitamento da esquerda, encontrará o caminho mais tranqüilo para seguir se impondo hegemonicamente dentro do governo federal. A esquerda perde Quem foi derrotado nas eleições municipais deste ano? Em primeiro lugar o governo federal. Depois de quatro tentativas, Lula conseguiu se eleger presidente da república e na primeira eleição, o PT, pela primeira vez em sua história, regrediu e sofreu a sua maior derrota. O partido perdeu os governos de São Paulo, de Porto Alegre, de Belém, Goiânia de Campinas, de Ribeirão Preto, de Caxias do Sul, de Pelotas, entre outras cidades importantes anteriormente governadas pelo PT. Essas perdas são regressões reais, pelo trabalho que os governos municipais do partido vinham desenvolvendo – há 16 anos em Porto Alegre, há 8 anos em Belém, em Caxias do Sul e em Ribeirão Preto. A reeleição em Belo Horizonte, em Recife, em Aracajú, em Santo André, em Guarulhos, em Diadema, em Niterói, e as vitórias em Fortaleza, Macapá, em Palmas, em Porto Velho, em Osasco, em Londrina, em Contagem, não compensam, nem de longe, as derrotas. A disputa em São Paulo, capital política do PT e do PSDB, além de ter visto o triunfo do candidato derrotado por Lula em 2002, têm também um significado político irreparável para o governo federal. Os candidatos que mais diretamente tiveram o apoio do núcleo central do governo federal – em Salvador, no Rio de Janeiro, em Ribeirão Preto, em São Bernardo, em São Paulo – foram todos derrotados, fragorosamente nos três primeiros casos. O governo sai enfraquecido não apenas pela perda de prefeituras importantes, mas também porque seu marco de alianças partidárias de apoio se debilitou. O PMDB, maior aliado da base de apoio do governo, protagonizou abertamente a frente opositora, enquanto outros partidos menores – como o PPS - definiram claramente sua opção por essa frente. Perde o PT como partido. A estratégia do seu atual presidente, José Genoino, foi desastrosa. Sua indicação para dirigir o partido significou a anestesia do partido e de sua militância, tratando de passar a idéia de que o único sujeito político no país é o governo, que este é o governo do PT e que a única coisa que caberia ao PT seria apoiar ao governo. Ele representa muito mais um representante do governo diante do PT, do que um representante do PT diante do governo. A falta absoluta de simpatia da militância – especialmente da militância de base e dos movimentos sociais – com Genoino completa o quadro de total dissonância entre a militância do partido e a direção do PT. Genoino se propôs a construir o eixo da base de apoio partidário ao governo na aliança do PT com o PMDB, apoiados por um amplo espectro, que contaria com o PC do B, o PSB, à esquerda, o PL, o PTB, o PPS, o PP, ao centro e à direita. Esse bloco não funcionou e o PT se viu totalmente isolado por frentes opositoras – como foram os casos mais evidentes em São Paulo e em Porto Alegre. A estratégia de propaganda fracassou também completamente. O uso de marqueteiros não significou maior eficiência nas campanhas, perdendo ao mesmo tempo conteúdo política. A chamada "profissionalização", por sua vez, contratando grande quantidade de pessoas para a propaganda, não substituiu a marcante ausência da militância petista nas ruas. Esta foi tão clara, que nos dias finais, ao contrário do que sempre havia existido, não houve uma "onda vermelha", que mudava os resultados favoravelmente ao PT pela ação maciça dos militantes organizados nas ruas, os resultados foram quase todos alterados contra o PT – perdendo por margens maiores do que as pesquisas indicavam ou perdeu quase todas as eleições equilibradas. A decepção com o governo Lula e o amortecimento do debate partidário levaram à perda da alma petista, substituída por campanhas profissionais, similares às de outros partidos. A direção do PT anestesiou um partido acostumado ao debate e à mobilização de rua. Perdeu a esquerda. Antes de tudo porque foram derrotadas experiências de governos com políticas de promoção da prioridade do social e levando a cabo, em diferentes graus políticas de orçamento participativo. Modelos de governo alternativos aos postos em prática pelo governo federal – de que os casos de Porto Alegre, Belém, São Paulo, são claros – foram derrotados. Perdeu também porque as derrotas do governo foram capitalizadas pela direita, que se fortaleceu, e não por forças mais à esquerda. Estas, ao contrário tiveram um decepção tão inexpressivo quanto costumam ter, enquanto o novo protagonista – o Psol -, terminou se ausentando oficialmente, pelas divergências internas para apoios a candidatos, enquanto intelectuais ligados ao partido pregaram o voto nulo em São Paulo, considerando que as duas candidaturas representariam o mesmo para a cidade e considerando as políticas sociais do governo do PT – de Marcio Pochman, Aldaisa Sposati, dos Centros de Educação Unificados (CEUS) – políticas "assistencialistas". Da mesma forma que em Porto Alegre os membros do Psol fizeram campanha pelo voto nulo diante das candidaturas de Raul Pont e da oposição de direita, revelando a forte propensão a não ter orientação própria, mas a nortear-se perigosamente pelo "anti- petismo". Perdeu também porque as campanhas foram desmobilizadas, com ausência quase absoluta da militância nas ruas, com o deslocamento do eleitorado – especialmente o de classe média – para a direita, arrastando camadas populares nesse movimento. As campanhas de rua continuam a ser substituídas por campanhas midiáticas e por out-doors. Os movimentos sociais estiveram praticamente ausentes das campanhas, embora em geral apoiando as candidaturas do PT. O debate das campanhas tampouco se centrou nos temas essenciais, revelando o avanço da despolitização produzida pelo governo Lula e pela ação desmobilizadora da mídia. A mídia alternativa teve pouca capacidade de expressão, sucumbindo diante da avassaladora ação da grande mídia – escrita e televisiva. A luta neoliberal no seu conjunto – aquela que define os campos fundamentais de força no momento atual – não saiu fortalecida. Perdeu governos importantes, não viu seus temas debatidos, nem processos de mobilização e organização popular avançaram. Além disso, as derrotas sofridas não permitem prever que as mudanças – de ministério e de orientação – do governo Lula se dêem na direção da esquerda, mas provavelmente se concentrem em recompor as alianças ao centro e à direita, já na perspectiva da luta pela reeleição presidencial em 2006. Os inevitáveis balanços internos do PT podem ser contaminados pelas lutas internas também na perspectiva das eleições para governador e senadores em 2006, impedindo que o partido possa encarar seu primeiro grande recuo, produto da derrota sofrida nas eleições municipais. Dificilmente será encarada a substituição do atual presidente do partido, o que poderia representar um aceno para uma maior possibilidade de debate e de mobilização interna da militância. Nesse marco, para a esquerda se coloca com maior força a necessidade de construção de uma ampla frente antineoliberal, que agrupe forças na luta de resistência contra a hegemonia liberal no governo e na sociedade, que conte com os movimentos sociais, com uma bancada parlamentar, com militantes de dentro e de fora do PT e de outros partidos, com intelectuais, organizações civis, imprensa alternativa, para a construção de uma plataforma posneoliberal, que oriente a luta do movimento popular e democrático. A luta por um outro Brasil possível é o que pode recuperar para a esquerda seu perfil e para o país uma alternativa à hegemonia neoliberal.
https://www.alainet.org/pt/active/7060
Subscrever America Latina en Movimiento - RSS