Para Gilmar Mauro, luta é contra modelo econômico
16/11/2004
- Opinión
O Correio da Cidadania publica nesta edição entrevista com
Gilmar Mauro, da coordenação nacional do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ele comenta o
crescimento das mobilizações no campo no mês de novembro e diz
elas possuem um caráter mais localizado mas que, de modo
geral, contestam a política econômica do governo Lula. "É a
continuidade da mobilização e da pressão para garantir que o
presidente cumpra aquilo que prometeu com relação a reforma
agrária e para alterar a política econômica do governo",
declara.
Correio da Cidadania: Como o MST avaliou a jornada de lutas
realizada em abril?
Gilmar Mauro: De forma muito positiva. Essa foi uma das
grandes jornadas de lutas dentro do governo Lula. Recolocou o
debate da reforma agrária na sociedade e também dentro do
poder público. Acho que, depois das movimentações em torno do
Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), foi a principal
mobilização e acabou resultando numa maior preocupação do
governo com a reforma agrária; inclusive, com a criação de um
grupo de trabalho interministerial, especificamente com esta
função.
CC: No que as movimentações de novembro diferem da jornada de
lutas de abril?
GM: Em volume, a de novembro é menor e tem como característica
principal a pressão para solucionar problemas localizados já
que estamos nos aproximando do final do ano e várias questões,
que no nosso entendimento são emergentes, ainda estão sem
solução. Ela não terá o mesmo tamanho da de abril, mas um
elemento importante que queremos destacar nessa jornada é o
fato de o Ministério da Fazenda ser o responsável pela não
liberação de recursos que não estão disponíveis para Incra e
deveriam estar. Tivemos uma reunião, dia 10, com o ministro
Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário) e ele nos contou que
há uma boa perspectiva de estoque de terra e que novas áreas
vêm aparecendo mas que, no entanto, falta dinheiro. Esses
recursos devem vir da Fazenda o mais rápido possível porque o
ano está terminando.
CC: As metas do PNRA poderão ser cumpridas?
GM: Sem as verbas da Fazenda é impossível. E quem diz isso é o
próprio ministro Rossetto. O Ministério da Fazenda precisa
repassar ao Incra mais de R$600 milhões. Existem estoques de
terras sendo mandados para Brasília agora e o Instituto
precisa de recursos para ajuizar as TDAs (Título da Dívida
Agrária) de várias áreas desapropriadas para transformá-las em
assentamentos. Hoje, segundo o MDA, existem ou homologadas ou
em processo de homologação 92,7 mil terras. Se houver a
liberação de recursos, esse número pode ser maior. Mas, não
quero fazer uma avaliação antes de terminar o ano pois acho
cedo para fazermos um balanço final. Segundo o MDA, se houver
liberação de recursos, é bem provável que o governo consiga
chegar muito próximo da meta estabelecida pelo Plano; o que,
para nós, é bom.
CC: A identificação histórica que a base do MST tem com a
figura do presidente Lula começa a ser afetada?
GM: Acho que havia uma expectativa muito maior não só do MST,
mas de outros setores da sociedade com relação ao governo
Lula. Obviamente, essa expectativa tem se transformado numa
espécie de frustração. Isso não significa, ainda, que haja uma
reanimação da nossa base e que seja necessário fazer luta do
tipo "fora Lula", como outros setores estão propondo. Como
movimento social, vamos manter nossa autonomia. Continuaremos
pressionando o governo, fazendo as mobilizações em massa e
negociando. Inclusive, se for o caso, elogiando alguns atos do
governo que signifiquem mudança social. Ou seja, apoiando as
mudanças. Acho que esse é o clima que existe internamente no
MST: continuar pressionando porque a responsabilidade de fazer
avançar a reforma agrária depende de lutas sociais e de massa.
É uma tarefa que nós continuaremos fazendo.
CC: As mobilizações de novembro podem ser entendidas como uma
mudança de postura do movimento com relação ao governo?
GM: Não. Diria que é a continuidade de um processo. Fizemos
mobilizações em abril, tivemos essa de novembro, vai ter a
Conferência da Terra e da Água na próxima semana e,
possivelmente no início do ano, vamos fazer grandes marchas. É
a continuidade da mobilização e da pressão para garantir que
Lula cumpra aquilo que prometeu com relação à reforma agrária
e para alterar a política econômica do governo que, se for
mantida, inviabilizará qualquer tipo de política não só de
reforma agrária, mas também de crescimento econômico
sustentável e qualquer modelo que permita gerar mais empregos
para o povo e melhoria das condições de vida. A luta é contra
o modelo econômico, não contra a figura de Lula ou do ministro
Rossetto.
CC: Qual a expectativa para os próximos meses?
GM: O grande desafio da classe trabalhadora em geral é tentar
construir uma nova hegemonia política de esquerda. Há uma
crise generalizada, não só dos partidos, mas dos movimentos
sociais e sindicais, da intelectualidade, do movimento
estudantil, da igreja progressista e assim por diante. A
correlação de forças é desfavorável em nível internacional e
precisamos pensar um projeto para além do imediatismo. Algo
para cinco, dez anos. Um projeto de acúmulo de forças. No meu
modo de ver, entre os grandes desafios que temos pela frente
está trabalhar a comunicação com a sociedade, a formação de
quadros e estimular a luta de massas porque ela é a única
capaz de alterar a correlação de forças que vivemos na
atualidade.
* Correio da Cidadania 16 de novembro 2004
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