Qual é o limite?

29/04/2014
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A reforma política, cada vez mais pedida pela população brasileira, não diz respeito apenas aos poderes Executivo e Legislativo. É preciso também mexer com o poder Judi­ciário, seus privilégios, suas maze­las.
 
Imagina-se que o término do julgamento da AP 470 finalizasse, também, as aberrações cometidas por setores das instâncias mais altas do poder Judiciário, na ânsia de pre­judicar adversários políticos.
 
Afinal um julgamento que não re­conheceu aos réus o princípio da presunção de inocência – uma das mais importantes garantias consti­tucionais –, que considerou a verda­de uma quimera, que distorceu a te­oria do domínio dos fatos para po­der acusar, que reconheceu que não havia provas de culpa mas a teoria lhe permitia condenar, só pode ser visto como um julgamento de exce­ção. Corajosas quando foram ditas, hoje as palavras de Hildegard Angel sintetizam o que foi a AP 470, tido pela mídia que o patrocinou como o maior julgamento da história. A AP 470 foi “o mentirão”.
 
Mas as aberrações não findaram com as penas estabelecidas aos réus, que não tiveram reconhecido o direi­to ao duplo grau de jurisdição, direito garantido a todo e qualquer acusado pela Convenção Americana de Direi­tos Humanos. O petista José Dirceu, que recebeu uma pena para cumprir em regime semiaberto, encontra-se em regime fechado há seis meses, de­vido à obstinada vontade de Joaquim Barbosa, presidente do STF, de pu­nir o dirigente político. Uma vonta­de, inexplicável para alguns e irracio­nal para outros, que faz, para muitos, parecer que Joaquim Barbosa abriu mão de ser presidente do STF pa­ra ser o carcereiro do José Dirceu. Se assim for, quem é o verdadeiro pri­sioneiro da AP 470, Joaquim Barbo­sa ou José Dirceu?
 
Mas parece que não há limites mesmo, e muito menos um ponto fi­nal, para a perseguição política que alguns setores encastelados no poder Judiciário estão dispostos a cometer.
 
Coube à promotora do Distrito Fe­deral Márcia Milhomens escrever mais um capítulo desse enredo em que, em última instância, o poder Ju­diciário é o maior réu. Para continuar a investigar se Dirceu fez uso de um celular, e assim justificar sua perma­nência em regime fechado, a promo­tora pediu ao STF a quebra do sigilo das ligações telefônicas que inclui a área do Palácio do Planalto.
 
No pedido, a promotora forne­ceu apenas as coordenadas geográfi­cas (longitude e latitude) da área que deveria ser investigada. Um cuidado que nos dá a possibilidade de pensar que havia a intencionalidade de levar o STF aprovar sim a quebra de sigilo dos celulares do Palácio do Planalto, de forma subrreptícia.
 
A justificativa que a Dra. Milho­mens deu, depois que o Conselho Na­cional do Ministério Público (CNMP) abriu processo para investigar o seu pedido, soou ainda pior. A promoto­ra afirmou que recebeu a denúncia em caráter informal, e que seus infor­mantes “recusaram-se, peremptoria­mente, a prestar depoimento formal”.
 
Portanto, para esta promotora, bastou uma denúncia anônima, sem data e nem hora, para justificar a quebra dos sigilos dos celulares das pessoas que cercam a presidenta Dil­ma Rousseff e o dela própria.
 
Sendo suficiente uma denúncia anônima, real ou fictícia, essa pro­motora terá uma sobrecarga de tra­balho. O leitor da revista Istoé, que em 2003 leu a reportagem onde apa­rece Ricardo Sérgio Oliveira, caixa das campanhas eleitorais de Fernan­do Henrique Cardoso e José Serra, se associando ao Alberto Youssef pa­ra enviar 56 milhões de dólares para o exterior, pode pedir a quebra do si­gilo telefônico dos dois tucanos para averiguar suas ligações com o doleiro hoje preso?
 
Em fevereiro de 2009, quando Aé­cio Neves disputava com José Serra quem seria o candidato tucano para enfrentar a petista Dilma Rousseff, o jornalista Mauro Chaves escreveu no jornal O Estado de S. Paulo o artigo “Pó pará, governador?”. Dizem que não havia a necessidade do artigo. Bastava o título para o então gover­nador de MG compreender a mensa­gem dos tucanos paulistas. Mas bas­taria esse artigo para dar credibilida­de aos boatos que circulam, há anos, dizendo que o então governador era usuário de cocaína?
 
Da mesma forma, o fato do sena­dor Zezé Perrella ser o dono do heli­cóptero apreendido com quase meia tonelada de pasta de cocaína, é sufi­ciente para promotora aceitar uma denúncia anônima contra o senador amigo do Aécio e suas ligações com o Palácio Tiradentes?
 
No caso do conluio envolven­do Carlinhos Cachoeira, o ex-sena­dor Demóstenes Torres, o governa­dor goiano Marconi Perillo e a revis­ta Veja parece que não há mais nada a ser investigado...
 
Caso ainda sobre tempo para outras investigações, nunca é tar­de para recordar que os livros A Privataria Tucana e o Príncipe da Privataria, foram os mais vendi­dos nos últimos anos e desperta­ram muitas curiosidades, e exigem inúmeras respostas ao povo bra­sileiro. Neles não há apenas indí­cios, há documentos que compra­vam as ações criminosas.
 
A reforma política, cada vez mais pedida pela população brasileira, não diz respeito apenas aos poderes Executivo e Legislativo. É preciso também mexer com o poder Judi­ciário, seus privilégios, suas maze­las.Torná-lo mais forte, transparen­te e democrático, não deixando se subordinar aos interesses do poder econômico e midiático. Assim, não teremos mais presidentes do STF que transformam os réus em víti­mas pessoais e se outorguem a con­dição de carcereiros das mesmas.
 
 
Editorial da edição 583 do Jornal Brasil de Fato
 
30/04/2014
 
https://www.alainet.org/pt/active/73392?language=es
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