Das advertências que vem de lá
11/05/2014
- Opinión
O colunista Arnaldo Jabor, no jornal Estado de São Paulo (06.05), termina uma coluna política da sua lavra, com o seguinte apelo: “O Brasil está sofrendo uma mutação gravíssima e nossas cabeças também. É preciso tirar do poder esses caras que se julgam ‘sujeitos da história’. Até que são mesmo, só que de uma história suja e calamitosa”. Este texto foi publicado no curso de uma campanha da mídia tradicional, não somente contra o governo da Presidenta Dilma, mas já combinada com uma campanha contra o Estado e contra os partidos em geral, especialmente contra tudo que cheira esquerda. Esta cruzada já está contaminando, igualmente, a suposta isenção da cobertura eleitoral, bem como a importância das eleições presidenciais. Já festejam que quase 70% dos eleitores não gostariam de votar em 2014.
De outra parte, a campanha contra Petrobrás e a favor de uma CPI, como se esta tivesse interesse em investigar corrupção e ilegalidades -de resto já sob análise do MP e da Polícia Federal- alcançou um paroxismo inédito.
De outra parte, a campanha contra Petrobrás e a favor de uma CPI, como se esta tivesse interesse em investigar corrupção e ilegalidades -de resto já sob análise do MP e da Polícia Federal- alcançou um paroxismo inédito.
Não há mais noticiário político, nas televisões, com um mínimo de equilíbrio. Aliás, os informativos tratam, principalmente, de crimes (assassinatos em especial), incêndios de ônibus nas grandes capitais; tratam de deficiências na prestação dos serviços públicos (com fatos singulares, como se fossem característicos das prestações dos serviços estatais); tratam de pequenas e grandes corrupções, com acompanhamento (para humilhar) do cumprimento da pena do ex-Ministro José Dirceu (já privilegiando a visita da sua filha!); tratam da impropriedade do BNDES de subsidiar investimentos que promovem empregos. Certamente o fazem para que esqueçamos um fato já notório, atestado por juristas insuspeitos: Dirceu e Genoíno foram condenados sem provas, depois uma formidável pressão, promovida para desgastar a memória positiva, no meio popular, dos governos do Presidente Lula.
Nem tudo que é publicado é inverdade ou manipulação. Inclusive sobre a esquerda em geral e sobre o próprio partido que pertenço, como se vê de casos recentes. Mas a grande mensagem que está sendo passada, de forma abrangente e totalitária, não é, na verdade, destinada a criticar o sistema político, melhorar a vida interna e os procedimentos dos partidos ou mesmo as instituições públicas do Estado. A grande mensagem é outra e a questão de fundo está contida no texto de Jabor, que diz com todas as letras: “O Brasil está sofrendo mutação gravíssima e as nossas cabeças também.”
À medida que é dado tratamento distorcido ao Governo – seus problemas e suas conquistas-, à medida que não se contrastam os problemas econômicos e financeiros do país com o cenário da crise global; à medida que é promovida uma propaganda massiva do privatismo e do antiestatismo -relativizando ou deixando de lado todas as incompetências e corrupções do polo neoliberal, desde a crise da água em São Paulo até o “mensalão mineiro”; à medida que se omite que a corrupção aparece mais, porque os nossos Governos instituíram a Controladoria da União e aparelharam os demais órgãos de controle e a própria Polícia Federal; à medida que se coloca como regra que os políticos e os partidos, em geral, são ineficientes e corruptos, o que está se tratando, meticulosamente, é de promover uma disputa de fundo sobre o futuro.
Esta “mutação gravíssima” do Brasil e das “nossas cabeças”, como disse Jabor, vai para que direção? É isso que está em disputa e das suas respostas vai ser instituída uma democracia mais, ou menos substantiva, mais, ou menos receptiva das desigualdades brutais que o nosso país ainda mantém.
Como as políticas de desenvolvimento e as políticas de redistribuição de renda promoveram a redução das diferenças, internamente ao mundo trabalho – diminuindo os espaços entre os assalariados de baixa e alta renda – mas não atingiram as desigualdades que ocorrem na apropriação desigual entre capital e trabalho (para reduzir a diferença entre a “renda do capital” e “renda do trabalho”), fica claro que o Brasil, para avançar com mais estabilidade, terá de enfrentar agora um outro conflito: entre a totalidade dos assalariados que querem mais renda e mais Estado social, de um lado e, de outro, o grande capital que quer mais “renda”, através do sistema financeiro privado, e menos Estado social, com redução dos gastos públicos especialmente na área social,.
Como as políticas de desenvolvimento e as políticas de redistribuição de renda promoveram a redução das diferenças, internamente ao mundo trabalho – diminuindo os espaços entre os assalariados de baixa e alta renda – mas não atingiram as desigualdades que ocorrem na apropriação desigual entre capital e trabalho (para reduzir a diferença entre a “renda do capital” e “renda do trabalho”), fica claro que o Brasil, para avançar com mais estabilidade, terá de enfrentar agora um outro conflito: entre a totalidade dos assalariados que querem mais renda e mais Estado social, de um lado e, de outro, o grande capital que quer mais “renda”, através do sistema financeiro privado, e menos Estado social, com redução dos gastos públicos especialmente na área social,.
O artigo de José Luís Fiori “A miragem mexicana” (Carta Maior, 01.05.14) faz uma síntese perfeita do que está em disputa entre as grandes correntes políticas que incidem sobre as eleições de 2014. A saber, entre os entusiastas do modelo mexicano, de corte liberal não intervencionista (depreciadores da capacidade regulatória do Estado) e os que entendem que a capacidade regulatória do Estado pode criar uma sociedade mais coesa (corrente neo-keinesianista social-democrata), própria para atenuar as brutalidades do capitalismo e abrir à sociedade, perspectivas de emancipação social.
Ressalto esta contradição porque é voluntarista entender, hoje, que o debate principal no país é entre socialistas e não socialistas. Esta análise gera divisões artificiais no campo popular e democrático, já que o debate real foi bem colocado e com intenções muito claras, pelo estrategista Jabor: a mutação gravíssima das “nossas cabeças” embarcará na tolerância do caminho aberto da “tradição da dúvida” – como diz Maria Rita Kehel -, ou se fixará na a “tradição da certeza”. Ficará com esta visão do caminho único, defendida pelo estrategista Jabor, que querem nos impingir (de mais desigualdades, guerras e intolerância), ou se abrirá para o caminho da utopia democrática, que contém o socialismo ( não como repartidor de carências) como democracia realizada no seu sentido pleno.
Na verdade, lamentavelmente, a História tem sido sempre “suja e calamitosa” e ela revela, em todos os campos políticos, não somente as imperfeições humanas, mas também as grandezas, as escolhas morais, as capacidades dos indivíduos se posicionarem nos grandes conflitos sociais e econômicos, de um lado ou de outro. Mas ela também revela a capacidade de cada um escolher o seu desempenho ético, naquilo que Lukács designou como centralidade ontológica do presente”.
No Brasil, hoje, o que está sendo preparado pela grande mídia e pela direita – que é beneficiária conjuntural das suas manipulações – é a intolerância, não somente com os movimentos sociais, com os comunistas ou com o PT, mas sobretudo com a democracia e com as instituições republicanas. Como disse, recentemente, aqui no meu Rio Grande, o líder empresarial Jorge Gerdau, um dos homens mais ricos do mundo: “Os gaúchos estão felizes, mas por acomodação” (Zero Hora 04.05). Se o texto não foi editado para prejudicar o entrevistado, o que parece improvável pelo posicionamento político tradicional do referido jornal, Gerdau quer dizer que aqueles que não forem ricos como ele não têm direito à felicidade dentro da democracia. Mesmo que seja num momento de pleno emprego e de funcionamento razoável do Estado Democrático de Direito.
- Tarso Genro é governador do Estado do Rio Grande do Sul
12/mai/2014
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