Perspectivas da esquerda na América Central

18/05/2014
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Apesar de inúmeros obstáculos estruturais e políticos, um breve balanço dos recentes processos eleitorais na América Central aponta para um importante avanço da esquerda em quatro de seus sete países – Costa Rica, El Salvador, Nicarágua e Honduras.

Essa região sofreu diversas intervenções americanas durante o século 20. Algumas foram diretas, como a ocupação da Nicarágua pelos marines, entre 1927 e 1933, enfrentada pela guerrilha liderada por Augusto Cesar Sandino, posteriormente assassinado por Anastacio Somoza García. Este deu início a uma dinastia ditatorial e corrupta que durou até 1979, com a vitória da Revolução Sandinista.

Outras intervenções foram indiretas, com apoio americano a golpes militares que derrubaram regimes democráticos na Guatemala, Honduras e El Salvador para garantir interesses econômicos e políticos dos Estados Unidos. Durante a Guerra Fria, os conflitos entre essas ditaduras e os movimentos guerrilheiros de esquerda se acirraram extraordinariamente na Nicarágua, El Salvador e Guatemala, de forma a serem caracterizados como guerras civis. Na Guatemala, cerca de 200 mil pessoas, em sua maioria de origem indígena e camponesa, foram assassinadas pelas Forças Armadas desde o golpe que derrubou Jacobo Arbénz, em 1954, até o acordo de paz entre o governo e a guerrilha, firmado em 1996. Ainda hoje, porém, a violação de direitos humanos no país continua muito grave.

Ao longo desse mesmo período, foram governados por regimes razoavelmente democráticos a Costa Rica e o Panamá, embora, neste último, os Estados Unidos tenham ocupado e mantido como sua propriedade, até 1999, uma faixa de terra em torno do Canal do Panamá, além de invadirem o país em 1989 para prender o então general-presidente Manuel Noriega, condenado pela Justiça americana como traficante de drogas. Belize, por sua vez, com uma população de pouco mais de 300 mil habitantes, era colônia britânica até 1981 (Honduras Britânica). Seu sistema político é parlamentarista e, na prática, há apenas dois partidos com representação no Parlamento, o da União Democrática (UDP), conservador, e o Popular Unificado (PUP), democrata cristão – ou seja, o matiz de governo se situa entre a direita e a centro-direita.

As recentes disputas eleitorais e seus resultados:
 
  • Na Nicarágua, Daniel Ortega, da Frente Sandinista de Libertação Nacional, foi reeleito para o segundo mandato em 2011. Nesse meio tempo, o Congresso aprovou uma mudança na Constituição que eliminou o limite de mandatos consecutivos para a Presidência. Nas eleições municipais ocorridas no início de 2014, a Frente foi o partido mais votado, vencendo inclusive onde a direita era tradicionalmente hegemônica.
 
  • Em El Salvador, o candidato à Presidência da Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN), Sánchez Cerén, sagrou-se recentemente vencedor no segundo turno sobre o candidato da Arena (direita), Norman Quijano, por uma diferença de cerca de seiscentos votos. Esse resultado demonstrou o apoio da população às políticas implementadas pelo governo de Mauricio Funes, que termina seu mandato, e sua confiança na continuidade das transformações, apesar das dificuldades estruturais de um país muito pobre e com quase um terço de suas divisas internacionais proveniente das remessas de recursos de imigrantes salvadorenhos que vivem principalmente nos EUA.
 
  • Em Honduras, as pesquisas indicavam a vitória de Xiomara Castro, do Partido Liberdade e Renovação (Libre), mas o resultado final a colocou em segundo lugar, perdendo para o candidato Juan Orlando Hernández, do Partido Nacional, de direita, em um processo com indícios de fraude. De todo modo, o Libre, uma coligação de agrupamentos de esquerda e de dissidentes do Partido Liberal correligionários de Manuel Zelaya, elegeu quase um terço do Parlamento, além de vários prefeitos e vereadores, rompendo o bipartidarismo histórico exercido pelos conservadores e liberais e abrindo perspectivas de chegar ao governo em um futuro próximo.
 
  • Na Costa Rica, o grande derrotado foi o Partido da Libertação Nacional (PLN), de cunho social-democrata, liderado desde há muito por Oscar Árias, que aderiu às teses neoliberais. Seu candidato, Johnny Araya, prefeito de San José por vinte anos, obteve o segundo lugar no primeiro turno, perdendo para um dissidente do PLN, Luis Guillermo Solís, candidato Partido Ação Cidadã (PAC), de centro-esquerda. Este venceu o segundo turno com cerca de 70% dos votos, até porque Araya abandonou a campanha eleitoral ao perceber que não teria chance. A boa surpresa foi o desempenho da Frente Ampla, de esquerda, que ampliou sua presença no Parlamento, cujo único deputado até agora era José Maria Villalta. Também candidato à Presidência, Villalta obteve quase 20% dos votos, chegando a ser apontado nas pesquisas eleitorais como aquele que virtualmente enfrentaria Johnny Araya no segundo turno.
 
Já no Panamá e na Guatemala o quadro político é ruim. No primeiro, as eleições presidenciais realizadas em 4 de maio deram a vitória ao candidato do Partido Panameñista e atual vice-presidente, Juan Carlos Varela, de direita, que derrotou Juan Domingo Arias, do Cambio Democrático, também de direita, apoiado pelo atual presidente, Ricardo Martinelli. Juan Carlos Navarro, do Partido da Revolução Democrática (PRD), de centro-esquerda, ficou em terceiro lugar. Além do nome, os três têm em comum a atividade empresarial. A novidade foi o lançamento de um partido a partir do movimento sindical, principalmente da construção civil, a Frente Ampla pela Democracia (FAD), mas seu candidato presidencial, Genaro López, não alcançou sequer 1% dos votos e o partido não elegeu nenhum parlamentar.   

A incorporação da coalizão guerrilheira de esquerda à política institucional na Guatemala não logrou transformá-la em um partido representativo, como ocorreu na Nicarágua e em El Salvador, e em nenhum momento ultrapassou 15% dos votos, chegando inclusive a dividir-se em algumas disputas eleitorais. Na eleição presidencial de 2011, a Frente Ampla, formada pela Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca (URNG), pela Aliança Nova Nação (ANN) e pelo Movimento Político Winaq, liderado pela Nobel da Paz Rigoberta, que encabeçou a chapa eleitoral, obteve 3,25% dos votos, e o eleito foi o general Otto Pérez Molina, de direita.

Apesar da situação política adversa em Belize, Panamá e Guatemala, o quadro geral é positivo, sobretudo quando se leva em conta a interferência dos EUA na região, que hoje se dá menos pela via dos golpes – o mais recente foi o de Honduras em 2008 – e mais pelo apoio político e financeiro aos partidos de direita, inclusive com participação escancarada dos embaixadores americanos. Aliás, essa interferência ocorre também em outras regiões, de forma mais ou menos dissimulada.

- Kjeld Jakobsen é diretor da Fundação Perseu Abramo
 
Teoria e Debate, Edição 124, 12 maio 2014
 
 
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