A hora da Copa

05/06/2014
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Se ao chegar aqui o turista deparar com uma manifestação,
Se ao chegar aqui o turista deparar com uma manifestação,
ele vai ter de entender que a democracia brasileira é assim
Foto: Marcelo Camargo/ABr
 
Quando, em 2007, o Brasil conquistou o direito de sediar a Copa do Mundo, numa disputa com vários países, comemoramos com orgulho e satisfação. Era mais um acontecimento simbólico daquele momento, em que o presidente Lula demonstrava que o Brasil pode ser um país vencedor. Ele brigou muito para poder realizá-la aqui, assim como a Olimpíada, porque tinha consciência de que esses eventos significariam grandes oportunidades ao nosso país. Para imaginar as possibilidades que a Copa nos traz, basta pensar que é o maior evento de mídia do planeta. Em 2010, sua partida final foi vista por 3,2 bilhões de pessoas, 40% da população mundial.
 
Entretanto, foi jogada sobre a Copa uma responsabilidade muito além do que ela representa como torneio de futebol – e sua realização acabou se transformando no centro de uma disputa política. Nos últimos dois meses, estive nas doze cidades-sede do Mundial para debater com os movimentos populares e entidades da sociedade civil seus significados para o Brasil. Fizemos aquilo que chamo de escuta interessada, ouvindo os problemas e os protestos apresentados, mas mostrando também as informações reais sobre a preparação do torneio e os ganhos que ele já trouxe para o nosso país. Ficou claro, nesses encontros, que grande parte dos argumentos contrários à Copa está baseada em informações distorcidas e meias verdades.
 
Por outro lado, é preciso reconhecer que nosso governo não fez adequadamente o debate com a sociedade sobre a Copa do Mundo. Essa autocrítica é importante para compreender por que perdemos a batalha da comunicação em torno do evento e possibilitamos que nossos adversários construíssem uma falsa imagem de que foi contaminado pela corrupção, com a construção de “elefantes brancos”, com a submissão do país à Fifa e com grandes prejuízos para o nosso povo.
 
Mas o sentimento negativo que se espalhou por muitos lugares ainda pode ser revertido por meio do diálogo transparente e da desconstrução das distorções divulgadas em grande escala por boa parte da mídia. Mesmo porque esse sentimento não desfaz os benefícios reais que a Copa já trouxe e vai trazer ao Brasil. São ganhos que se dão em diversos campos da vida econômica, social e cultural do país. O Brasil tem hoje uma das menores taxas de desemprego do planeta, enquanto a Europa se vê diante de um grave processo de ampliação do desemprego e da pobreza. A preparação para o torneio gerou centenas de milhares de novos postos de trabalho, principalmente nas áreas da construção civil e do turismo. Pesquisa da Fundação de Estudos e Pesquisas Econômicas da USP constatou que a Copa das Confederações gerou 303 mil empregos e prevê que a Copa do Mundo vai gerar três vezes mais, acrescentando R$ 30 bilhões ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2014.
 
O evento já está abrindo um campo enorme para o crescimento do nosso turismo e vai deixar um importante legado para as cidades-sede, com os estádios multiuso e as obras de infraestrutura e mobilidade, além dos empregos e do intercâmbio cultural, entre tantos outros aspectos. De 2010 a 2016, vão ser inaugurados no Brasil cerca de 400 empreendimentos de hotelaria.
 
Muito se fala sobre o atraso e o custo das obras. Entretanto, há muita distorção nessa questão. Todas as obras necessárias para a Copa estão prontas. Temos doze belíssimos estádios cujo custo está alinhado aos padrões internacionais, no mesmo patamar das arenas construídas para as Copas da África e da Alemanha. E eles não ficarão subutilizados, pois são multiuso. Além do futebol, vão receber grandes shows e eventos. Aliás, isso já está acontecendo em Fortaleza e em Brasília. O novo Mané Garrincha, em um ano de funcionamento, recebeu mais público do que o antigo durante seus 36 anos de existência na capital federal.
 
Além dos estádios, as principais intervenções necessárias para a Copa ocorreram nos aeroportos, com reformas e ampliações que já tornaram a maioria deles equipamentos de excelente qualidade. Novas obras ainda serão realizadas, dentro de um plano de ampliação de longo prazo de nossa estrutura aeroviária. De todo modo, o que já foi feito é mais que suficiente para o evento.
 
O governo brasileiro aproveitou a oportunidade da Copa para adiantar um conjunto de obras estruturais, voltadas principalmente para a mobilidade urbana. Parte delas, entretanto, não está pronta. Mas não serão paralisadas. Em pouco tempo serão entregues e, por muitas décadas, vão servir às populações das capitais, em especial aos usuários do sistema de transporte de massa, pois estamos falando de metrôs, BRTs (ônibus articulados com canaletas exclusivas) e VLTs (veículos leves sobre trilhos). Apesar das muitas acusações genéricas de desvios, superfaturamento e corrupção, todas essas obras estão sendo rigorosamente monitoradas pela Controladoria-Geral da União (CGU), pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Ministério Público Federal (MPF).
 
Outra acusação recorrente é que os gastos com a Copa do Mundo prejudicaram os investimentos do governo nas áreas de saúde e educação, que estariam em péssima situação. Apesar de disseminado, esse é um argumento que não se sustenta nos fatos. As despesas com o evento somam R$ 25,6 bilhões. Desse total, R$ 17,6 milhões foram para as obras estruturais, principalmente em aeroportos, portos, transporte público e telecomunicações, que ficarão como benefícios permanentes para a população. Já os doze estádios custaram R$ 8 bilhões, dos quais o governo federal entrou com R$ 3,9 bilhões por meio de financiamento do BNDES, que serão pagos.
 
Esses gastos de R$ 25,6 bilhões não prejudicaram a saúde e a educação simplesmente porque o custo dessas políticas públicas é incomparavelmente superior. Desde 2010, quando se iniciaram as obras da Copa, os recursos federais para as duas áreas já somam R$ 825,3 bilhões. É sempre bom lembrar: o que de fato continua a prejudicar a saúde foi a iniciativa dos partidos de oposição, durante o governo Lula, de derrubar a CPMF, o imposto sobre as movimentações financeiras que destinava R$ 40 bilhões por ano ao setor e ainda era um instrumento de combate à corrupção.
 
Por outro lado, não dá para aceitar a desqualificação generalizada das nossas políticas de saúde e educação. Muitos foram os avanços que já alcançamos. O ensino superior passou por uma profunda transformação com o Reuni, o Prouni, o Fies, o Ciência sem Fronteiras, além da democratização do acesso com o Enem. E o ensino técnico deu um grande salto com o Pronatec. Se ainda há muitos problemas, muito a avançar, principalmente na educação básica, essas ações mostram que os recursos estão sendo bem utilizados. O mesmo vale para a saúde, e exemplos localizados de mau atendimento não tiram os avanços concretos para os milhões de usuários do SUS – o maior sistema público de saúde do mundo. As novas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e o Mais Médicos estão expandindo para 49 milhões de brasileiros o Programa Saúde da Família. Um fato que prova essa melhoria na área é a redução em 40% da taxa de mortalidade infantil no país.
 
A Copa tornou-se também, por diversos fatores, uma oportunidade para dar visibilidade a protestos e manifestações ligadas a diversas demandas da sociedade brasileira. Grande parte delas, entretanto, sem ligação direta com o evento, mas relacionadas sobretudo às questões de moradia e mobilidade urbana. Quem quiser vai realizar seus protestos durante a Copa.
 
Se ao chegar aqui o turista estrangeiro deparar com uma manifestação, ele vai ter de entender, para orgulho nosso, que a democracia brasileira é assim. Acabou a democracia restrita apenas ao momento do voto. O povo brasileiro passou a ser sujeito de direitos e, consciente disso, vai à luta. E o governo, daqui para a frente, vai ter de aprender a conviver com as manifestações. É um salto que estamos dando na democracia. Por isso, para nós não tem sentido tentar impedir ou reprimir as manifestações.
 
O governo federal tem se articulado com os governos dos estados e tomado medidas para evitar que haja violência  da polícia contra manifestantes. Por intermédio do Ministério da Justiça, estamos fazendo protocolos com as Polícias Militares estaduais para assegurar isso. Mas também não podemos tolerar nenhuma violência dos manifestantes, porque não dá para deixar prosperar no Brasil esse clima de alguns grupos quererem fazer justiça com as próprias mãos. E o direito dos manifestantes não pode suprimir os direitos das demais pessoas.
 
Finalmente, cabe destacar que a presidenta Dilma Rousseff agregou à Copa um aspecto político de grande relevância: tomou a iniciativa de marcar esse evento com o lema “Pela paz e contra o racismo”, que será levado como mensagem em todas as partidas do torneio. Infelizmente, vários episódios de discriminação racial têm ocorrido em diferentes partes do mundo, inclusive nos campos de futebol. Enfrentar esse problema e pautar mundialmente o debate sobre sua superação é mais uma contribuição que o Brasil vai dar com a Copa de 2014.

- Gilberto Carvalho é ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República
 
Teoria e Debate, Edição 125, 05 junho 2014
 
https://www.alainet.org/pt/active/74397

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