As mil faces de Marina Silva
28/08/2014
- Opinión
Em política, uma imagem vale mais que mil palavras. A construção da imagem política é um processo lento, que exige a repetição contínua de alguns mantras e a obstinação de seus seguidores.
Uma vez construída, a desestruturação da imagem de um partido ou candidato pode se provar dificil de se consumar, mesmo com bons argumentos para isso.
No caso do PT, por exemplo, ao longo de sua história constituíram-se duas fortes imagens vinculadas ao partido: a de guardião da ética na política e a de defensor dos mais pobres e trabalhadores.
A primeira imagem, formada enquanto o PT se encontrava na oposição, foi fortemente abalada por alguns escândalos de corrupção ocorridos nas gestões petistas.
Mesmo assim, até hoje o PT não representa, no imaginário da maior parte da população (excluíndo-se aí parcelas tipicamente anti-petistas), um partido corrupto, apesar do bombardeio midiático incessante contra a agremiação partidária.
Por outro lado, a imagem de partido defensor dos interesses dos pobres e trabalhadores apenas se reforçou com os quase doze anos de governo petista à frente da presidência da República.
Projeto próprio
No caso de Marina Silva, a construção de sua imagem é mais recente. Após cumprir mandato no Senado pelo PT e ser ministra do Meio Ambiente de Lula, Marina abandonou o partido em busca da construção de um projeto político próprio.
Sua histórica ligação com as causas ambientais iniciaram a construção da imagem de uma militante verde, que apenas se reforçou com seu ingresso e candidatura federal pelo Partido Verde.
No entanto, a causa ambiental, apesar de possuir forte apelo em parcelas da juventude, é insuficiente para construir uma imagem política forte para gabaritar alguém à assumir o cargo máximo da república.
Novidade política?
Sendo assim, outro fator teve que ser agregado à imagem de Marina ao longo dos últimos anos: a de novidade política que propõe uma ruptura com o sistema político atual.
Com essas duas imagens construídas, Marina Silva parece conquistar parte significava da juventude de classe média alta das grandes cidades, que se preocupam com a questão ambiental e gostariam de ver uma nova ordem política no país.
Neste momento em que Marina mais uma vez se lança a presidência da república, nos cabe perguntar: qual o conteúdo por trás de sua imagem?
De galho em galho
Pois vejamos: do ponto de vista político, Marina é uma ex-petista que, após sua saída do PT, passou pelo PV, do qual fez uso como plataforma para organizar sua campanha.
Após desavenças no PV, tentou fundar um novo partido a tempo de servir como plataforma eleitoral para seu renovado projeto eleitoral. Não tendo êxito nesta empreitada, aceitou aderir ao PSB para ser capaz de manter seu projeto de poder vivo.
O projeto político de Marina Silva parece ser a ascensão ao poder de Marina Silva, independente de por qual partido isso ocorra.
Nada mais tradicional no jogo de poder da política brasileira do que políticos com projetos pessoais de poder, independente de partidos e base social, como o caso aqui descrito.
Além disso, Marina é incapaz de explicar como irá governar sem o apoio dos principais partidos políticos constituídos, se valendo de frases de efeito como “governar com os melhores”, que não possuem aderência à realidade do modelo político brasileiro.
Discurso frágil
O fato de sua campanha ser liderada pela família Bornhausen em Santa Catarina e por Heráclito Fortes no Piauí, ambos conservadores políticos tradicionais ex-integrandes do DEM , demonstra a fragilidade do discurso marinista.
Do ponto de vista econômico, Marina Silva não representa nenhuma novidade no debate público. Suas posições sobre o tema, até o momento, são repetições do discurso liberal de Eduardo Giannetti, seu assessor econômico ligado historicamente ao PSDB.
Em recentes declarações, Gianetti tem repetido para quem quiser ouvir que o projeto econômico de Marina é basicamente o mesmo que o projeto de Aécio Neves, o que ao contrário de representar uma novidade, parece apontar para um retorno ao modelo econômico do governo FHC.
A defesa da redução do papel do Estado, do corte de gastos (inclusive de gastos sociais) e do controle radical da inflação, mesmo que as custas de maior desemprego e de uma recessão, foram plenamente incorporadas no discurso de Marina.
Dúbia e conservadora
Por fim, do ponto de vista dos valores, Marina representa o completo oposto da renovação, possuindo opiniões bastante conservadoras sob qualquer prisma que se analise.
Sua postura sobre aborto, combate às drogas, criminalização da homofobia dentre outros tópicos polêmicos a tornam a candidata mais conservadora do pleito atual no que diz respeito ao debate sobre costumes.
Sua formação evangélica, que lhe serve como base de sustentação política, permite que mantenha em público um discurso dúbio sobre temas polêmicos (como sua proposta de realizar um plebiscito para discutir a questão do aborto), mantendo assim seu eleitorado evangélico ao mesmo tempo em que sinaliza alguma esperança aos eleitores mais progressistas.
Imagem e semelhança
Ao final, o que sobra de novidade em Marina? Apesar de incorporar ao seu discurso a temática ambiental, em todas as outras áreas Marina se parece muito com um político tradicional.
Politicamente, muda de partido com o objetivo de viabilizar seu projeto pessoal de poder. Economicamente, se alinha ao discurso liberal do PSDB, se valendo de ex-tucanos como seus principais assessores.
No quesito dos valores, adota posturas conservadoras e as minimiza posteriormente para agradar algumas parcelas da juventude mais progressista.
Em caso de vitória eleitoral, um possível governo Marina Silva se veria diante do seguinte dilema: garantir governabilidade se apoiando em setores políticos tradicionais dentro e fora do Congresso, o que equivaleria a uma traição aos eleitores que apostaram na ideia de que é possível fazer política de uma forma “nova”; ou honrar seus compromissos com o eleitorado e não ter força política para governar, caindo no risco de paralisia governamental ou mesmo instabilidade institucional.
Caso resolva construir uma aliança com os setores tradicionais,suas recentes declarações e seus apoiadores atuais nos fazem crer que seu governo se aliará aos interesses dos bancos, do mercado financeiro e de parcelas do empresariado, enquanto no Congresso Nacional se verá obrigada a amarrar uma aliança que conte ao menos com o PSDB e o PMDB para lhe garantir governabilidade. O que há de “novo” nessas alianças de poder?
Não seria esse arco de sustentação o retorno à velha coalizão liberal de FHC? Talvez isso explique o recente abondono do ex-presidente ao candidato de seu partido e suas declarações de apoio velado à Marina Silva.
Apesar de seu discurso e suas ações não corresponderem à sua imagem, será difícil a seus adversários desconstruir o mito Marina Silva.
Além de haver pouco tempo de campanha eleitoral, a candidata dificilmente irá assumir posturas muito claras na maior parte do debate, mantendo-se como um “espectro” inatacável. Caso se mantenha bem posicionada nas pesquisas, dificilmente tal espectro irá se materializar em verdadeiros compromissos políticos, seja com os eleitores, seja com outros partidos políticos.
Caso, no entanto, a população passe a duvidar da imagem de Marina, ela terá que se materializar, sair do campo das ideias dúbias e assumir algumas posições concretas. Se isto ocorrer, o “mito” Marina Silva estará seriamente ameaçado, pois suas contradições podem vir à tona e torná-la apenas mais uma dessas boas ideais que se desmancham no ar.
- Guilherme Santos Mello é economista com doutorado pela Unicamp, pesquisador do Cecon-IE/Unicamp e professor da Facamp
29/08/2014
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