Sobre a recente queda da desigualdade de renda no Brasil
01/09/2014
- Opinión
Entre 2002 e 2012, o coeficiente de Gini, que mede a desigualdade de renda, diminuiu de 0,59 para 0,53. Segundo o Pnud, o percentual de brasileiros em situação de pobreza caiu 22,5% em seis anos, e, para a OIT, a parcela de indigentes reduziu-se de 25% da população em 2001 para 17,4% em 2009. Foram retiradas da pobreza 23 milhões de pessoas
De um dos mais utilizados manuais de microeconomia, retira-se a seguinte citação: “A desigualdade crescente pode ser desvantajosa para trabalhadores com baixos salários, cujas oportunidades limitadas podem levá-los a sair da força de trabalho e, no limite, podem até entrar para o crime. No entanto, ela [a desigualdade] também pode motivar os trabalhadores, cujas oportunidades para ascensão a partir de empregos de altos salários nunca estiveram melhores” (Pindyck e Rubinfeld, 2001: 529, tradução livre).
Assim, percebe-se que, para uma ala de economistas, a desigualdade pode ser considerada um incentivo.
No entanto, organizações internacionais como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) têm apontado para a necessidade de diminuir as desigualdades sociais e garantir a justiça social, permitindo que todos os cidadãos tenham acesso a oportunidades e possam desenvolver suas capacidades de maneira mais equitativa, como mostram relatórios dessas organizações que citaremos a seguir.
Entre 2002 e 2012, no Brasil, o coeficiente de Gini – que mede a desigualdade de renda – diminuiu de 0,59 para 0,53 (gráfico abaixo), enquanto, nesse mesmo intervalo de tempo, a razão entre a renda dos 10% mais ricos e a dos 40% mais pobres declinou de 22,2% para 15,4%.
Além do índice de Gini e outras medidas de desigualdade, o percentual de brasileiros em situação de pobreza multidimensional caiu 22,5% em seis anos, segundo o PNUD.
E o 5º Relatório Nacional de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) mostrou que o Brasil avançou muito além da meta de reduzir a fome e a miséria pela metade até 2015. A redução da pobreza contribuiu também para a queda da desigualdade no País.
Apesar da melhora, é certo que o País continua apresentando altos níveis de desigualdade. No entanto, deve-se considerar que o aprofundamento das desigualdades econômicas e sociais alcançou, no período recente, o posto de uma das maiores preocupações globais, especialmente nos países ditos desenvolvidos e, nesse sentido (positivo), o Brasil vai na contramão.
Estudos mostram que a Europa ocidental e os Estados Unidos apresentam, a partir da década de 1950, uma queda na desigualdade, que se estende até a década de 1970 ou 1980, quando ocorre uma reversão. Esta remonta ao processo de desconstrução da arquitetura econômica e política que serviu de sustentação aos “anos dourados” do capitalismo do pós-guerra.
Adicionalmente, entre 1988 e 2008, o coeficiente de Gini (da renda) aumentou em 58 países, enquanto, no mundo, sete de cada dez pessoas residem em países cuja concentração dos rendimentos se ampliou no período recente.
Por outro lado, segundo a OIT , a proporção da população brasileira vivendo em situação de indigência reduziu-se de 25% da população em 2001 para 17,4% em 2009, e o pagamento de benefícios pela Previdência Social retirou da condição de pobreza cerca de 23 milhões de pessoas, com redução de 12,5 pontos percentuais na taxa de pobreza.
Nesse contexto, a Seguridade Social e em especial a Previdência Social brasileira podem ser consideradas como bem-sucedidas, com o Brasil sendo exemplo para outros países.
Outros estudos apontam que esta trajetória positiva se origina, não única mas decisivamente, na mudança da postura governamental, já a partir de 2003, mas mais visivelmente a partir de 2006.
Mudança essa respaldada pela existência do desenho institucional a partir da Constituição Federal: o governo passa a adotar políticas deliberadas de incentivo à atividade econômica, reposicionando o papel do Estado na promoção do desenvolvimento.
A queda da desigualdade de renda no Brasil se deve a uma combinação das melhorias observadas no mercado de trabalho (aumento do emprego assalariado, da formalização dos contratos de trabalho, dos rendimentos, especialmente os mais baixos, lutas dos sindicatos, diminuição do desemprego), programas de transferência de renda como o Programa Bolsa Família (PBF), desenvolvimento de uma rede de proteção social mais efetiva e maior crescimento econômico, apesar da crise econômica mundial.
A implementação e expansão dos programas de combate à pobreza complementam a redução da desigualdade de renda, com preponderância do aumento das rendas derivadas do trabalho.
Fica clara a necessidade da manutenção e ampliação dos programas sociais e da assistência social, conjugados à melhora dos índices do mercado de trabalho, para a continuidade da diminuição da desigualdade no País.
Ainda é importante uma reforma tributária que permita mais progressividade nas tributações, a redução das taxas de juros e o fortalecimento de um padrão de desenvolvimento que dê acesso a direitos, tais como terra, moradia, saúde, educação, saúde, lazer, segurança, previdência social e transporte.
Não se pode esperar que mecanismos “automáticos” de mercado resolvam os problemas de desigualdade enfrentados no País, pois o sistema capitalista não os corrige automaticamente.
A desigualdade no capitalismo sempre se recoloca, especialmente considerando o tipo de desenvolvimento capitalista brasileiro, do tipo tardio, mais desigual que o dos países ditos desenvolvidos.
Para a diminuição da desigualdade social e para a melhoria do mercado de trabalho, é necessário que o Estado assuma seus compromissos com a classe pobre e trabalhadora e aprofunde as políticas aplicadas nos últimos 10 anos.
Avançamos e é preciso avançar mais. Porém, isso só continuará ocorrendo por meio da luta política: só assim será possível continuar a valorizar o salário mínimo, aumentar a formalização da economia e ampliar programas sociais, com impactos na pobreza e a desigualdade no País.
- Ana Luíza Matos de Oliveira é economista (UFMG) e mestra em desenvolvimento econômico (Unicamp). Colaboradora da Fundação Perseu Abramo na área social e do site Brasil Debate.
02/09/2014
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