A Petrobrás, a PNAD e o coro da insignificância nacional

22/09/2014
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 Imagine-se que o México, por exemplo, do novo herói de Wall Street, Enrique Peña Nieto; ou a Espanha, do imperturbável ‘austericida’, Mariano Rajoy; ou mesmo os EUA, do flácido Barack Obama, reunisse, em uma única semana, essa que passou, as seguintes conquistas no portfólio do seu governo:


1. O país fosse declarado pela FAO um território livre da fome, praticamente erradicada nos últimos 11 anos;

2. Tivesse a notícia de que a miséria extrema fora igualmente reduzida em 75%, no mesmo período;

3. Constatasse que após seis anos de uma interminável crise mundial, a renda média mensal das famílias continuasse a crescer, tendo se elevado em 3,4% acima da inflação em 2013 (dado da PNAD já corrigida);

4. E que o rendimento médio dos trabalhadores assalariados, no mesmo período, registrou um aumento de 3,8% acima da inflação e acima do PIB, de 2,5%;

5. Ainda: que enquanto a renda dos 10% mais ricos cresceu 2,1%, a dos lares mais pobres, incluindo-se os benefícios das políticas sociais, avançou 2,9%, o que contribuiu para um pequeno, mas persistente recuo da desigualdade, em declínio desde 2004;

6. Mais: que o trabalho infantil em 2013 caíra 12,3%; a matrícula na pré-escola atingira 81% das crianças e o trabalho com carteira assinada já englobaria 76% dos assalariados;

7. Não só; a consolidação dos indicadores sociais dos últimos 11 anos, embora não tenha quebrado os alicerces de uma das construções capitalistas mais desiguais do mundo, mexeu em placas tectônicas. A renda média da sociedade aumentou 35% acima da inflação entre 2004 a 2013. Mas a dos 10% mais pobres cresceu o dobro disso (cerca de 73%); e entre os 50% mais pobres, avançou mais de 60%, com repercussões óbvias no padrão da produção e da demanda, no conforto doméstico e nas expectativas em relação ao futuro;

8. A mesma semana generosa incluiria ainda a informação de que as novas reservas de petróleo desse país, responsável por 40% das descobertas mundiais nos últimos cinco anos, já representam 24% da produção nacional; 9. E, por fim, que o investimento em infraestrutura, depois de três décadas de declínio sistemático --repita-se, três décadas de recuos sucessivos-- registrou uma inflexão e passou a crescer o equivalente a 2,4% do PIB, em média, de 2011 a 2013.

Qual seria a reação do glorioso jornalismo de economia diante desse leque de vento bom, se a mão que o abanasse fosse a dos titãs dos mercados?

Não seríamos poupados de manchetes faiscantes, a alardear a eficácia das boas práticas do ramo.

Mas as boas notícias tem como moldura o Brasil.

Presidido pela ‘intervencionista’ Dilma Rousseff, candidata petista à reeleição e detentora de teimosa liderança nas pesquisas do 1º turno.

Isso muda tudo.

Muda a ponto de um acervo desse calibre ser martelado como evidência de retrocesso social no imaginário brasileiro.

Muda a ponto de Marina valer-se dessa ocultação da realidade para decretar que Dilma entregará um país ‘pior do que o que recebeu'.

O padrão ‘Willian Bonner’, como se vê, faz escola.

A indigência do debate impede não apenas que o Brasil se enxergue como o país menos desigual de toda a sua história, mas, sobretudo, interdita a autoconfiança da sociedade nos seus trunfos para avançar um novo passo nessa direção.

Não se subestime aqui a persistência de gargalos significativos nessa trajetória. Juros descabidos, por exemplo. E uma paridade cambial fora de lugar há duas décadas. Com toda a guarnição de perdas e danos que esse desajuste de dois preços essenciais pode acarretar.

Embora sejam apresentados como prova do genuíno fracasso petista, a verdade é que desarranjos macroeconômicos não constituem exceção na história econômica do país.

Será necessário recordar, à nova cristã do tripé, que sob o comando de Armínio Fraga, virtual ministro dela ou de Aécio , o BC elevou a taxa de juro a 45%, em março de 1999?

Que a dívida pública explodiu sob a gestão do festejado herói dos mercados?

E que a defasagem cambial sob FHC exigiu uma maxidesvalorização de 30% em janeiro de 1999, escalpelando o poder de compra das famílias assalariadas?

Ou que as perspectivas da inflação então oscilavam entre 20% e 50% ao ano; maiores que as da enxovalhada Argentina hoje?

O banco de dados do glorioso jornalismo de economia dispõe desses dados.

Que ali hibernam a salvo da memória nacional.

O fato é que se alguns desequilíbrios se repetem –em escala muito menor, caso do juro de 11% e da paridade cambial de R$ 2,25-- os trunfos, ao contrário, caracterizam uma auspiciosa singularidade.

E não avançam apenas da esfera social para o mercado, mas vice versa.

A economia brasileira dispõe agora de reservas em moeda estrangeira da ordem de US$ 400 bi, com um fiador estratégico de peso muito superior a esse.

Uma poupança de petróleo e gás, que pode chegar a 100 bilhões de barris, avaliada em cerca de R$ 5 trilhões, revestida de domínio de tecnológico e escala para traduzir-se em soberania, autossuficiência e receitas, pavimenta o futuro do crescimento nacional.

Não só.

Em plena crise mundial, o país alicerçou um dos mercados de massa mais cobiçados do planeta e um mercado de trabalho que flerta com o pleno emprego.

A sociedade brasileira é uma das poucas em todo o planeta a desfrutar de uma combinação vital ao futuro humanidade: autossuficiência alimentar e fontes abundantes de energia limpa.

Sua dívida pública é estável, proporcionalmente baixa em relação ao PIB (37%) e aos padrões mundiais.

A planta industrial embora esgarçada, carente de competitividade, preserva escala e encadeamentos que ainda distinguem o país em relação às demais nações em desenvolvimento. Ainda que setores respirem por aparelhos, não está morta.

As empresas estão líquidas, são lucrativas, têm caixa suficiente –hoje alocado no rentismo-- para deflagrar um novo ciclo de expansão.

O país conta, ademais, com uma invejável rede de bancos públicos e possui um dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo (o BNDES é maior que o Banco Mundial); o nível de endividamento das famílias é proporcionalmente baixo em relação à média internacional e o sistema de crédito é sólido.

Não é pouco, mesmo considerando-se as novas condições de mobilidade de capitais que restringem o poder dos governantes para ordenar o desenvolvimento.

Com muito menos que isso, Getúlio Vargas afrontou o cerco conservador nos anos 50.

Se dependesse das restrições da época, e do imediatismo das elites, ele não teria criado a Petrobrás, por exemplo.

Tampouco insistido na industrialização.

Assim como Juscelino não teria feito Brasília.

Ou Celso Furtado –desdenhado pela assessoria ‘moderna’ de Marina-- teimado em erradicar o apartheid nacional, que tinha no Nordeste um quê de bantustão avant la lettre.

A determinação de viabilizar cada uma dessas agendas extraiu do engajamento popular e dos fundos públicos a viabilidade sonegada pelas elites, seus sócios estrangeiros e seu aparato emissor.

A seta do tempo não se quebrou: hoje a Petrobrás é a empresa que tem a maior carteira de investimento do mundo; o Nordeste é a região que lidera o crescimento do poder de compra popular; o Centro-Oeste é um dos polos agrícolas mais dinâmicos do país.

Operadores de Marina e Aécio fazem gestos nervosos na lateral de campo da disputa eleitoral.

Apontam o relógio para dizer que o tempo do jogo da soberania com justiça social esgotou.

Exigem que o eleitor encerre a disputa e aceite a derrota definitiva desse capítulo na história nacional.

O jogral tem experiência no ramo dos vereditos incontrastáveis.

O desdém pelo Brasil mais justo que progressivamente emerge das PNADs é uma prova.
O diabo é a Petrobrás. E as arrancadas do pré-sal.

A dupla adiciona uma dissonância não negligenciável ao discurso da insignificância brasileira na coordenação do futuro do seu desenvolvimento.

Tem peso e medida para representar um indutor de crescimento mais consistente e duradouro que o ciclo recente de valorização das commodities, ao qual o discurso conservador atribui toda a extensão dos avanços sociais registrados nos últimos anos.

Nesse sentido, a simbologia da Petrobrás ficou até maior do que foi nos anos 50.

Hoje ela deixou de significar apenas petróleo nacional. Para se tornar o espelho de uma dissidência poderosa aos interditos dos mercados no século XXI.

Fortemente imbricada nas encomendas cativas de toda a cadeia da extração, refino e usos sofisticados da petroquímica, a regulação soberana do pré-sal facultou ao país um novo berçário industrializante.

Não é o canto do cisne da luta pelo desenvolvimento, como querem alguns.

Pode ser o aggiornamento de um modelo.

A integração entre compras direcionadas à indústria brasileira e o investimento em cadeias produtivas relevantes, já funciona, de forma similar, e com sucesso, nas aquisições de medicamentos para o SUS, com fomento da rede de laboratórios nacionais pelo BNDES.

Se esse modelo entrar em voo de cruzeiro, o discurso da insignificância brasileira na definição do passo seguinte do seu crescimento entrará em coma.

O pré-sal é o ponteiro decisivo da corrida contra o ultimato conservador dos operadores de Marina e Aécio.

É coerente que tenha merecido apenas uma única e mísera linha no pr0grama de 242 páginas de Marina Silva ; assim: “Destinar ao orçamento da educação os royalties do petróleo em áreas do pré-sal já concedidas”. Ponto.

É mais que isso o que está em jogo.

No ciclo do próximo governo –e por isso é crucial ele seja progressista-- o pré-sal, mantida a regulação soberana do regime de partilha, avançará exponencialmente para responder por 50% da produção brasileira em 2018.

O país estará, então, no limiar de dispor de 4,2 milhões de barris/dia, o dobro da oferta atual, com excedentes exportáveis robustos e crescentes.

Não são apenas negócios.

Cerca de 75% dos royalties do pré-sal vão para a educação; 25% para a saúde.

Mais de 300 mil jovens brasileiros serão treinados diretamente nos próximos anos pelo Promimp, o Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural.

Um parque tecnológico de ponta em pesquisa de energia, com adesão de inúmeras multinacionais, está nascendo no Fundão, junto à Universidade Federal do Rio de Janeiro, colado à agenda do pré-sal.

A indústria naval brasileira que havia desaparecido nos anos 90 agora é a quarta maior do mundo e emprega 100 mil pessoas.

As receitas do refino –filé da indústria do petróleo—ficarão em boa parte no país, graças a um esforço hercúleo da Petrobrás de investir em uma rede de refinarias, heresia sepultada pelo PSDB e a turma da Petrobrax nos anos 90.

Desqualificar a estatal criada por Getúlio –‘o PT colocou um diretor lá por 12 anos par assaltar os cofres da empresa’, diz a doce Marina-- significa para o conservadorismo uma vacina de vida ou morte contra um perigo maior.

Aquele que pode levar o discernimento nacional a enxergar no épico contrapelo do pré-sal, sob o guarda-chuva de uma estatal poderosa, a inspiração para um modelo capaz de destravar o arranque de um novo ciclo de expansão em outras áreas.

Não se trata de uma gincana acadêmica.

Trata-se de ter ou não a soberania sobre o crescimento e a produtividade indispensáveis aos bons indicadores de futuras PNADs.

Que reúnam avanços iguais, ou maiores, que esses que o glorioso jornalismo de economia se esmerou em desqualificar na semana passada. Mas para os quais não oferece nenhuma alternativa, exceto o coro mórbido da insignificância nacional na construção do futuro.
 
22/09/2014
 
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