Afinal, existe “nova” ou “velha” política?
30/09/2014
- Opinión
Há uma semana da eleição aumentam as referências de vários candidatos à “nova política”. De diversas vertentes e posicionamentos o discurso é sempre o mesmo: a oposição entre o “novo” e o “velho”. Mas, em matéria de política, existe a “nova política”?
Em primeiro lugar é preciso saber o que é “política”. A palavra vem do termo grego “pólis” que remete às cidades-estado na antiga Grécia. O termo cidade-estado refere-se especificamente a uma unidade politicamente autônoma que não devia obediência a outra (como um império ou Estado maior). O interessante aqui é notar que “pólis” se referia não à parte física da cidade (seus muros, casas, templos e etc.), mas sim ao pacto estabelecido entre seus cidadãos. A pólis era, portanto, o conjunto de cidadãos que pactuavam deliberar as decisões comunitárias, ao mesmo tempo que acordavam irem todos à guerra se fosse necessário. A democracia (ao menos a grega) nasce, assim, junto com a guerra, como uma contrapartida de direitos e deveres. De certa forma, um líder que decidisse enviar sua “pólis” à guerra sabia, de antemão, que ele estaria nesta guerra como soldado-cidadão.
Deste ponto, o conceito passa a representar o campo de estudo das coisas do Estado e governo. Como se política fosse algo feito pelos “grandes cidadãos” que ocupavam postos-chave de decisão e comando. O povo passa, por óbvio, ao largo dessa política. Política, nesse sentido mais moderno, não é participação. Refere-se a um espaço de exercício de poder que é cativo de determinados grupos sociais (normalmente ricos ou cuja formação cultural lhes tenha designado a esse “ofício”). Essa ideia vigorou no Brasil, por exemplo, até o fim do período militar. Política não era lugar de cidadão “de bem”. Era local de subversivo. Discutir, questionar e manifestar era indicativo de crime contra a “pátria”. Daí surge a ideia de que alguém pode não “gostar de política”, de outro alguém que “não faz e não se mete em política” ou mesmo que “política, futebol e religião não se discute”. Essas bobagens criaram e embalaram gerações no sentido de manter as esferas decisórias fechadas à maioria dos cidadãos. É a política da exclusão. A política dos espaços pré-definidos da massa popular que assiste e apenas aceita, e de uma pequena parcela que efetivamente detém o poder decisório.
Só muito recentemente no Brasil (embora desde o final da segunda guerra na Europa e nos anos 60 nos EUA) começou-se a ver o cidadão como parte ativa da política. Reconhece-se, hoje, que sempre se está “fazendo política”. Mesmo dizer que “não gosta e política” é, no fundo, uma ação política. Mais recentemente ainda (nos anos 2000) começou –se a ver TODO o cidadão como fazendo política e sendo sujeito de direitos. Desde o idoso, o analfabeto, o pobre e etc. Nossa história mostra que política e participação no Brasil não andaram juntas. Na República Velha, por exemplo, as eleições presidenciais tinham por votantes menos de 5% da população. Durante o Regime Militar as eleições eram indiretas e isso certamente afeta a ideia de “representação”. Política, atualmente, necessita estar ligada à participação efetiva (de diversos meios e formas que não somente o voto) e representatividade. Como podemos falar em política representativa num país com quase 53% de negros e pardos (segundo censo de 2010) sendo que no congresso eles são menos de 10%? E a questão das mulheres ainda é mais aviltante. Desta forma é que os cientistas políticos dizem que o Brasil não tem um congresso representativo mesmo se estratificarmos não por raça ou sexo, mas por renda ou formação e trabalho.
Assim, a “velha” política é a política dos caciques, dos coronéis. É a política da falta de povo, da falta de representação. A política em que é “feio” participar, discutir e opinar. Esse é o velho. A politica sem gente, sem cidadão e, principalmente, sem pobre ou analfabeto. Por oposição a “nova” política é a política do empoderamento do cidadão. A política dos meios que esse cidadão tem a sua disposição para cobrar, exigir e mesmo punir seu candidato se ele romper com o pacto de representatividade que é o voto. A nova política, portanto, precisa do cidadão o tempo todo, e não somente na hora da eleição. Precisa de conselhos participativos, opinativos e etc. Precisa de gente. De pardos, de negros, de brancos, de mulheres, de índios, nipo-descendentes e etc. O estranho é que a imensa maioria dos candidatos que falam em “nova” política votam (e votaram) contra medidas que aumentavam a participação, e não raro falam abertamente contra as minorias (LGBT, índios e etc). Repetem o discurso do “índio que deve virar cidadão de bem”, como se a condição de índio (ou outra qualquer) lhe implicasse uma mácula moral inaceitável.
Alguns irão dizer que o “novo” significa o que se faz DEPOIS de assumir o poder e não o processo de participação. Mesmo que essa separação fosse possível, não é crível que candidatos que tenha se elegido na base do discurso da “velha” política venham a praticar alguma forma de “nova” política. Existe, ainda, o argumento do “novo” como a política não combativa, a política do acordo e da sinergia. Mas, em realidade, política é combate. Um combate de ideias que, segundo o cientista político Adam Przeworski, evita a violência física propriamente dita. Quando o sistema político funciona os cidadãos mitigam a violência física pela aceitação das regras de eleição. E a “sinergia”, vista como oposição ao enfrentamento, tem que ser RESULTADO do processo político e não estar presente antes dele, em forma de acordos e conchavos. Trocando em miúdos, num congresso plenamente representativo (em que os cidadãos estejam sim representados) o processo deliberativo político (o embate de ideias e posturas) gera um acordo e um meio termo que é sinérgico do ponto de vista social e político. É da negociação que surge o caminho, e não existe caminho livre do processo negocial político. Sistemas que tendem a retirar a combatividade da política são ditaduras, abertas ou veladas. Quando o embate sai do campo das ideias, enclausurado na política, ele necessariamente se tornará violência física, campal e aberta.
Desse ponto de vista a “velha política” é a política sem embate, é a política da acomodação. Essa forma de acomodação que cede a tudo e a todos com o objetivo da “ordem e do progresso”. O conflito é visto como algo prejudicial à sociedade (como no Positivismo de Auguste Comte). Para se evitar esse conflito político se faz malabarismo discursivo, se cede e se modifica linhas de ação sem um retorno efetivo e claro. Veja que uma coisa é o processo de negociação dentro de um parlamento, em que a cessão ou negociação de determinados pontos vem em conjunto com o ganho efetivo em outros. Outra é esse processo de acomodação de interesses pré-eleitoral. Como se os pactos fisiológicos prescindissem de um encaminhamento político claro. Como se o político não tivesse rumo por si mesmo, estivesse vagando ao prazer das ondas e dos acordos.
A política, portanto, desde que existe é o combate de ideias que permite o reconhecimento de “legitimidade” que alguns cidadãos conseguem para então serem “governo”. É também objetivo político esse cidadão manter-se no poder. E nisso não há nenhum mal, desde que essa manutenção se dê por sufrágios temporalmente definidos. Roosevelt foi presidente dos EUA por quatro mandatos consecutivos, Reagan por dois e mais um de vice-presidente. Thatcher ficou mais de onze anos como primeira ministra da Inglaterra. O PSDB está há mais de 20 anos no governo de São Paulo. O PT, doze anos na presidência. O PMDB é situação (apoiador do governo) no Brasil desde o fim do período militar, não importa quem seja governo (ou qual partido). Esses exemplos mostram que desde que seja respeitado o tempo e o momento da eleição e seguida a vontade das urnas, em nada é perverso querer “manter-se no poder”.
O que parece de fato, é que o “novo” ligado à política é fruto de marketing. Como aqueles publicitários que “revolucionam o ato de escovar os dentes” de seis em seis meses. Na tentativa de empurrar um produto mais caro no lugar de outro já consolidado surgem o “novo”, o “melhor”, o “diferente” e etc. Eu não sei quanto a vocês, mas eu escovo os dentes da mesma maneira que meus, pais, meus avós e etc. E todos fazemos política também da mesma forma que eles faziam. Não há nada de novo que não seja marketing publicitário. A política, desde que seja feita com participação, representatividade e deliberação, tanto faz receber o rótulo de “nova”, “velha”, “meia-idade”, “azul”, “vermelha” ou qualquer outra coisa, será sempre a mesma. Você é que deve entrar de vez na política e participar dela se realmente quiser mudar alguma coisa. Simplesmente votar e reclamar é como passar um cheque em branco e depois tentar convencer ao banco que você foi roubado. Não funciona mais. Não é mais um golpe “novo”.
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- Fernando Horta, professor, historiador, doutorando em Relações Internacionais UNB.
1/out/2014
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