Não há golpe no método; o golpe no mérito está em marcha
25/11/2014
- Opinión
Moreira Mariz/ Agência Senado
Kátia Abreu durante discurso no senado, em março deste ano
Há três maneiras principais de se chegar ao poder político em um país como o Brasil.
São elas:
1. Ganhar as eleições;
2. Dar um golpe de Estado ou
3. Impor sua agenda política ao governo.
O objetivo é um só: garantir que os interesses de determinada parte da sociedade prevaleçam sobre as demais.
Dilma Rousseff foi eleita no último dia 26 de outubro para o quarto mandato petista na presidência da República.
Na fase final, a campanha eleitoral exibiu um acirramento político que não se via há quase três décadas. O PT fez uma jornada que apontava para a esquerda, denunciando ligações carnais de seus adversários com banqueiros e com “as elites”. Acusou-os de defenderem propostas de arrocho, juros altos, independência do Banco Central e perdas de direitos dos trabalhadores.
Para seguir hospedada em palácio, a presidenta contou com o decisivo, generoso, solidário e amplo apoio da esquerda social. Militantes de partidos, sindicatos, ONGs, desiludidos em geral, ativistas em hibernação e muita gente mais foi às ruas para garantir a vitória numa disputa cabeça a cabeça.
Eleita, Dilma foi fustigada por parte da direita tradicional, que exerceu seu direito de espernear nas ruas. Uma minoria hidrófoba pedia intervenção militar.
"Golpe" e o papel da mídia
Secundados por articulistas na mídia, essa turma começou a externar questionamentos sobre a lisura do processo eleitoral. O PSDB, derrotado, tentou embarcar na onda, mas logo viu tratar-se de canoa furada.
Foi o que bastou para que flamejantes blogueiros petistas se unissem numa acusação retumbante: é golpe!
Sim, havia um cheiro de golpe no ar, que tinha pouquíssima chance de prosperar, até pelo ridículo da coisa.
Mas a mídia, a banca e seus porta-vozes seguiram em frente, de forma mais sofisticada, alardeando descontrole nas contas públicas, anarquia inflacionária e – oh, céus! – a não realização da meta de superávit primário neste 2014.
Aí já era demais.
O PT, como sempre, decide ceder quando é minimamente apertado pela direita.
Como dizia uma das peças de nossa campanha do PSOL, ali vale o mote do “Aperta que dá!”.
O leve aperto deu resultado.
O PT, com a mandatária à frente, decidiu ceder e ir contra o que pregou na campanha.
Afinal, no senso comum palaciano, governa-se para os mercados e não para as pessoas.
A indicação quase certa de Joaquim Levy, Katia Abreu e Armando Monteiro para o gabinete ministerial representa mais do que a nomeação de pessoas físicas.
Representa a aceitação de um programa, de uma agenda.
Nesse ponto, embora Katia Abreu seja símbolo da nossa política fundiária antidemocrática, o nome definidor da nova guinada petista é o de Joaquim Levy.
Levy representa a adoção da pauta derrotada no atacado. A política econômica regerá a máquina governamental pelos próximos quatro anos.
Não foi esse o ideário apresentado aos eleitores. Vamos ainda conferir o anúncio das primeiras medidas. Mas nada indica a materialização de políticas anticíclicas ou expansionistas. Muito ao contrário.
A adoção da agenda derrotada significa embaralhar o jogo e a consumar um verdadeiro golpe na decisão popular.
Não temos assim o golpe de Estado clássico, com tanques cercando o palácio de governo, destituição do presidente e a constituição de um regime de força.
Lembremos: o golpe de 1964 foi desferido porque a agenda da direita não encontrava respaldo nas urnas. Foi preciso uma ruptura institucional destinada a limpar a área para a ação das grandes empresas nacionais e estrangeiras, para soterrar de vez a lei de remessa de lucros, dos projetos de regulação da mídia, da reforma agrária e de vários direitos dos trabalhadores.
Privilégios todos mantidos
No mérito, para o topo da pirâmide social, nada está em risco agora.
Katia Abreu garante que não haverá reforma agrária, demarcação de terras indígenas, exageros na eliminação do trabalho escravo ou ameaças ao que ela entende por paz no campo.
Levy é o fiador do ajuste fiscal, da manutenção do tripé macroeconômico e de que não existirão contrariedades aos desejos de quem sempre levou a melhor no país.
Há sólidos sinais de um grande acerto pelo alto feito com os mandachuvas do “mercado”. Na sexta (22), após os sinais da indicação da nova equipe econômica, a bolsa subiu 5%.
A grande mídia ensaia uma trégua. Merval Pereira elogiou a escolha para a Fazenda. O Estadão de sábado (23), sapecou em seu editorial principal após dez dias de fogo cerrado: “Dilma Rousseff será a presidente de todos os brasileiros por mais quatro anos e como tal deve ser aceita e respeitada”.
Na CPI da Petrobras, PT, PMDB e PSDB se acertam para evitar convocações incômodas.
O escândalo da estatal deve continuar, mas tudo será feio pelos partidos interessados para não levar longe um caso que atinge a quase todos e seus respectivos financiadores de campanha.
Mas a mídia sabe o que fazer, desde os tempos do dr. Assis Chateaubriand: manter o gatilho armado é a melhor maneira de seguir enquadrando o governo. Novas denúncias podem surgir e cabeças secundárias podem rolar. Mas haverá um esforço para restringir o caso a um cordão sanitário que impeça descontroles.
No mérito e no que interessa, estamos diante de um golpe. Heterodoxo, de novo tipo e cheio de volteios.
Não tem esse nome, porque somos todos elegantes e não falamos palavrões na sala.
PS) Ninguém pensava que Dilma nomearia um ministério de esquerda. Teria de haver algum tipo de composição com as classes dominantes. Mas a compostura e as boas maneiras – achava eu – seriam mantidas...
25/11/2014
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