Unidade, mas com Constituinte do sistema político
16/12/2014
- Opinión
Com a eleição de Lula em 2002, os governos petistas buscaram unir os setores da classe trabalhadora organizada que já representavam, com parcelas de uma burguesia interna, conformando, na prática uma frente denominada de neodesenvolvimentista. Esta aliança, construída sem nenhuma formalidade, possibilitou os resultados econômicos positivos da última década – que já não eram possíveis de serem alcançados através do velho tripé das décadas desenvolvimentistas de 1930 a 1980 – assentado nas estatais controladas pelo Poder Executivo, multinacionais submetidas a uma legislação de controle e capital privado nacional hegemonizando setores importantes da economia.
Embora a Presidência da República e importantes ministérios estivessem com o Partido dos Trabalhadores e outras agremiações de esquerda, a direção política que determinou os grandes rumos da economia coube à grande burguesia interna e não à classe trabalhadora e seus aliados. É certo que estes anos de crescimento propiciaram melhores condições de luta que se expressam no contínuo aumento do número de greves desde 2004, além de impedir a continuidade do avanço neoliberal, como se verifica ao comparamos nosso país com o México.
Estamos assistindo ao gradual esgotamento das condições que permitiram a fórmula bem-sucedida dos governos neodesenvolvimentistas da última década. Tanto pela lenta alteração do cenário econômico internacional, que aguça instabilidades crescentes, exacerbando contradições internas mesmo nos setores que vinham apoiando o governo, quanto pela incapacidade de oferecer respostas às exigências dos setores populares que se ampliaram nos últimos anos.
Este esgotamento se acentua com um sistema político que não permaneceu inerte. Os últimos 12 anos de governo petista não corresponderam a avanços no Poder Legislativo. Ao contrário, bancadas ligadas a grupos empresariais, grupos conservadores e parlamentares fisiológicos foram beneficiados por um sistema político, herdado da ditadura, no qual as representações populares são completamente alijadas.
Os setores neoliberais, capitalizando a insatisfação social e impulsionados pela expressiva votação em que se fortaleceram no Congresso Nacional, e que quase ganharam as eleições presidenciais, desencadeiam uma intensa ofensiva. A linha da oposição é apostar que “o circo pegue fogo”. E a recente votação das diretrizes da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), um importante esforço para romper a blindagem neoliberal da armadilha do superávit primário, vendido à população como uma mera manobra para fugir das consequências da Lei de Responsabilidade Fiscal, é a demonstração do papel desta “nova fase da oposição”. O episódio demonstra as fragilidades do governo. Setores fisiológicos que asseguram custosas vitórias parlamentares criam enormes dificuldades para ganhar imensas facilidades.
Para a oposição neoliberal, que vivencia sua experiência de apoio social e possibilidade de disputar as ruas com as forças populares, o que importa é manter o governo Dilma acuado, “preso às cordas”, empurrado para uma equipe econômica dominada pelos interesses do capital financeiro, fazendo o ajuste fiscal e os cortes sociais que desejam e assumindo o desgaste do programa que eles defendem. Se as circunstâncias possibilitarem, aproveitarão a primeira oportunidade para o impeachment.
As atuais denúncias de corrupção não podem ficar impunes e tampouco deixadas como uma bandeira para as forças de direita. Evidente que a ética que eles arrotam atinge alvos determinados, e a grande mídia seleciona seus objetivos para atingir a Petrobras e o Poder Executivo. Por trás dos interesses da grande mídia nas linhas investigativas, estão os interesses da ofensiva restauradora neoliberal. Nosso papel é lutar contra a corrupção, demonstrando como ela é alimentada por este sistema político. E, como disse a própria presidenta Dilma, diante de provas, não deve “sobrar pedra sobre pedra”. No momento em que se desenha o envolvimento de dezenas de parlamentares com esquemas de corrupção, nossa solução política deve ser a imediata convocação de uma Constituinte, exclusiva e soberana do sistema político.
Neste cenário, o papel das forças populares não é o de permanecer como um mero sustentáculo à reboque das ações do governo. Precisamos construir a força própria da classe trabalhadora e seus aliados em torno do programa de mudanças estruturais que possibilitem as verdadeiras mudanças de interesse do povo. É preciso ganhar as ruas, não para ficar numa postura defensiva ante os atos da direita, mas para pautar nossas bandeiras, nosso programa e principalmente nossa resposta política da Constituinte do sistema político.
- Editorial da edição 616, 16/12/2014
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