O fantasma de Carajás ainda está vivo
MST denuncia que reforma agrária não avança com impunidade, violência dos latifundiários e modelo econômico
13/04/2005
- Opinión
Triste coincidência. Poucos dias antes do trágico aniversário de 17 de abril de 1996, quando 19 sem-terra foram mortos em Eldorado dos Carajás (PA), a Justiça brindou os brasileiros com uma notícia: o fazendeiro Adriano Chafik, réu confesso do assassinato de 5 trabalhadores em Felisburgo (MG), em novembro de 2004, seria libertado para responder o processo em liberdade.
Não é sem motivo que, passados nove anos do bárbaro massacre no Pará, o 17 de abril continue uma data emblemática e ainda longe de ser resolvida. Em 2005, a marca deste Dia Mundial de Luta pela Terra continua a ser a impunidade, a violência contra os trabalhadores rurais e a ausência de uma política massiva para democratizar o acesso à terra.
Mesmo concentrado nos preparativos para o início da Marcha Nacional pela Reforma Agrária, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) está preparando uma série de ações para denunciar a permanência dessa situação e discutir a necessidade da reforma agrária com a sociedade brasileira. “Para nós, essa data tem um forte conteúdo simbólico. Além de ser um dia de se fazer a luta pela reforma agrária, é um momento de protesto contra a impunidade e a violência no campo”, explica João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do movimento.
Por Justiça
O esforço do MST para trazer à tona esse tema enfrenta a resistência da elite agrária. Os grandes veículos de comunicação, pautados pelo agronegócio, mantêm uma campanha permanente para batizar a reforma agrária como uma política retrógrada, incompatível com a atual situação do país. Ignoram, por exemplo, que o Brasil continua líder no ranking da concentração de terra e que, sem fazer a reforma agrária, não conseguirá acabar com a fome e a miséria até 2015 — um dos oito compromissos assumidos com as Metas do Milênio, em 2000, na Organização das Nações Unidas, ao lado de 191 nações.
A atualidade do tema se reafirma, ainda, pelo vigor que os sem-terra continuam a se mobilizar pelo país. Só, em abril de 2004, foram pelo menos 109 ocupações de áreas, de acordo com o governo federal. Desde quando a Comissão Pastoral da Terra (CPT) começou a fazer um levantamento estatístico do tema, em 1997, o Brasil não registra menos do que 190 ocupações anuais no país, chegando a assinalar, em 1999, 593 ações.
Conteúdo explosivo
Sem políticas públicas que respondam à altura essa demanda, o Brasil é chamado, em pleno século XXI, a resolver problemas de conflitos agrários. São fantasmas como o cruel assassinato da freira Dorothy Stang, em 12 de fevereiro, mesmo depois de avisar que estava marcada para morrer às autoridades públicas, também no Pará. A religiosa de 73 anos, assassinada por um fazendeiro, é outro sintoma desse sentimento de onipotência da oligarquia rural. Indícios disso não faltam: de acordo com a CPT, entre 1985 e 2004, foram assassinados 1379 sem-terra, mas apenas 75 casos foram julgados. Pior: apenas 5 mandantes e 64 executores foram condenados.
Os próprios autores do massacre de Eldorado de Carajás podem ter sua prisão suspensa pela Justiça. Corre na 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) um pedido de habeas corpus para os autores do assassinato condenados, os oficiais Mário Pantoja e Raimundo Lameira. O processo será analisado pelo mesmo ministro que liberou Adriano Chafik: Gilson Dipp.
Ações
“O Estado brasileiro não está preparado para fazer reforma agrária. O poder judiciário e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) têm uma estrutura conservadora e não ajudam para que a posição do ministro Miguel Rossetto (Desenvolvimento Agrário) e do presidente do Incra seja cumprida”, avalia Rodrigues, do MST. O movimento reivindica que o julgamento do crime de Eldorado de Carajás seja federalizado, como permite a reforma do Judiciário, aprovada no final de 2004. A idéia é que, distante da influência do poder local, a Justiça tenha mais isenção na análise do caso.
Outro debate que o MST quer fomentar na sociedade é a respeito do modelo econômico do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. “Com essa política de superávit primário elevado e pagamento de juros não sobra nada para a reforma agrária”, considera Rodrigues. Essa discussão envolve uma avaliação sobre os reais efeitos que os grandes proprietários dizem que trazem ao país. “O agronegócio, por meio dos meios de comunicação, diz que para resolver o problema no campo é preciso aumentar a fronteira agrícola e exportar mais grãos. Dizemos o inverso. Precisamos distribuir terra e aumentar a produção para os próprios brasileiros e resolver o problema da fome”, diz Rodrigues.
O próprio Congresso Nacional reconheceu a importância da data e marcou, a pedido do deputado federal Wasny de Roure (PT-DF), uma sessão solene dia 14 para comemorar o Dia Mundial de Luta pela Terra.
* Jorge Pereira Filho, Brasil de Fato
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