Significados reais e imaginários

15/01/2015
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Ainda no dia 30 de dezembro de 2014 a Medida Provisória 664/2014 introduziu restrições fortes para alguns benefícios da política social, justificados pelo ministro - chefe da Casa Civil – Aloísio Mercadante, repetidos no discurso de posse da presidenta Dilma, sob o argumento da ‘correção de distorções’. Mas ninguém explicou que distorções eram estas, nem se lhes foi questionado a fazê-lo, não obstante implicação muito sensível à vida dos trabalhadores em situação de risco previdenciário. Opera-se aqui subliminarmente, com o imaginário coletivo sobrecarregado com desvio de dinheiro público, para sugerir, sem dizer, que algo parecido estaria aqui ocorrendo.
 
A anuência, quando não apoio ostensivo aos mencionados cortes, de parte da grande imprensa, seja em nome da austeridade ficas, seja em nome da ética social, pressupostos aparentes da mencionada correção de distorções, merece um mínimo de esclarecimento à opinião pública. Vou me dar ao trabalho de dissecar dois dos temas principais, objeto dos cortes –as pensões e o seguro desemprego, para discernir sobre as significações reais dessa guinada da política social. Deixo de tratar aqui do auxílio-doença por falta espaço.
 
Sobre as pensões
 
As pensões por morte do segurado da Previdência Social, exclusivamente dos vinculados ao INSS, foram cortadas pela metade às situações que vierem a ocorrer depois da Medida Provisória (MP) aprovada e ademais se impôs a precedência de dois anos de casamento ou união estável, a contar da data do óbito. Vejamos pelo lado fiscal e pelo lado moral as implicações da
MP 664.
 
Nos últimos três anos, segundo o Anuário Estatístico da Previdência Social (consultável por internet) situa-se no limite de 170 mil novas pensões, o volume anual líquido de acréscimo desse benefício às despesas da Previdência Social. Destas, 70% (da quantidade de pensões) estão no nível do salário mínimo, protegidas pelo Art. 201 da Constituição Federal, que impede corte de benefício igual ao salário mínimo. Portanto a MP 664, se aprovada, incidiria sobre 50 mil novas pensões anuais. Mas essas pensões estão fortemente concentradas entre mais de um até quatro salários mínimos (cerca de 45 mil pensões) e as demais até o teto de benefício do INSS, que é de pouco mais de 4 mil reais.
 
Do ponto de vista fiscal a economia produzida por esta MP é irrisória. Mas a perda de rendimento para sustentar órfãos e viúvas, residentes em espaços urbanos, que abruptamente tiveram seus rendimentos na faixa de dois a quatro salários mínimos reduzidos pela metade, isto não é irrisório.
 
A outra restrição da MP – precedência de dois anos do casamento à morte do segurado – é um critério que atende a reclamos do moralismo mais vulgar possível. A tese circulante em determinados círculos ultra conservadores é de que há viúvas jovens e pobres que se aproveitariam para se casar com velhinhos do INSS, para receber uma pensão depois da morte deste. A MP aqui teria objetivo ‘moral’ e não fical, se assim se interpretar o argumento da ‘correção de distorções’ do ministro Mercadante. Mais uma vez presta-se um desserviço ao país com esse tipo de concessão aos preconceitos sociais contra os pobres e no caso as mulheres jovens. Nenhum fundamento estatístico corrobora essa tese esdrúxula, utilizando-se os dados da estrutura etária dos pensionistas da própria Previdência Social.
 
Seguro desemprego
 
A principal medida restritiva neste campo é a imposição de tempo mínimo de dezoito meses precedentes de emprego formal (com carteira assinada), como condição à aquisição do direito ao seguro desemprego, sendo que a regra vigente até a entrada em vigor da MP é de seis meses. Observe-se que essa regra dos seis meses atende o mundo do trabalho real brasileiro cujo ciclo de rotatividade da mão de obra empregada afeta cerca de um quarto da população ocupada assalariada, vinculada ao INSS. Isto se repete todos os anos e não é fruto de preferência do trabalhador, mas característica estrutural do mercado de trabalho. O INSS registra, sob a forma de número de contribuições recebidas do trabalhador (de um até seis contribuições), afetando continuamente cerca um quarto dos seus segurados.
 
A nova regra corta abruptamente o acesso ao seguro desemprego dos desempregados sazonais, onerando-os a resolver individualmente uma distorção, esta sim – a alta rotatividade – que é do sistema e não do indivíduo. E diferentemente do corte “Pensões por Morte”, cujo impacto fiscal é muito pequeno, no caso do seguro desemprego há elevado impacto fiscal pela recusa de milhões de trabalhadores de recorrerem ao sistema.
 
Em síntese, podemos concluir que começou com retrocesso no direito social o ajuste fiscal do ministro Levy no campo específico da proteção ao trabalho, sob condições de risco. Que a grande mídia silencie ou até aplauda, podemos compreender em razão dos notórios compromissos ideológicos desta com o pensamento conservador, mas aqueles que tem realmente compromisso com o mundo do trabalho – especialmente dos mais pobres – não podem ignorar o fato político, nem tampouco engrossar o coro moralista de uma ‘retórica da intransigência’ contra os direitos sociais.
 
Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela Unicamp e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.
 
15/01/2015
 
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