Reforma política:
Manifestações de junho de 2013 deram o grande impulso ao debate
04/03/2015
- Opinión
As manifestações de junho de 2013 produziram dois grandes movimentos na política institucional brasileira. Primeiramente, um inspirador momento em que a presidenta Dilma Rousseff conseguiu dar rapidamente a volta por cima e reverter uma estratégia oposicionista de manipulação da opinião pública, destinada a defini-la como a depositária de toda a insatisfação que ganhava as ruas. Naquele momento, a presidenta leu corretamente a ansiedade dos jovens manifestantes e ofereceu como resposta a adesão pública, clara e incondicional à tese de reforma política.
A leitura que Dilma fez do momento político foi a de que as instituições democráticas eram colocadas em xeque por uma juventude que não via saída num sistema político vulnerável demais ao poder econômico e à corrupção, e portanto impermeável à contribuição transformadora de uma geração de novos brasileiros que adquirira maior escolaridade que os pais e tinha expectativas também maiores para o futuro, entre elas a de serem cidadãos com plenos direitos. A presidenta abraçou a tese da reforma política sugerindo que ela fosse realizada por uma Constituinte convocada para este fim, por plebiscito. Mais tarde, recuou para a proposta de uma reforma legitimada por um referendo popular.
O PT, desde a condenação dos réus do chamado Escândalo do Mensalão, no final de 2012, já havia definido a reforma política como grande bandeira. A proposta do partido da presidenta, para a qual são coletadas assinaturas para apresentação de um projeto de iniciativa popular ao Congresso (são necessárias 1,5 milhão de apoios para isto), sugere a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva para fazer uma reforma, o financiamento público de campanha como exclusivo, a votação em listas partidárias (e não mais nos candidatos) para cargos legislativos e aumento da participação das mulheres nas listas de candidatos dos partidos.
Também como produto das manifestações de 2013, movimentos sociais e instituições da sociedade civil que anteriormente se mobilizaram para coletar assinaturas para o projeto de iniciativa popular Ficha Limpa, aprovado em 2010 pelo Congresso, constituíram uma Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas. O movimento, que hoje congrega 103 entidades, fez um projeto reunindo temas de consenso entre as entidades e desde então coleta assinaturas para apresentá-lo ao Congresso como projeto de iniciativa popular. Por garantia, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) perfilou o projeto e apresentou-o oficialmente à Câmara. Teoricamente, ele hoje já se encontra em tramitação na Câmara, mas a preferência da Coalizão é que se consiga colher 1,5 milhão de assinaturas necessárias para um projeto de iniciativa popular e apresentá-lo nessas condições ao Congresso e à sociedade. Essa estratégia política foi eficiente em 2010, quando a força do apoio popular acabou vencendo as resistências corporativas de deputados e senadores ao projeto chamado Ficha Limpa, que proíbe a eleição de pessoas condenadas pela Justiça por decisão de órgãos colegiados, ou que tiveram os mandatos cassados ou renunciaram para fugir à cassação.
Consolidou-se, entre os setores progressistas, a ideia de que as eleições limpas passavam obrigatoriamente pelo fim do financiamento empresarial de campanha; que a coligação em eleições proporcionais produz distorções graves no resultado eleitoral, isto é, deixam de traduzir a escolha do eleitor nas eleições parlamentares; que igualmente incabível é a forma de escolha do suplente do senador; e de que são necessários mecanismos para defender o sistema político de legendas de aluguel, sem expressão popular mas que partilham dos benefícios do Fundo Partidário e negociam com tempo de horário eleitoral gratuito.
Resolver as distorções sobre o voto do eleitor e reduzir ao máximo a influência do poder econômico no pleito foi o sentido geral dessas iniciativas. Embora com propostas diferentes em alguns aspectos, Coalizão, partidos de esquerda e governos concordam com esse diagnóstico.
O segundo movimento político foi um contra-movimento. Enquanto Dilma falava em plebiscito e Constituinte para a reforma política, os movimentos sociais se organizavam e os partidos de esquerda rediscutiam as mazelas da democracia brasileira, o então presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) encenava uma ação de urgência naquela casa legislativa, teoricamente destinada a dar uma resposta rápida do Legislativo às manifestações de descontentamento com os políticos, mas que na verdade deveria servir para esvaziar as forças que propunham mudanças substantivas na política brasileira.
Foi assim que a PEC 352/2013 nasceu. Um ato da Presidência da Câmara de julho de 2013 criou um Grupo de Trabalho “destinado a estudar e apresentar propostas referentes à reforma política e à consulta popular” e deu a coordenação ao deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) – contra a própria decisão do PT, que tinha escolhido o deputado Henrique Fontana (PT-SP), com mais qualificações para o debate, e discernimento para não ser usado em uma manobra que se encenava com o objetivo de abortar uma reforma política de fato. Fontana recusou-se, então, a fazer parte da Comissão, e o PT indicou para este fórum o então deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), hoje ministro das Comunicações.
Para os ingênuos, pode ter “colado” a justificativa de que era possível reunir 18 deputados de diferentes partidos, e com diferentes graus de comprometimento com a política tradicional e com o poder econômico financiador dessa política, e que uma negociação exaustiva entre essas pessoas levaria a um consenso em torno de matérias que vão da gaveta para o plenário, e do plenário para a gaveta, desde a promulgação da Constituinte de 1988, devido a profundas discordâncias políticas e ideológicas que provocam. Não é bem assim. A Comissão da Reforma Política forjou um “consenso” já na escolha de seus integrantes, que majoritariamente respondiam a interesses políticos e econômicos com posição consolidada dentro do Legislativo. A deputada Luiza Erundina (PSB-SP), que tinha também sólida posição sobre o tema e apenas conseguiu integrar a comissão numa “cota” feminina, retirou-se antes que os trabalhos terminassem, denunciando que estava em curso uma “farsa”.
Ao cabo de 13 reuniões e duas audiências públicas, o coordenador Cândido Vaccarezza assumiu a autoria do que é definido pela deputada Luiza Erundina como um “mostrengo”, como uma “farsa” pelo deputado Henrique Fontana (PT-RS) e como uma “contrarreforma” pelo ex-deputado Aldo Arantes, que hoje representa a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na Coalizão pela Reforma Política.
Vaccarezza produziu algo insólito na história petista. Conhecido por ser o partido que tem mais disciplina interna, o PT assumiu uma proposta de reforma política baseada no fim do financiamento privado de campanha. Vaccarezza, um parlamentar de sua bancada, todavia, assumiu a paternidade de uma proposta cuja aprovação jogaria por terra as decisões partidárias sobre o tema. Hoje, o maior inimigo do projeto de reforma política do PT é a PEC Vaccarezza. O PT desautorizou o deputado depois que ele oficializou a PEC 352 como um “consenso” do grupo de trabalho, mas já era tarde. A construção diabólica dos parlamentares orquestrados por Alves estava lá, na gaveta, pronta para seguir ao plenário quando o movimento contrarreforma estivesse fortalecido – como está agora pela ascensão do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à Presidência da Câmara.
Em 2013, o discurso do então presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves, dos adeptos da mudança para manter tudo como está e do coordenador do grupo era a de que a Casa se mobilizara rapidamente diante das manifestações e daria uma “resposta ao clamor das ruas”. O que vai acontecer, de fato, se por uma fatalidade a PEC for aprovada, será manter a rapina sobre o voto popular pelo poder econômico.
Vaccarezza, a pretexto de contentar todos os deputados que têm posições absolutamente distintas sobre o tema, tentou algumas mágicas. Em vez de simplesmente propor a proibição do financiamento empresarial de campanha, por exemplo, definiu um fundo público para a campanha, mas deu aos partidos políticos a opção de usar financiamento privado. Teoricamente não derrubou o voto majoritário para as eleições proporcionais, mas instituiu um “distritão”, a divisão do eleitorado estadual em distritos. Derrubou a permissão da reeleição sem mexer no tamanho do mandato presidencial – quando existia o consenso de que no mínimo ele teria que ser aumentado para cinco anos, se fosse impedido ao governante disputar mais um mandato.
Leia, em seguida, matéria que detalha o conteúdo da PEC 352, cuja tramitação é feita a toque de caixa pelo deputado Eduardo Cunha.
A leitura que Dilma fez do momento político foi a de que as instituições democráticas eram colocadas em xeque por uma juventude que não via saída num sistema político vulnerável demais ao poder econômico e à corrupção, e portanto impermeável à contribuição transformadora de uma geração de novos brasileiros que adquirira maior escolaridade que os pais e tinha expectativas também maiores para o futuro, entre elas a de serem cidadãos com plenos direitos. A presidenta abraçou a tese da reforma política sugerindo que ela fosse realizada por uma Constituinte convocada para este fim, por plebiscito. Mais tarde, recuou para a proposta de uma reforma legitimada por um referendo popular.
O PT, desde a condenação dos réus do chamado Escândalo do Mensalão, no final de 2012, já havia definido a reforma política como grande bandeira. A proposta do partido da presidenta, para a qual são coletadas assinaturas para apresentação de um projeto de iniciativa popular ao Congresso (são necessárias 1,5 milhão de apoios para isto), sugere a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva para fazer uma reforma, o financiamento público de campanha como exclusivo, a votação em listas partidárias (e não mais nos candidatos) para cargos legislativos e aumento da participação das mulheres nas listas de candidatos dos partidos.
Também como produto das manifestações de 2013, movimentos sociais e instituições da sociedade civil que anteriormente se mobilizaram para coletar assinaturas para o projeto de iniciativa popular Ficha Limpa, aprovado em 2010 pelo Congresso, constituíram uma Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas. O movimento, que hoje congrega 103 entidades, fez um projeto reunindo temas de consenso entre as entidades e desde então coleta assinaturas para apresentá-lo ao Congresso como projeto de iniciativa popular. Por garantia, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) perfilou o projeto e apresentou-o oficialmente à Câmara. Teoricamente, ele hoje já se encontra em tramitação na Câmara, mas a preferência da Coalizão é que se consiga colher 1,5 milhão de assinaturas necessárias para um projeto de iniciativa popular e apresentá-lo nessas condições ao Congresso e à sociedade. Essa estratégia política foi eficiente em 2010, quando a força do apoio popular acabou vencendo as resistências corporativas de deputados e senadores ao projeto chamado Ficha Limpa, que proíbe a eleição de pessoas condenadas pela Justiça por decisão de órgãos colegiados, ou que tiveram os mandatos cassados ou renunciaram para fugir à cassação.
Consolidou-se, entre os setores progressistas, a ideia de que as eleições limpas passavam obrigatoriamente pelo fim do financiamento empresarial de campanha; que a coligação em eleições proporcionais produz distorções graves no resultado eleitoral, isto é, deixam de traduzir a escolha do eleitor nas eleições parlamentares; que igualmente incabível é a forma de escolha do suplente do senador; e de que são necessários mecanismos para defender o sistema político de legendas de aluguel, sem expressão popular mas que partilham dos benefícios do Fundo Partidário e negociam com tempo de horário eleitoral gratuito.
Resolver as distorções sobre o voto do eleitor e reduzir ao máximo a influência do poder econômico no pleito foi o sentido geral dessas iniciativas. Embora com propostas diferentes em alguns aspectos, Coalizão, partidos de esquerda e governos concordam com esse diagnóstico.
O segundo movimento político foi um contra-movimento. Enquanto Dilma falava em plebiscito e Constituinte para a reforma política, os movimentos sociais se organizavam e os partidos de esquerda rediscutiam as mazelas da democracia brasileira, o então presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) encenava uma ação de urgência naquela casa legislativa, teoricamente destinada a dar uma resposta rápida do Legislativo às manifestações de descontentamento com os políticos, mas que na verdade deveria servir para esvaziar as forças que propunham mudanças substantivas na política brasileira.
Foi assim que a PEC 352/2013 nasceu. Um ato da Presidência da Câmara de julho de 2013 criou um Grupo de Trabalho “destinado a estudar e apresentar propostas referentes à reforma política e à consulta popular” e deu a coordenação ao deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) – contra a própria decisão do PT, que tinha escolhido o deputado Henrique Fontana (PT-SP), com mais qualificações para o debate, e discernimento para não ser usado em uma manobra que se encenava com o objetivo de abortar uma reforma política de fato. Fontana recusou-se, então, a fazer parte da Comissão, e o PT indicou para este fórum o então deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), hoje ministro das Comunicações.
Para os ingênuos, pode ter “colado” a justificativa de que era possível reunir 18 deputados de diferentes partidos, e com diferentes graus de comprometimento com a política tradicional e com o poder econômico financiador dessa política, e que uma negociação exaustiva entre essas pessoas levaria a um consenso em torno de matérias que vão da gaveta para o plenário, e do plenário para a gaveta, desde a promulgação da Constituinte de 1988, devido a profundas discordâncias políticas e ideológicas que provocam. Não é bem assim. A Comissão da Reforma Política forjou um “consenso” já na escolha de seus integrantes, que majoritariamente respondiam a interesses políticos e econômicos com posição consolidada dentro do Legislativo. A deputada Luiza Erundina (PSB-SP), que tinha também sólida posição sobre o tema e apenas conseguiu integrar a comissão numa “cota” feminina, retirou-se antes que os trabalhos terminassem, denunciando que estava em curso uma “farsa”.
Ao cabo de 13 reuniões e duas audiências públicas, o coordenador Cândido Vaccarezza assumiu a autoria do que é definido pela deputada Luiza Erundina como um “mostrengo”, como uma “farsa” pelo deputado Henrique Fontana (PT-RS) e como uma “contrarreforma” pelo ex-deputado Aldo Arantes, que hoje representa a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na Coalizão pela Reforma Política.
Vaccarezza produziu algo insólito na história petista. Conhecido por ser o partido que tem mais disciplina interna, o PT assumiu uma proposta de reforma política baseada no fim do financiamento privado de campanha. Vaccarezza, um parlamentar de sua bancada, todavia, assumiu a paternidade de uma proposta cuja aprovação jogaria por terra as decisões partidárias sobre o tema. Hoje, o maior inimigo do projeto de reforma política do PT é a PEC Vaccarezza. O PT desautorizou o deputado depois que ele oficializou a PEC 352 como um “consenso” do grupo de trabalho, mas já era tarde. A construção diabólica dos parlamentares orquestrados por Alves estava lá, na gaveta, pronta para seguir ao plenário quando o movimento contrarreforma estivesse fortalecido – como está agora pela ascensão do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à Presidência da Câmara.
Em 2013, o discurso do então presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves, dos adeptos da mudança para manter tudo como está e do coordenador do grupo era a de que a Casa se mobilizara rapidamente diante das manifestações e daria uma “resposta ao clamor das ruas”. O que vai acontecer, de fato, se por uma fatalidade a PEC for aprovada, será manter a rapina sobre o voto popular pelo poder econômico.
Vaccarezza, a pretexto de contentar todos os deputados que têm posições absolutamente distintas sobre o tema, tentou algumas mágicas. Em vez de simplesmente propor a proibição do financiamento empresarial de campanha, por exemplo, definiu um fundo público para a campanha, mas deu aos partidos políticos a opção de usar financiamento privado. Teoricamente não derrubou o voto majoritário para as eleições proporcionais, mas instituiu um “distritão”, a divisão do eleitorado estadual em distritos. Derrubou a permissão da reeleição sem mexer no tamanho do mandato presidencial – quando existia o consenso de que no mínimo ele teria que ser aumentado para cinco anos, se fosse impedido ao governante disputar mais um mandato.
Leia, em seguida, matéria que detalha o conteúdo da PEC 352, cuja tramitação é feita a toque de caixa pelo deputado Eduardo Cunha.
Créditos da foto: Mídia Ninja
03/03/2015
https://www.alainet.org/pt/active/81267?language=en
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