Assembléia Popular: um laboratório de democracia

01/11/2005
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A idéia surgiu no início de agosto: unir num só evento o Momento Nacional da 4a Semana Social da CNBB e a Assembléia Popular Nacional da Campanha Jubileu. O evento seria em outubro, depois do Referendo. O objetivo era unir forças sociais para encarar a profunda crise do país e construir alternativas. A iniciativa se situava na continuidade das outras Semanas Sociais e de outras mobilizações da Campanha Jubileu como os dois plebiscitos populares sobre a dívida externa e sobre a Alca. Quarenta e nove entidades nacionais participaram da organização e promoção da Assembléia. Seis mil pessoas, de todos os Estados, participaram em Brasília, do dia 25 a 28 de outubro, da Assembléia Popular: Mutirão por um Novo Brasil. O povo brasileiro mesmo; pobre, mas rico de muitos valores: digno, corajoso, lutador. Trabalhadores e desempregados, catadores, sem terra, mulheres, jovens, negros e índios, gente do campo e da cidade, de muitas culturas. As condições de vida durante os quatro dias foram precárias, depois de longas viagens (as promessas do governador do Distrito Federal não foram cumpridas). Mas o povo participou da dinâmica e dos objetivos do Mutirão. Esse Mutirão vem sendo preparado desde 2004. Houve mais de 200 encontros diocesanos, estaduais e regionais da Semana Social, bem como várias assembléias populares estaduais da Campanha Jubileu contra as dívidas e a Alca. Nesses encontros, se expressou o desamparo de muitos. A esperança de algo novo para o povo com a eleição de Lula foi frustrada. À perplexidade, sucedeu a desilusão e, agora, um crescente descontentamento. É real a tentação em muitos de desanimar, de renunciar à luta, desconfiando que algo possa de fato mudar. A crise política, econômica, social e ética é profunda. Política: a democracia representativa está esgotada. Os eleitos não defendem os interesses da maioria. Desde maio deste ano, estourou a crise dos partidos políticos envolvidos em esquemas de corrupção. Econômica: o modelo neoliberal, excludente, concentrador da riqueza, é incapaz de responder às necessidades básicas da maioria da população. Social: o povo está roubado dos seus direitos elementares. Ética: a lógica do capital e do mercado invade as relações humanas e sociais. O próprio governo está em crise, abandonando os seus eleitores para servir outros interesses. A Assembléia Popular foi uma resposta a um quadro nacional bastante negativo. Quis unir as forças sociais, ouvir e escutar as lutas quotidianas do povo para sobreviver; revivificar a esperança, discutir propostas alternativas, mobilizar as forças para promover algumas bandeiras comuns. Para tanto, é essencial consolidar a autonomia dos movimentos sociais em relação aos partidos e ao Estado, trabalhar a proposta de democracia direta, com mecanismos de maior participação, e ampliar os horizontes de transformação. A Assembléia foi construída em torno de duas dimensões principais: celebração e reflexão. Durante os quatro dias, uma equipe de mística, com membros de vários movimentos sociais, com jovens artistas populares e a participação do poeta e cantor P. Zé Vicente, organizou magníficas celebrações, encenando a vida, os sofrimentos, as lutas, os sonhos, a organização do povo, e a nova sociedade que vai emergindo. Isso com muita participação de todos os presentes. Foram feitas representações da vida, com símbolos belíssimos. Momentos inesquecíveis de união e comunhão profundas entre as várias culturas e raças, entre os seres humanos e a natureza, entre homens e mulheres, entre jovens e idosos, entre todos, entre o céu e a terra. Momentos espirituais de integração de cada um com si mesmo e com os outros. O novo Brasil é possível. A oração e o testemunho de Dom Luís Cappio, que fez a greve de fome em Cabrobó, para defender a revitalização do rio São Francisco e a vida dos ribeirinhos, foram acompanhados por danças sagradas dos povos indígenas. Os debates foram bem vivos também nos grupos de reflexão sobre os dez temas e os seis biomas apresentados no Instrumento de Trabalho. Este Instrumento (um documento aberto, para que possa ser enriquecido em muitas outras assembléias no próximo ano), preparado pela equipe de sistematização, recolheu as contribuições de muitos encontros anteriores. Um esforço de síntese desde a base. O rico documento recebeu novas contribuições que vão ser integradas na proposta inicial. Logo, este Instrumento de trabalho renovado será disponível (impresso e na internet) para promover outros debates. Dois outros documentos mais curtos: a “Carta da Assembléia”, e “nossos próximos passos”, preparados pela coordenação geral, também foram objetos de animadas discussões. Analisam as diversas dimensões da profunda crise atual de sociedade e suas causas. Propõem, ainda, dez bandeiras de lutas comuns entre os movimentos sociais para os próximos anos, tais como uma reforma política, uma auditoria e a suspensão da dívida externa, a valorização do salário mínimo e das aposentadorias, a criação de postos de trabalho, a redução dos juros e do pagamento da dívida interna, uma política externa soberana, a educação pública gratuita e de qualidade para todos, a reforma agrária e a defesa das águas, os investimentos em políticas sociais, e a democratização dos meios de comunicação. A fecundidade da Assembléia Popular vai depender da capacidade da Igreja, das pastorais sociais e dos movimentos sociais de multiplicar o debate e reforçar a organização e mobilização do povo na defesa dos seus direitos. Qual melhor escola de democracia, de formação cidadã e política que tal momento e espaço de maior participação popular, quando o povo mesmo se reúne, se organiza, debate, expressa as suas aspirações, celebra sua vida? A luta é a maior escola do povo. Essa grande Assembléia Popular, Mutirão por um Novo Brasil, foi do povo mesmo, autônomo, sem depender dos políticos. A saída da crise do país passa inevitavelmente por uma maior participação dos movimentos sociais e do povo organizado para definir políticas que beneficiem à maioria da população. Que contraste havia nesses dias em Brasília entre a alegria e criatividade do povo reunido no Ginásio poli-esportivo da cidade e os conchavos, bem pouco transparentes, na Praça dos Três Poderes! - Pe. Bernard Lestienne, SJ Ibrades Brasília.
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