A 1ª Guerra Mundial e o mapa-múndi, um século depois
03/08/2014
- Opinión
Em quatro anos, de 28 de julho de 1914 a 11 de novembro de 1918, quatro impérios europeus desapareceram, inaugurou-se o primeiro regime comunista de longa duração, e novos países surgiram na Europa e no Oeste da Ásia. Nem nas Grandes Navegações, nem na queda do Império Romano, na independência das colônias americanas, nem mesmo no desmoronamento dos regimes comunistas europeus a geopolítica do globo sofreu tantas modificações.
O Império Alemão, recém criado, cedeu espaço para a República, mais tarde conhecida como a de Weimar. O Império Russo desmoronou diante da Revolução de 1917, que desembocou na futura União Soviética, a partir de 1922. O Império Austro-Húngaro se desfez, dando lugar a países como a Áustria, a Hungria, a futura Iugoslávia e a Tchecoeslováquia. No noroeste surgiam a Finlândia, e os países do Báltico, Letônia, Lituânia e Estônia. A Polônia renasceu como país independente. A Turquia emergiu do ex-Império Otomano, além de outros países no Oriente Médio.
Uma outra mudança deu-se no cenário da própria guerra. Quando esta começou, predominou o descompasso entre uma geração antiga de oficiais e estrategistas, formados no século 19, e o armamento moderno de que dispunham, fruto dos avanços tecnológicos deflagrados a partir da Segunda Revolução Industrial. O resultado desta lacuna foi a elevação em escala geométrica da matança de militares nos campos de batalha.
Cargas de cavalaria e de infantaria eram continuamente jogadas contra armamentos de extermínio em massa, como artilharia pesada, metralhadoras, morteiros, granadas e fuzis de longo alcance, além de blindados mais para o fim da guerra. Aviões foram usados pela primeira vez em larga escala, além couraçados e submarinos no mar. Foram mobilizados 70 milhões de soldados, 60 milhões só na Europa. Morreram 9 milhões de militares, 15 milhões foram gravemente feridos e 7 milhões ficaram com algum tipo de incapacidade física permanente.
O número de mortos provocou o enterro de milhares de soldados sem identificação, o que consolidou a imagem do “soldado desconhecido”, hoje homenageado com monumentos especiais em muitas capitais da Europa.
Mais para o final da guerra, sobretudo com a entrada dos Estados Unidos no conflito, em 1917, uma nova geração de militares e estrategistas começou a substituir a antiga. Nem por isso a mortandade diminuiu. Nas frentes de batalha e entre a população civil grassavam doenças causadas pelas péssimas condições de saúde e pela desnutrição. A Alemanha perdeu 15% de sua população, a França, 10%. Eclodiram revoltas socialistas em diferentes países; na Rússia, bem sucedida, na Alemanha mal sucedida, com a emergência de movimentos paramilitares que mais tarde levariam à organização de grupos nazistas como a SS e os SA.
Outras mudanças também aconteceram: pela primeira vez as tropas, nas trincheiras, foram maciçamente alimentadas com alimentos em conserva. A paisagem urbana se alterava substancialmente, com o surgimento da indústria automobilística e alterações na construção civil e nos transportes, com a introdução da eletricidade em larga escala e o desenvolvimento do sistema ferroviário e dos metrôs nas cidades, como em Londres, Paris, Berlim e também na América, como em Nova York e em Buenos Aires.
Nas artes, desenvolveram-se os movimentos de vanguarda, em geral associados a luta pacifista. Levas de artistas procuraram países neutros, como a Suíça, que se tornaram focos de movimentos como o Dadaísmo, e de renovação teatral. Cafés povoados por artistas de vanguarda coabitavam na mesma rua com a moradia de Lenine no exílio, em Genebra ou Berna, antes que este retornasse definitivamente à Rússia para liderar a revolução bolchevique.
A Primeira Guerra Mundial arrebentou com muitos dos alicerces do universo mental do século 19, fazendo emergir a dissolução dos estilos artísticos tradicionais – denunciados como “acadêmicos” e “conservadores” – além de uma politização geral do universo intelectual, que levaria tanto a movimentos subversivos da ordem gramatical ou pictórica – também impulsionados pelo cinema – como aos grandes realismos do século 20, da Rússia aos Estados Unidos, sem perder de vista a América Latina e o Brasil.
A Segunda Guerra se caracterizou pela barbárie do nazismo; a Primeira, pela magna estupidez dos nacionalismos imperialistas da Europa, embora ao seu término o dos Estados Unidos já fosse uma presença em escala mundial. Mas também durante seu curso, e como reação a sua forma de barbárie, consolidou-se o movimento pacifista e de solidariedade internacional como bandeira de esquerda – coisa de que o mundo de hoje carece demais.
04/08/2014
https://www.alainet.org/pt/articulo/102169?language=en
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