Pode-se pescar com um computador?
15/07/2001
- Opinión
Gênova, Itália.
Há uma notória saia justa entre os manifestantes anti-G-8 que se
agregam em torno do Fórum Social Gênova, e os milhares de jovens
mobilizados pelas associações católicas, lideradas pela poderosa
Acli: Associação Católica dos Trabalhadores Italianos.
O Fórum convoca uma grande marcha para o dia 21, na qual os católicos
só admitem participar de houver garantias de que será uma
manifestação não-violenta. Isso porque vários ativistas contrários
ao atual modelo de globalização, como o francês José Bové, prometem
aqui romper, à força, o cerco da "zona vermelha" em torno do Palácio
Ducal, onde estarão reunidos os oito mais poderosos governantes do
mundo.
Os ferroviários italianos garantem que, a partir do dia 18, vão
despejar na estação de Gênova mais 5 mil manifestantes. Enfim, a
impressão que se tem é que a mídia local faz a crônica de uma guerra
antecipada, sobretudo chamando a atenção para o aparato bélico
montado na cidade, incluindo mísseis terra-ar.
O hackers causam pavor à segurança do evento. Em janeiro, em Davos,
conseguiram entrar no sistema de informática, descobrindo até os
cartões de crédito dos donos do dinheiro. Aqui, já demonstraram que
se consideram imbatíveis: interromperam três transmissões de TV para
emitir protestos contra o G-8.
Há dez dias, todos os detalhes do G-8 estão sendo filmados por 44
diretores de cinema italianos, liderados por Ettore Scola, Gillo
Pontecorvo e Francesco Maselli. Nada escapa às suas câmeras
distribuídas por toda Gênova.
O que sem dúvida constrange o governo Berlusconi, anfitrião do
evento, é saber que a voz mais autorizada anti-G-8 "canonizou", no
último domingo, manifestantes e manifestações: o papa João Paulo II.
Ele afirmou que "a fé não pode deixar o cristão indiferente diante de
semelhante questão (a globalização) de relevância mundial. Ela o
desafia a interpelar com espírito propositivo as responsabilidades da
política e da economia, de modo que o atual processo de globalização
seja fortemente governado tendo em vista o bem comum dos cidadãos do
mundo inteiro".
Os adeptos da Teologia da Libertação, também presentes em Gênova,
dizem que, enfim, o papa aderiu à visão daqueles que fazem da fé uma
lente crítica das questões sociais. O fato é que, tranquilo, João
Paulo II foge do calor de Roma e assiste tudo à distância, em férias
em Les Combes d¹Introd, no vale d¹Aosta.
Em companhia de seis assessores, um médico e um amigo polonês, o papa
acorda às seis da manhã, celebra a missa e, após o café, passa o dia
passeando pela região a bordo de uma perua 4x4. Após o jantar,
entrega-se aos livros que levou em duas caixas. Com certeza, com um
olho no noticiário do que ocorre em Gênova.
O comércio mundial de armas é outro tópico que merece a atenção dos
manifestantes. A África não produz armas e, no entanto, padece
guerras incessantes. Como os líderes das nações produtoras de
armamentos podem falar em paz se obtêm grandes lucros com os
conflitos armados?
O lema do Fórum Social de Porto Alegre, "Um outro mundo é possível",
é evocado aqui como crítica ao atual modelo de globalização, centrado
no avanço da tecnologia de ponta. Segundo a ONU, a geografia do
progresso tecnológico demonstra que, nos EUA, a tarifa mensal de
acesso à Internet equivale a 1,2% da renda mensal média. Em
Madagascar, a 614%. Nos países do Hemisfério Norte há uma linha
telefônica para cada duas pessoas. No Terceiro Mundo, a proporção é
de 1/200.
"Se um homem tem fome, dê-lhe uma vara de pescar", reza o provérbio,
agora modificado pela globalização: "dê-lhe um computador". E encha
as burras das nações exportadoras de tecnologia cibernética. Ora, a
lâmpada elétrica foi inventada em 1870 e, hoje, cerca de 2 bilhões de
pessoas ainda não têm acesso a ela. (Nós, brasileiros, temos acesso,
mas falta energiaŠ).
A desconfiança dos críticos do G-8 é que os membros deste seleto
clube não estarão dispostos a mexer em qualquer ponto que signifique
redução de riqueza para as suas nações. Por isso, o computador é
apresentado como a nova vara de pescar, e os alimentos transgênicos
como solução para a fome mundial.
Mas nenhuma vírgula é alterada nos acordos internacionais que
poderiam tornar a produção mundial de alimentos acessível a maior
número de bocas, via redução de tarifas. Assim como quase nada se
faz para evitar que cesse a morte diária de 30.000 crianças no mundo,
por doenças facilmente previsíveis e curáveis. Só 10% dos recursos
investidos na pesquisa global de saúde convergem para enfermidades
associadas à pobreza.
Para demonstrar que não são tão insensível aos povos do Terceiro
Mundo, os membros do G-8 abriram suas portas para alguns convidados
especiais, presidentes de nações pobres, entre os quais Francisco
Flores, de El Salvador, o único latino-americano a ter acesso ao
Palácio Ducal. O convite foi estendido também à índia guatemalteca
Rigoberta Menchú, prêmio Nobel da Paz, mas ela recusou.
https://www.alainet.org/pt/articulo/105247
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