Um mundo sem guerras é possível
16/09/2001
- Opinión
Quando terminou a guerra fria, seria possível supor que o
mundo pudesse ingressar a uma era de paz. Chegou-se inclusive
a propor que os recursos até ali usados para armamentos
fossem utilizados como fundo de desenvolvimento para os mais
atrasados do mundo.
Depois de diminuir por um tempo, logo voltaram a aumentar os
orçamentos militares e o comércio de armamentos. Por um lado,
os EUA começaram a redefinir os inimigos, que justificariam a
manutenção desses orçamentos: o narcotráfico, o terrorismo
islâmico e países socialistas remanescentes. Por outro, ficou
evidente o papel de reativador da economia que os
investimentos militares continuam possuindo nas principais
economias do centro do capitalismo.
A proliferação de conflitos no novo quadro internacional –
dentre os quais Kosovo, Chechênia, Colômbia, Macedonia – foi
funcional ao aumento da produção de armamentos, alimentando o
seu comércio clandestino, acobertado pela limpeza de dinheiro
nos paraísos fiscais. A própria América Latina voltou a ser
incorporada ao mercado de armamentos.
Os focos de conflito no mundo se multiplicaram, na África, na
Ásia, na América Latina e na própria Europa. A relativa
estabilidade internacional advinda do equilíbrio de forças
entre as duas super-potências foi substituída por uma
proliferação de conflitos, alimentados imediatamente por
divergências étnicas e religiosas, mas tendo por detrás
fortes interesses de corporações e de Estados de outros
continentes – como as análises sobre o massacre dos hutus e
dos tutsis e a guerra ainda vigente na República Popular do
Congo (ex-Zaire) demonstra claramente.
O mundo é um lugar menos seguro – mesmo antes dos
acontecimentos da terça-feira 11 de setembro deste ano – do
que antes. Porém, os tempos do equilíbrio nuclear não voltam
mais. Falou-se muita bobagens nestes dias – incluídos o
presidente da república e o ministro de relações exteriores,
sobre “guerra”, sobre a importância maior do que aconteceu
naquele dia do que a queda do Muro de Berlim, mas isto se
deve a seu provincianismo e à falta de política externa do
Brasil neste governo -, mas no essencial a hegemonia norte-
americana segue vigente. O que mudou é a conjuntura atual,
que pode se prolongar muito ou não, na dependência do próprio
tipo de reação dos EUA.
A política do governo Bush tinha levado os EUA a uma
situação de isolamento internacional, em que a iniciativa
tinha passado para os movimentos de resistência à
globalização liberal – evidenciado há pouco tempo em Gênova e
ameaça se projetar nas próximas reuniões – da FAO em Roma, da
OMC no Catar, entre outras. Agora a bola passa para o campo
dos EUA, que recebe a solidariedade firme de seus aliados e
tem o apoio interno para desatar represálias quase de
qualquer tipo. De algozes, os EUA passam a aparecer como
vítimas.
Suas reações foram, nos primeiros dias, cautelosas. Em
primeiro lugar, pelo desconcerto. Em segundo, por se dar
conta da sua vulnerabilidade – incluída todo a ampla rede de
embaixadas e consulados pelo mundo afora – e da
impossibilidade de agir sem se proteger. Em terceiro, pela
consciência de que ações que satisfaçam o desejo de vingança
da população podem ter resultados pífios comparados com o que
sofreram suas cidades e, se postas em prática, teriam, pelo
menos, que levar à morte comprovada de Osana Bin Laden. Além
disso, existe a consciência que as ações da terça-feira 11 só
puderam ser postas em prática com o apoio de uma rede com
penetração estratégica dentro dos próprios EUA e que suas
pistas têm que ser buscadas e eliminadas, para buscar impedir
que voltem a agir a partir do mesmo esquema.
O período histórico iniciado com o fim da URSS segue
plenamente vigente. Os EUA seguem como única super-potência,
com hegemonia mundial. Nada de importante do que acontece no
mundo de hoje – nos planos econômico, político, militar,
informativo, cultural – pode ser entendido fazendo abstração
dessa hegemonia. Ela está mais forte política e
ideologicamente. Nenhuma ação terrorista muda a história. A
que serviu de estopim para a primeira guerra mundial já tinha
um cenário pronto para a guerra, com dois blocos de forças
preparados para os enfrentamentos bélicos. Nenhuma força se
eleva hoje para se contrapor aos EUA. Se se pode falar de
“guerra”, não será de uma guerra convencional, mas de algum
tipo de guerra de guerrilhas, ainda assim reduzida a
modalidades de ações terroristas, com fins propagandísticos,
sem forças que se contraponham uma à outra, sem defesa de
território, sem alvos a atacar pelas forças constituídas dos
EUA e da OTAN.
Mas apesar de todo esse quadro, um outro mundo, sem guerras,
é possível. Hoje, a paz no mundo tem que ter como temas
centrais uma pacificação justa e duradoura do Oriente Médio,
com a fundação de um Estado Palestino e a convivência
pacífica com o Estado de Israel. Necessita ainda colocar o
resgate da África como prioridade mundial. Qualquer política
internacional que não coloque a África como seu alvo
fundamental, está equivocada.
Será possível igualmente desativar os focos de conflito na
Colômbia, em Chiapas, na Irlanda do Norte, no país vascos, na
Chechênia, no Cachemira, na Macedônia, entre outros conflitos
pendentes, se a ONU recuperar seu papel de organismos
representante da comunidade internacional. Antes de que isso
ocorra, o Fórum Social Mundial de Porto Alegre – que se
realizará entre os dias 31 de janeiro e 5 de fevereiro de
2002 – abrigará, entre outras tantas atividades, um Fórum
chamado Um mundo sem guerras é possível. Nele se apresentarão
propostas de paz para vários desses conflitos, com os
protagonistas desses acordos possíveis. Questões como a
Palestina, a Colômbia, Chiapas, o país vasco, encontrarão ai
os termos de uma paz possível.
O tema da paz é parte inerente essencial da luta por um outro
mundo possível, justo, humano, pacífico, em que os conflitos
se decidam por negociações e atendendo de forma eqüitativa a
todas as partes.
https://www.alainet.org/pt/articulo/105302
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