Esoterismo e religião
16/11/2001
- Opinión
Vivemos numa época em que corações e mentes são atraídos pela
experiência do mistério da fé: esse dom que nos permite "ver" o
Invisível e desfrutar o Transcendente como amor.
Essa "gula de Deus", na expressão de Rimbaud, sinaliza a busca de um
sentido para a existência numa sociedade carente de sentido. Sem
utopias, os jovens correm o risco de procurar o sonho nas drogas; sem
esperança, muitos trocam a solidariedade pela competição e a
compaixão pela ambição; sem amor, as relações são tratadas pela lei
da oferta e da procura.
Max Weber frisou as distinções entre as religiões do Ocidente e do
Oriente. As ocidentais, como o cristianismo (que nasceu a meio
caminho entre os dois hemisférios), baseiam-se na redenção. As
orientais centram-se no aperfeiçoamento pessoal, na superação da dor,
no equilíbrio interior.
Para o cristianismo, o ser humano não se salva sozinho, mas pela ação
da graça de Deus. Para as tradições orientais, cada um é sujeito da
própria salvação ou purificação, devendo retornar a este mundo até
que as sucessivas reencarnações o façam alcançar o estado de
perfeição espiritual.
A modernidade causou incômodo à Igreja católica ao introduzir a
democracia na vida social e deslocar o eixo teocêntrico da cultura
medieval para o eixo antropocêntrico fundado na razão. A Igreja,
enquanto comunidade, manteve a sua estrutura autocrática. E fez o
indivíduo centrar-se no próprio umbigo. Introduziu a meritocracia no
lugar da redenção operada por Jesus. Valorizou penitências,
promessas, indulgências, como se apenas o mal ou o bem que cada um
pratica decidisse a sua perdição ou salvação.
Assim, a modernidade cristã acabou criando, no Ocidente,
paradoxalmente, o caldo de cultura favorável à expansão das religiões
orientais. Há atualmente uma busca voraz de espiritualidade, mas sem
a mediação de sacerdotes e bispos, preceitos morais e sacramentos.
Essa onda esotérica põe em questão a evangelização cristã. Sem
intermediários e instituições, doutrinas e reflexão bíblico-
teológica, os fiéis dessa crença sem religião experimentam uma
abertura ao Transcendente como se Deus não tivesse nome nem história,
revelação ou encarnação, promessa ou escatologia.
O êxito das propostas religiosas que suprimem as mediações entre a
subjetividade do fiel e Deus explica-se pelo que elas representam
enquanto alternativa às Igrejas históricas. Nelas não há culpa,
comunidade, catequese ou compromisso pastoral. Deus se reduz a uma
difusa e prazerosa energia que traz alívio e alento, sem exigências
de justiça e amor.
Na disputa pelo mercado da crendice, a Igreja católica corre o risco
de ser levada pela onda e adotar o modelo subjetivista, onde o Credo
é substituído pela letra de uma canção e a liturgia por movimento
aeróbicos. Tudo se transforma numa grande efusão espiritual que
embevece, alucina, desata nós do psiquismo (daí o caráter
terapéutico, as curas) e traz alegria às multidões, sem que o
Evangelho seja anunciado, refletido, aprofundado, assumido e vivido
enquanto fermento na massa. É a religião light, descompromissada,
onde o lá em cima importa mais do que o Reino anunciado por Jesus e
que se situa lá na frente, onde a história alcança a civilização do
amor.
Muitos fazem da religião uma mescla de crenças e ritos, como o
cristão que pratica meditação transcendental e acredita em
reencarnação. Contudo, essa apreensão amorosa do Transcendente,
através da oração, faz desaparecer a idéia de Deus como um ser
castigador e repressor. O temor abre espaço ao amor.
Teresa de Ávila ensina que a oração é como a relação entre duas
pessoas que se amam: do flerte, repleto de indagações e fascínio,
nasce a proximidade. O namoro é feito de preces, pedidos e louvores.
O noivado favorece a intimidade de quem se abre inteiro à presença do
outro. Vira os amados pelo avesso. As palavras já não são
necessárias. O silêncio plenifica. Enfim, as núpcias, essa simbiose
que levou o apóstolo Paulo a exclamar: "Já não sou que vivo, é Cristo
que vive em mim". Eis a paixão inelutável, a gravidez do espírito, o
vazio de si repleto de Totalidade.
A sadia experiência da fé nada tem de fuga do mundo ou do narcisismo
espiritualista de quem faz da religião mero antídoto para angústias
individuais. Nela articulam-se contemplação e serviço ao próximo,
oração e vida, alegria e justiça. Jesus convida a todos que o
encontram a fazer de Deus o seu caso de amor. E avisa: os novos
tempos não surgem na virada dos séculos ou dos milênios, mas no
coração que se converte, muda de rumo, e descobre que o próximo e o
mundo são, como enfatizava Teresa, moradas divinas.
https://www.alainet.org/pt/articulo/105408
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