Imprensa Nacional Age como Foca no Fórum Social Mundial
11/02/2002
- Opinión
Enquanto nos telejornais brasileiros, crescia o número de reportagens sobre
casos de violência, “elegendo os seqüestradores como os maiores inimigos do
povo”; enquanto vendia-se ao telespectador, a antropofagia do “grande irmão
Big Brother” ou produzia-se “geladas”matérias sobre os preparativos para o
carnaval, a primeira semana de fevereiro, na capital gaúcha, reunia 3000
jornalistas de 48 países para a maior cobertura jornalística de movimentos
sociais que o mundo já reuniu num único espaço e tempo.
Cinqüenta e um mil e trezentos (51.300) participantes em 186 línguas. Esse
era o cenário, mas quem acompanhou pelos jornais, em casa, não teve o direito
à informação respeitado. “Uma cobertura jornalística no mínimo ordinária”
desabafou o professor de jornalismo da USP-SP, Bernardo Kucinski, um dos
coordenadores da agência de notícias alternativa, Carta Maior, numa declaração
sobre a cobertura jornalística na segunda edição do Fórum Social Mundial. Num
contraponto à deterioração da qualidade técnica do jornalismo nacional,
jornalistas da Itália e França, por exemplo, se estapeavam por registrar e
enviar em tempo real o maior número de informações detalhadas, esperadas por
suas editorias européias.
Por aqui, o que se ouvia das chefias das redações era pouco perto do que
realmente atraia os 51.300 inscritos no fórum. Como justificativa para a
ausência de pressão qualitativa das redações, se ouvia de alguns jornalistas,
que os fatos pitorescos e as brigas entre alguns jovens, era imprescindível
naquela cobertura, que aquele era um fórum sem proposição conclusiva ou
deliberativa, portanto, apenas um fato merecedor de apenas registros.
“Sabemos que a ONU (Organização das Nações Unidas), já resolveu os problemas
do mundo todo inúmeras vezes e todas resoluções foram fechadas em documentos
finais, em proposições conclusivas”, disse Rigoberta Menchú Tum, da Guatemala,
Prêmio Nobel da Paz de 92. Não há quem conteste que o mundo não precisa mais
de compromissos documentados. Essa pauta estava nos rostos das pessoas que se
aglomeravam nos corredores e salas da PUC, universidade-sede do fórum,
evidenciando que encontros como esse, reúne gente que faz e não apenas gente
que diz que faz. O 2o F.S.M. mostrou que muito já foi e há de ser feito pela
via da emoção do encontro de pessoas que num único espaço e momento viveram
suas diferenças, literalmente se irmanando nas desigualdades e nas opressões.
Essa gente toda apontou saídas possíveis para filipinos, senegaleses, bascos,
riograndenses e paulistanos, norteamericanos e palestinos. Saídas que a
história do grande portador de sonhos, o neoliberalismo, não sinalizam mais.
Quem esteve lá viu que, por trás de toda a proteção do estado capitalista, os
movimentos populares continuam e nunca deixaram de existir, como supõem alguns
teóricos. Afinal, a história das conquistas sociais no mundo todo, só saiu do
papel por única e exclusiva ação desses filhos e netos de todos os idealistas
pró-revolucionários e não apenas pelas mãos dos partidos políticos. Um desses
movimentos está no próprio Brasil: foram as lutas dos portadores do HIV que
asseguraram o melhor programa público de tratamento contra a aids do mundo.
Esse é um mérito de um movimento social, baseado num amplo conceito de
direitos humanos, a qual alguns partidos insistem em intitular-se como
autores.
A imprensa não mostrou que essa segunda edição do F.S.M. se pautou por um
novo e amplo conceito de direitos humanos, que inclui economia, sociedade e
cultura, denominados (DESC–Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), um tema
incorporado pelas Nações Unidas (ONU). Os movimentos diversos presentes
comprovaram que estão sim trabalhando para que, por exemplo, a jurisprudência
internacional considere fatores como alimentação e acesso a cultura como
direitos humanos básicos. Dentro das conferências, esses grupos debatiam como
criar mecanismos que obriguem os governos a respeitar os direitos humanos
nesse conceito ampliado de DESC.
Os capitalistas agora estão se autodevorando
Um dos seminários reuniu numa mesma sala, espanhóis do Movimento Separatista
Basco (que fizeram questão de serem registrados no Fórum como bascos e não
como espanhóis e foram acusados por alguns de pertencerem ao movimento
separatista ETA), ativistas venezuelanos, cubanos, noruegueses, chilenos,
indianos e até da pequena Guiana Francesa. Gente que falava uma única língua:
a da necessidade da autodeterminação dos povos, a de desenvolver-se sobre a
sua própria concepção e cultura. Antton Mendizabal, membro de um sindicato
basco que reúne 16 categorias profissionais na Espanha, vê uma certeza: “há um
acúmulo de energias impressionantes contra o imperialismo”. Ele acredita que
os bascos não são contra a constituição européia, mas que lutam para que ela
seja verdadeiramente democrática, garantindo o direito à autodeterminação.
É a América e a Europa falando a mesma língua!“O único país da América Latina
que pode dizer que tem autodeterminação é Cuba”, disse uma ativista cubana,
que não tinha nada de guerrilheira louca e sim muito de uma representante do
potencial cubano de se organizar. Claro que os retratos de Che Guevara
estavam lá, na feira de artesanato multicultural, mas os relatos de
experiências de novas formas de fazer a economia local em contraponto à única
alternativa imposta, a do neoliberalismo, evidenciaram que o F.S.M. acontece
no momento histórico certo.
Se ainda há dúvidas, basta analisar os fatos recentemente divulgados como
escândalo pela imprensa. O caso do maior banco da Irlanda e da
conceituadíssima empresa norteamericana Enron, caíram como luvas perfeitas,
como exemplo atual de que falharam todos os instrumentos do capitalismo, os
investidores estão apavorados porque foram enganados por balanços financeiros
maquiados. Os capitalistas selvagens estão se autodevorando! Mais essa para
justificar a precisão histórica desse fórum.“Precisamos lutar contra a entrada
desregulada de capitais nos países, devemos reconhecer o direito de nos
proteger contra o fluxo de capitais”, justifica Dominique Plihon,
representante da ATTAC francesa, uma das organizadoras do fórum. A Attac
(Associação pela Taxação das Transações Financeiras em Apoio aos Cidadãos), é
uma ong que tem origem na França, com núcleos em vários países, inclusive o
Brasil.
Dominique falou sobre uma medida já adotada na França, para controlar a
especulação e o fracasso das finanças mundiais, criando uma taxa global,
voltada para as empresas multinacionais, que devem ser controladas pelas
autoridades residentes no país em que a empresa foi instalada.“O próprio
artigo sexto do estatuto do Fundo Monetário Internacional (FMI), prevê que os
países devem impor o controle de capitais, mas não o fazem. O planeta
continua com uma política que confia nos bancos, escondendo paraísos fiscais”,
sentencia Reinaldo Gonçalves, economista da UNAFISCO (União Nacional dos
Auditores Fiscais), que participou do seminário “A reforma dos Ricos e o
Conflito Distributivo”. Atualíssima colocação da Attac e da Unafisco já que
nos últimos 150 anos da história do Brasil, nunca se cobrou tantos impostos,
nunca o gasto com os juros estiveram tão altos e nunca a dívida pública esteve
também tão alta – hoje comprometendo 60% do PIB nacional.
Ficou evidente que cidadãos do mundo todo estão desenvolvendo barreiras contra
a ressaca neoliberal, criando uma contra-ideologia diária que pode se
contrapor ao modelo de desenvolvimento dominante. Eles, os 51.300
participantes do F.S.M. vieram de cantos e lutas distantes, reunindo todas as
lutas revolucionárias, vitoriosas ou não, o que segundo alguns historiadores,
devem pouco às influências dos partidos comunistas latinoamericanos, que
tiveram reduzido seus espaços políticos após a desaparição da União Soviética.
Portanto não se trata de um movimento “partidário, de novos comunistas ou de
petistas”, como quiseram argüir alguns.
Viu quem esteve lá, quem são esses novos rostos contra-revolucionários,
representados nesse fórum. Também presente em Porto Alegre, o escritor
português José Saramago, foi mal interpretado por alguns quando deu um
chacoalhão honesto, na nova militância mundial. “O eleitor poderá tirar do
poder um governo que não lhe agrade e pôr outro no seu lugar, que o seu voto
não teve, não tem, nem nunca terá qualquer efeito visível sobre a única e real
força que governa o mundo, e, portanto o seu país e a sua pessoa: refiro-me,
obviamente, ao poder econômico. Todos sabemos que é assim, e contudo, por uma
espécie de automatismo verbal e mental que não nos deixa ver a nudez crua dos
factos, continuamos a falar de democracia como se se tratasse de algo vivo e
actuante, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas
ritualizadas”.
Que ninguém se esqueça disso Saramago, mas, no entanto, esclareceu bem o
companheiro boliviano de Che Guevara Osvaldo Peredo, quando disse: “Não existe
outro terrorismo, senão o de Estado” ou melhor ainda quando diz Francisco de
Oliveira, sociólogo aposentado da USP-SP “precisamos cuidar para não eleger os
verdadeiros inimigos do povo, que podem exercer uma tirania vestida de
normalidade”. Mais oportuno ainda estava o jornalista Mino Carta, no
seminário “Globalização e Comunicação”, quando lembrou o pensador italiano
Grammsci: “Um pouco de cetismo não faz mal a ninguém, temos que ser pessimista
porque a natureza humana é o que é, mas temos que ser otimista na ação”.
Silvia Sabina Buosi Cardinale
jornalista
namastee@ig.com.br Jornalistas de diferentes países lançaram uma proposta, de criação de um Observatório Mundial dos Meios de Comunicação, organizado através de uma rede internacional de ONGs, universidades e associações de jornalistas. O Observatório analisaria as informações que são divulgadas aos cidadãos. Também serão estudados os conteúdos e as estruturas das notícias, evitando o bloqueio da fluidez das informações. Podemos acompanhar pelas vias “das alternativas”, através dos sites nacionais da agência de notícias Carta Maior www.agenciacartamaior.com.br ; revista Caros Amigos www.carosamigos.com.br ; Le Monde www.diplo.com.br ; Veraz Comunicação www.veraz.com.br ; Alai- Agência latinoamericana de Informação www.alainet.org e no projeto Ciranda de cobertura alternativa www.ciranda.net/publique .
jornalista
namastee@ig.com.br Jornalistas de diferentes países lançaram uma proposta, de criação de um Observatório Mundial dos Meios de Comunicação, organizado através de uma rede internacional de ONGs, universidades e associações de jornalistas. O Observatório analisaria as informações que são divulgadas aos cidadãos. Também serão estudados os conteúdos e as estruturas das notícias, evitando o bloqueio da fluidez das informações. Podemos acompanhar pelas vias “das alternativas”, através dos sites nacionais da agência de notícias Carta Maior www.agenciacartamaior.com.br ; revista Caros Amigos www.carosamigos.com.br ; Le Monde www.diplo.com.br ; Veraz Comunicação www.veraz.com.br ; Alai- Agência latinoamericana de Informação www.alainet.org e no projeto Ciranda de cobertura alternativa www.ciranda.net/publique .
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