Revolução na evolução
27/03/2002
- Opinión
Para o cristianismo a cruz e a morte da sexta-feira santa não são a
última palavra. A palavra derradeira que o Criador pronunciou sobre o
destino humano é ressurreição. Por isso, a festa central do
Cristisnianismo não é o Natal que celebra o nascimento do Libertador
das gentes nem a Sexta-feira Santa que comemora o martírio do Messias.
Se ele, após a crucificação, não tivesse ressuscitado, estaria
seguramente no panteão dos heróis da humanidade, mas não teria uma
comunidade que lhe guardaria a memória sagrada. Mas ele ressuscitou.
Em razão disso, o Cristianismo não celebra uma saudade do passado, mas
festeja uma presença no presente.
O que o Cristianismo tem a oferecer à humanidade se globalizando é
fundamentalmente isso: a promessa de ressurreição para toda a carne,
para cada pessoa e para a inteira criação. Quem não quer viver sempre
e plenamente?
Mas importa compreender bem o que se entende por ressurreição se
quisermos captar sua relevância universal.
Antes de mais nada, cabe lamentar que ela foi cedo abandonada como
eixo estruturador da fé cristã. Em seu lugar entrou o tema platônico
da imortalidade da alma. A ressurreição foi relegada para o fim do
mundo e não para acontecer já na morte como era a convicção da Igreja
dos primórdios. Como ninguém sabe quando este fim do mundo vem, a
ressurreição não representa um elemento esperançador da vida. Por isso
que muitos cristãos, ainda hoje, vivem tristes como se fossem ao
prório enterro.
Ademais, a ressurreição não é sinônimo de reanimação de um cadáver
como o de Lázaro. Lázaro voltou à vida que tinha antes. Ora, esta vida
é mortal, pois vamos morrendo em prestações, até acabar de morrer. A
reanimação do cadáver não nos liberta da morte. Lázaro morreu de novo
e foi sepultado definitivamente. E lá ficou.
Ressurreição significa bem outra coisa. É a intronização de alguém
numa ordem tal de vida que esta não tem mais nenhuma entropia,
nenhuma necessidade de morrer É uma vida tão inteira que exclui a
realidade da morte. Portanto, é a realização da utopia de uma vida
sem fim e absolutamente realizada. Tal evento benaventurado só é
possível à condição de o processo evolucionário ter chegado à sua
culminância, quando todas as potencialidades do ser humano se tiverem
absolutamente realizado. Representa, pois, uma revolução na evolução.
Daí implode e explode o ser novo que vinha embrionariamente se
formando ao longo dos bilhões e bilhões de anos, até fechar o seu
ciclo de realizações.
Quando se fala assim de ressurreição se acredita que tal singularidade
ocorreu em Jesus. A grama não cresceu sobre sua sepultura. Ela ficou
aberta para proclamar o fato mais decisivo do universo: a superação
da morte, mais ainda, a possibilidade real de transformação da utopia
em topia dentro do horizonte cósmico e histórico, o triunfo da vida.
Que faz, concretamente, a ressurreição? Realizar plenamente nossa
essência que consiste em sermos um nó de relação e de comunicação para
todos os lados. A ressurreição suprime os limites de realização
espácio-temporal desse nosso nó, potenciando-o ao infinito. O corpo
ressuscitado vira pura comunicação e ganha uma dimensão igual a do
cosmos. Por isso o corpo ressuscitado enche todo o universo e ocupa
todos os lugares.
Pelo espírito estamos na lua, no sol, nas galáxias mais distantes,
estamos em Deus. Mas nosso corpo não consegue acompanhar o espírito.
Fica enraizado no espaço e no tempo, agrilhoado ao sistema da matéria.
Voando à velocidade da luz precisamos de 8 segundos para chegar até o
sol e três anos luz, à estrela mais próxima de nós, a Alfa do
Centauro. O corpo ressuscitado supera a velocidade da luz. Ele está
imediatamente lá onde está o nosso desejo.
O corpo assume as características do espírito e o espírito aquelas do
corpo. Não deixamos o mundo. Mas penetramos mais profundamente no
coração do mundo até aquele ponto onde tudo é um e para onde tudo
converge na diferença.
A humanidade que está em Jesus está também em cada um de nós. Se nele
se verificou tal evento de bem-aventurança é sinal que vai acontecer
também em nós. Ele é apenas o primeiro entre muitos irmãos e irmãs,
como atesta São Paulo. Todos nós o seguiremos e, do nosso jeito
singular, ressuscitaremos também como ele na morte.
* Leonardo Boff é teólogo, filósofo e autor de Nossa Ressurreição na
Morte e Vida para além da Morte.
https://www.alainet.org/pt/articulo/105730
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