Por que voto Lula
19/09/2002
- Opinión
Meu voto é Lula. Embora seja cristão e acredite em milagre,
não creio que Deus fará pelo Brasil o que os brasileiros se
recusam a fazer. Portanto, não fará o maná cair do céu para
matar a fome de 53 milhões de pessoas; não enviará um raio
para erradicar a dívida e(x)terna; não transformará o Banco
Central numa cornucópia para saciar de fortuna os projetos
sociais. Por isso, não voto em Garotinho.
Como estou decepcionado com os oito anos de governo FHC, nos
quais o Brasil menos cresceu em toda a história da República,
e agora se afunda numa dívida pública em torno de R$ 750
bilhões, também não quero ver pela frente as mesmas caras: o
Malan monitorando a economia em nome do FMI; o Pedro Parente
fazendo de conta que entende de energia elétrica; o ministério
da Justiça cruzando os braços frente ao crime organizado em
terra capixaba. Por isso não voto em Serra.
E como não tenho memória curta e guardo a amarga lembrança do
breve período Collor, minha insanidade não é suficiente para
que eu cometa a loucura de votar em Ciro Gomes. Deixo a ele os
votos de Collor e de ACM. Não o meu, que muito prezo. Jamais
confiei em salvadores da pátria que, como Jânio Quadros, mais
confundem que aclaram, mudando de opinião segundo a
conveniência política do momento.
Nomeado ministro da Fazenda por Itamar Franco, após a
desastrada entrevista do ministro Ricúpero, Ciro Gomes ficou
quatro meses no governo FHC e criou problemas suficientes para
não ser chamado de volta ao cargo no segundo mandato do
presidente. Seu desequilíbrio emocional frente às perguntas
dos jornalistas não me permite supor que, uma vez eleito,
ficará curado do destempero e da agressividade. E estou
cansado de ver o PFL usufruir do poder sem deixar cair do
banquete dos abastados ao menos uma migalha para os pobres. E
o PFL está com Ciro.
Voto Lula porque ele tem lastro político, um partido
consistente, um programa viável, uma equipe invejável. Prefiro
estar ao lado de Maria Victória Benevides, Dalmo Dallari,
Fábio Konder Comparato, Marilena Chauí, Luiz Pinguelli Rosa,
Emir Sader, Paulo Nogueira Batista Júnior, Marina da Silva,
Eduardo Suplicy, Cristovam Buarque, Antonio Candido etc. etc.,
e também da CUT, da CMP e do MST, que estão com Lula, do que
ficar mal acompanhado.
Lula não será a salvação da pátria, mas tem todas as
condições para arrancar o Brasil da condição de Belíndia (este
misto de Bélgica com Índia) ou de Colombina (a violência da
Colômbia com a quebradeira da Argentina). Enfim, reduzir
consideravelmente a desigualdade social. Segundo o Banco
Mundial, insuspeito, 20% dos brasileiros mais ricos embolsam
64,1% da renda nacional, enquanto os 20% mais pobres ficam com
a migalha de 2,2%.
Entre 60 países do mundo, o Brasil é o terceiro em
assassinatos, atrás da Colômbia e de Porto Rico. Em 2000,
morreram assassinados 45.919 brasileiros. Entre os jovens de
15 a 24 anos, o índice cresceu 48% na última década. Dos 76,1
milhões de trabalhadores, 64 milhões têm ocupação e os demais
estão desempregados. Dos que trabalham, 24,4% ganham no máximo
1 salário mínimo por mês; 27,5%, até 2 salários mínimos;
13,6%, até 3; 14,2%, até 5; 12,5%, até 10; 5,1%, até 20; e
apenas 2,6% ganham acima de 20 salários mínimos (ou mais de R$
4 mil) por mês.
Ou seja, 51,9% dos trabalhadores ganham no máximo R$ 400 por
mês. E há 1.049.939 crianças de 10 a 14 anos no mercado de
trabalho, das quais 39% trabalham entre 15 e 19 horas
semanais, sendo que 9% cumprem jornada semanal de 49 horas ou
mais. Os dados não são da CUT nem do MST. São oficiais, do
IBGE.
Como trabalhador metalúrgico e sindicalista, Lula priorizará
os investimentos produtivos, combaterá a especulação
financeira, promoverá a reforma tributária e, com ela, os
mecanismos de distribuição de renda. Se ele não assegurar a
cada brasileiro ao menos 1 prato de comida por dia, ficará
desmoralizado. É impensável um governo Lula sem reforma
agrária, tributação do capital especulativo e uma política
eficaz de combate à fome.
Lula vai inverter a pirâmide da educação que, no Brasil, anda
de cabeça pra baixo. Basta dizer que 1/3 da população com mais
de 10 anos de idade é analfabeta funcional, pois não completou
quatro anos de estudos. Dos recursos do MEC destinados ao
ensino médio, só 8% vão para alunos oriundos da esfera dos 20%
mais pobres da população. E dos recursos que chegam às
universidades públicas quase a metade é gasta com alunos que
pertencem à casta dos 20% mais ricos da população. O governo
Lula vai injetar mais recursos na educação, estratégia
prioritária para arrancar o Brasil do atraso.
Lula vai Vai o quê? Sozinho ele não vai nada. A menos que
elejamos, com ele, um Congresso Nacional progressista. Ainda
assim, isso não será o suficiente. Se eleito, Lula só terá
condições de governabilidade de houver mobilização permanente
da sociedade civil. Será o primeiro a governar, não contra o
povo, nem para o povo, mas com o povo, transformando em real a
nossa democracia formal. É esta a aliança que tornará viável o
governo Lula: com o povo brasileiro. Fora disso, nem ele nem o
PT tem salvação.
Mas para que o sonho se torne realidade é preciso, agora,
todo empenho na eleição de Lula e de governadores, senadores,
deputados federais e estaduais, que haverão de garantir
condições para o Brasil mudar. Para melhor.
Frei Betto é escritor, autor de "Batismo de Sangue" (Casa
Amarela), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/106388
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