Humores do mercado
21/03/2006
- Opinión
Mais do que FHC, o Mercado pesa muito na eleição presidencial. Há quem imagine
que seja um ente virtual. Ou apenas o resultado de uma economia centrada no
lucro, e não no bem-estar da maioria. E não falta quem afirme ser ele uma
categoria econômica que define a área onde se dão as relações de compra e venda.
Ora, o Mercado existe mas, como os grandes criminosos, não gosta de se mostrar.
Sua principal característica é a freqüente mudança de humor. Irrita-se com
facilidade, fica instável, nervoso; e, de uma hora para outra, aparece calmo,
tranqüilo, sorridente.
Quando não gosta do que está ocorrendo à sua volta ou, como dizem os
comentaristas econômicos, "reage mal" o dólar sobe, o risco Brasil aumenta, a
Bolsa de Valores entra em queda. Mas se sente seu ego massageado, então acontece
tudo ao contrário.
Todos sabemos que o Mercado existe, mas ninguém sabe onde mora nem cruza com ele
numa esquina. Só os comentaristas econômicos, como a Míriam Leitão, e os
ministros Malan e Fraga, têm contato com ele. Ou melhor, o Mercado conhece o
número dos celulares dessa gente. E toda manhã, após ler os jornais e ouvir no
rádio as últimas entrevistas do Serra e do Lula, liga para os seus porta-vozes e
não esconde seu estado de humor.
Se o Lula declara que vai governar para acabar com a fome no Brasil, o Mercado
espinafra, xinga, grita ao telefone e toma uma caixa de Lexotan. Se o Serra
promete não reduzir o lucro dos bancos nem decepcionar os investidores
estrangeiros, o Mercado se acalma, sorri e manda seus porta-vozes anunciarem
que, hoje, ele acordou de bom humor.
O Mercado não tem a menor sensibilidade social. Está pouco se lixando se há
crianças morrendo de fome no Vale do Jequitinhonha ou se aumentou o número de
desempregados em São Paulo. O que interessa a ele é defender, com unhas e
dentes, os poucos que lucram muito. Sobretudo os investidores estrangeiros, pois
o Mercado não gosta do Brasil e dos brasileiros. Aliás, ele só fala inglês e, de
preferência, este estranho dialeto chamado economês.
O Mercado gosta mesmo é de ver um país pobre honrando as suas dívidas, ainda que
milhões morram à míngua. Sim, não se espante. A lógica dele é outra. Não tem
religião, nem ética, nem coração. Só interesses. E não gosta de ser provocado.
Mas, felizmente, quando se altera, seus porta-vozes aparecem nos meios de
comunicação para nos informar seu estado de ânimo. Assim, toda vez que fica
nervoso, eu me escondo debaixo da cama. E sei que, no hemisfério Norte, os
investidores riscam o Brasil do mapa da especulação financeira. Porém, quando o
Mercado se acalma, saio aliviado do meu esconderijo e acompanho a queda do dólar
e a alta da Bolsa.
Não esqueça que o Mercado adora brincar de gangorra. Só não gosta de ser
empurrado. E tome cuidado, pois ele não vota, mas pode não gostar do seu voto
dia 27 de outubro. Tomara, entretanto, que o povo brasileiro goste.
*Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Paulo Freire e Ricardo Kotscho,
de "Essa escola chamada vida" (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/106490
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