Reviravolta latinoamericana

30/11/2002
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A América Latina foi o primeiro laboratório de experiências neoliberais. Estas nasceram aqui, na Bolívia, com plano elaborado por Jeffrey Sach, que controlou a inflação naquele país, ao preço de destruir a indústria mineira, e no Chile de Pinochet, que reduziu ao país a uma economia primário exportadora - em ambos os casos com graves regressões sociais e políticas. Em seguida as políticas neoliberais se estenderam pelo continente, do México à Argentina, do Uruguai ao Perú, do Brasil ao Equador, não deixando imune praticamente a nenhum país do continente. Como resultado, a América Latina vive atualmente uma grave ressaca dessas políticas, tornando-se a região mais instável em termos econômicos, sociais e políticos do mundo, pagando um duro preço pela submissão a essas políticas por parte de suas elites. Em nenhuma região do mundo, em compensação, o Consenso de Washington é tão questionado. Cada país, uma crise, ou melhor, a mesma crise, sob formas específicas: Argentina, Haiti, Colômbia, Venezuela, Bolívia, Paraguai, Uruguai, Guatemala, Nicarágua, Perú. Tampouco é boa a situação nos outros países, como sabemos nós da herança que o governo FHC deixa para seu sucessor. Proliferam também os governos descontentes com o Consenso de Washington e suas políticas de ajuste fiscal. Além de Cuba, a Venezuela, o Brasil, grupo a que se somou o Equador, com a eleição de Lucio Gutiérrez para a presidência. E os governos neoliberais atuais do Peru, do Uruguai, do Paraguai, da Argentina, têm uma enorme reprovação da opinião pública. As políticas que inundaram o continente nas últimas décadas violentaram o potencial de crescimento e de afirmação de sua identidade própria, tentando amolda-lo, na sua múltipla diversidade a um esquema único, que cada governante – de Menem a Fujimori, de FHC a Zedillo, de Pinochet a Battle – colocou em prática. O continente foi rebaixado na sua importância no plano mundial, em favor de regiões como o sudeste asiático e de países como a China e a Índia, que souberam proteger-se da ofensiva neoliberal e afirmar seus próprios interesses. A América Latina vive atualmente sua pior crise desde os anos trinta do século passado. À regressão da Argentina se soma a segunda década de estagnação do Brasil, assim como a recessão do Uruguai, do Peru, do Paraguai, da Venezuela, da Colômbia, do Equador, da Bolívia, praticamente de todo o continente, os conflitos institucionais como os da Venezuela e do Paraguai, os conflitos armados como os da Colômbia, não deixando praticamente nenhum país do continente infenso à instabilidade, à recessão econômica, à violência urbana, ao narcotráfico, à financeirização, ao aumento do desemprego, ao desinteresse político, à precarização do trabalho, ao enfraquecimento das organizações sociais e políticas. Por tudo isso a década atual seguirá de grandes transformações no nosso continente. À eleição do Lula como presidente do Brasil, se soma a de Lucio Gutiérrez no Equador, ao resultado incerto da eleição na Argentina em abril de 2003, assim como os desdobramentos da crise venezuelana e, em 2004, as eleições uruguaias, desta vez com o favoritismo da Frente Ampla não apenas no primeiro, mas também no segundo turno. Essas transformações políticas são resultado de um sentimento cada vez mais generalizado da necessidade de uma outra política. Ainda não se configura uma era posneoliberal na América Latina, embora 2003 seja um ano novo, que pode ser de virada, dependendo do que suceda no Brasil, assim como do desdobramento da crise argentina. Se esta desembocar na dolarização, o continente – incluído o Brasil – estarão condenados a uma crise ainda mais profunda do que a atual. Se, ao contrário, for possível a constituição de um eixo Brasil-Argentina, o ano poderá significar verdadeiramente o de transição da hegemonia neoliberal – com todas suas seqüelas – e um novo período histórico, em que a América Latina passará de região mais convulsionada em termos econômicos e sociais, para aquela que abrirá novos horizontes para os descontentes com o mundo atual no novo século.
https://www.alainet.org/pt/articulo/106737
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