1a Romaria Dos Atingidos: Terra, agua e direitos

17/11/2002
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"O clamor dos pobres chegou aos ouvidos de deus" (tg 5,4) 16 e 17 de novembro de 2002 – ALCÂNTARA –MA
Alcântara, 17 de novembro de 2002 O município de Alcântara fundado em 1.648, localiza-se na Baixada Ocidental Maranhense e fica a 22 KM de São Luis. De acordo com o censo do ano 2000, realizado pelo IBGE, Alcântara possui 21.291 habitantes, sendo que 5.665 vivem na área urbana e 15.626 moram na zona rural. Do total da população 11.093 são homens e 10.131 são mulheres. O município possui 6.154 domicílios, sendo 1.540 na zona urbana e 4.614 na zona rural. A economia do Município se expressa na agricultura familiar , na pesca, no artesanato, turismo, comercio e no extrativismo do babaçu, da madeira e carvão. Durante séculos Alcântara contribuiu para a formação da riqueza da Coroa Portuguesa, absorvendo escravos, exportando alimentos e outros produtos. Em seguida, Alcântara foi relegada ao abandono. Em 1980 o estado Brasileiro voltou-se novamente para Alcântara e mais uma vez para agravar os problemas sociais. Em 1.980 o Governo do Estado do Maranhão através do Decreto nº 7.820 declarou de utilidade pública para fins de desapropriação uma área de 52 mil hectares para instalação do Centro de Lançamento de Alcântara – CLA. Esta área correspondia a 45% do território do Município. Em 1.991 o Governo Collor assinou outro decreto aumentando a área para 62 mil hectares, equivalentes a 62% do território do Município. Na área do decreto moram e trabalham cerca de 3.000 famílias. Em 1.986 e 1987 foram relocadas 312 famílias de 32 povoados para 07 agrovilas. Há ainda previsão de transferir mais 372 famílias para outras agrovilas. O Centro de Lançamento de Alcântara foi inaugurado em 1983. Nestes 19 anos foram investidos mais de 700 milhões de reais e feitos mais de 260 lançamentos, sem grandes resultados científicos e econômicos para o País. Nos últimos dez anos o governo tem esvaziando o CLA com a redução de verbas orçamentárias. Ao mesmo tempo o governo brasileiro aceita as imposições e se submete às pressões dos Estados Unidos e de outros países do primeiro mundo. RETIRADA DO ACORDO DO CONGRESSO Como resultados das pressões externas e da falta de recursos o Governo do Brasil te firmado acordos com vários países, sendo o mais selvagem o ACORDO SALVAGUARDAS TECNOLÓGICAS celebrado em 18 de abril de 2000 com os Estados Unidos. Por este acordo o Governo Brasileiro renuncia a política espacial brasileira, transformando o CLA em uma simples BASE DE ALUGUEL. Por este acordo os Estados Unidos terão direitos a ÁREAS RESTRITAS de seu uso e controle exclusivo. Este controle é tão absurdo, que até o Presidente da República do Brasil para ter acesso a estás áreas terá que pedir autorização para o Governo Americano, a quem cabe emitir um crachá. O acordo proíbe o Brasil de investir no programa Espacial Brasileiro. O Brasil não poderá fiscalizar nenhum equipamento remetido pelos Estados Unidos de qualquer parte do mundo para Alcântara . para completar, os Estados Unidos ainda terão direito de veto sobre qualquer acordo que o Brasil pretenda celebrar com outros Países. Este acordo é hoje uma colcha de retalho: a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional aprovou por unanimidade parecer do Deputado VALDIR PIRES (PT/BA), em que foram excluídas as clausulas consideradas nocivas aos interesses nacionais. A Comissão de Ciência e Tecnologia modificou por completo o parecer da Comissão de Relações Exteriores. O referido Acordo se encontra agora na Comissão de Constituição com outros pareceres. Desta forma, o Centro de Lançamento de Alcântara se transformou no centro de uma disputa internacional com graves reflexos para a soberania e o desenvolvimento nacional. Neste sentido vamos apelar ao Senhor LUIS INACIO LULA DA SILVA, Presidente eleito que solicite ao CONGRESSO NACIONAL a devolução do mencionado Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, para que, sob a ótica do novo governo que se inicia a partir de janeiro de 2003, sejam estabelecidas novas negociações com o Governo Americano e com a comunidade cientifica, o Congresso Nacional e com as populações atingidas. DOS PROBLEMAS SOCIAIS Por outro lado, a população de Alcântara vive e convivem com os problemas complexos sociais, ambientais, econômicos, fundiários e étnicos, que precisam de urgente solução, destacando-se: 1. AGROVILAS 312 famílias foram deslocadas de seus antigos povoados à beira mar, para uma terra ruim, longe das praias e das áreas de pesca. Após 16 anos, muitas famílias abandonaram suas casas e novas famílias se constituíram. As novas famílias enfrentaram os limites e pressões do Centro Espacial que proíbem novas residências nas agrovilas. Estas famílias são simples agregadas. As agrovilas não possuem autonomia. As famílias até hoje não receberam os títulos das glebas rurais e nem dos lotes urbanos. Além de distantes, o acesso às praias e às áreas de pesca é limitado pelo Centro de Lançamento que exigem crachás. Hoje as famílias das agrovilas passam fome. REIVINDICAÇÃO: Exigimos um projeto de desenvolvimento rural sustentável, autonomia para as agrovilas, titulação de suas glebas e lotes urbanos; acesso livre às áreas de praias e pesca; terra para novas famílias e transferências das agrovilas para órgãos fundiários e de assistência técnica do Governo Federal; 2. REMANECENTES DE QUILOMBOS Há em Alcântara dezenas de comunidades identificadas por pesquisadores do Mestrado de Políticas Publicas da Universidade Federal do Maranhão como sendo remanescentes de quilombos. Estas comunidades estão protegidas pela Constituição e pela história. No entanto o governo atual se recusa a reconhecer os direitos destas comunidades. REIVINDICAÇÃO: Exigimos o cumprimento do artigo 168 do ADCT, sendo demarcadas e tituladas as áreas identificadas como remanescentes de quilombos, garantindo-se às comunidades mencionadas os respectivos títulos de propriedade. 3. NOVAS RELOCAÇÕES Visando transformar o Centro de Lançamento em um centro prestador de serviços, ou melhor, em uma simples base de aluguel, desde 1998 que o Governo quer transferir mais 372 famílias de seus antigos povoados para locais impróprios. A maioria dessas comunidades mora em povoados antigos, muitos deles localizados no litoral, próximo ao oceano atlântico, vivendo com fartura de peixes, frutos do mar e variados recursos naturais. Os locais oferecidos para localização das "futuras" agrovilas já estão povoados e os recursos naturais são insuficientes até par o sustento das famílias que lá habitam. REIVINDICAÇÃO: Que não seja transferida mais nenhuma família de suas localidades, sendo iniciado um processo de dialogo, transparente e democrático com as comunidades interessadas e seus representantes sobre os riscos à segurança das populações durante os lançamentos; 4. TERRAS DEVOLUTAS Há dez áreas devolutas dentro da área declarada de utilidade publica para fins de desapropriação. Estas terras estão ocupadas por comunidade de mais de cem anos, como Canelatiua, Uru, Uru-Mirim, Santa Maria, Periaçú e outras. São mais de 170 famílias. O Governo do Estado prometeu discriminar e DOAR estas terras para o CLA. As ações de encontram na Justiça Federal. A injustiça das promessas de doação do Governo do Estado do Maranhão se agravam na medida em que estas áreas poderão ser cedidas para outras nações, em prejuízo e em desprezo dos verdadeiros filhos e filhas de Alcântara. REIVINDICAÇÃO: Exigimos que as terras devolutas sejam tituladas em nomes das famílias que lá moram e trabalham como manda a lei e a Constituição do Maranhão. 5. FUNDO DE COMPENSAÇÃO PERMANENTE Até hoje a maioria das famílias não foram indenizadas. Os valores são irrisórios e insignificantes. O conjunto da população do Município tem sido prejudicada nestes 22 anos. Há vários povoados que não dispõem de serviços públicos, já que os administradores municipais alegam que não investirão em povoados que poderão ser transferidos. Por outro lado, a legislação que disciplina as desapropriações limita as famílias expropriadas de realizarem melhorias em suas benfeitorias, agravando de forma dramática os prejuízos. Registre-se igualmente a ocorrência de conflitos agrários fora da área declarada de interesse do centro de lançamento de Alcântara em face da diminuição de terras disponíveis no Município. Ressalte-se que a existência do Centro de Lançamento não influi positivamente no aumento da receita pública municipal e na oferta de bens e serviços públicos à população. REIVINDICAÇÃO: Exigimos a constituição de UM FUNDO DE COMPENSAÇÃO PERMANENTE voltado exclusivamente para o Município de Alcântara, constituindo por um percentual mínimo de 15%, calculado sobre a receita liquida de cada lançamento, sendo que parte deste fundo será destinada ao Município e uma outra parte para compensar de forma permanente às famílias diretamente atingidas pelas atividades do CLA; Reinvidicamos também que seja retirada de pauta ou rejeitado o projeto de lei do Deputado César Bandeira que trata do Fundo de Desenvolvimento Tecnológico do Estado do Maranhão, em tramitação na Câmara Federal, uma vez que foi deformada e desvirtuada a idéia original do fundo de compensação permanente sugerido em varias discussões em Alcântara. Além do mais, o projeto do Deputado César Bandeira não atende aos interesses das populações de Alcântara; 6. LIBERAÇÃO DE BENS CULTURAIS Há cemitérios e bens culturais, alguns da época das comunidades indígenas e das antigas fazendas de escravos controlados pelo CLA, cujo acesso é limitado, fato que se constitui violação à memória histórica e os valores religiosos e culturais dos alcantarenses. REIVINDICAÇÃO: Exigimos a liberação de todos estes bens culturais para visitação, adoração e proteção por parte dos legítimos interessados. 7. DESPRIVATIZAÇÃO DOS BENS DE USO COMUM Há praias, rios, igarapés, riachos e outros bens essenciais à pesca e atividades variadas das comunidades e próprio desenvolvimento do turismo sob domínio do CLA. O acesso é restrito e controlado mediante vigilância dos militares, uso de CRACHÁS e assinatura em livro. O controle excessivo por parte do CLA é uma das causas do empobrecimento das atuais agrovilas; REIVINDICAÇÃO: Exigimos o acesso livre a todos os bens de uso comum do povo, como praias, rios, igarapés e outros. 8. DAS INDENIZAÇÕES Passados mais de 22 anos do primeiro decreto de expropriação e mais de 17 anos do inicio do processo judicial de desapropriação a maioria das famílias ainda não foram indenizadas. Os processos judiciais são complexos, envolvem muitas pessoas entre posseiros e proprietários existem dificuldades imensas de regularização dos interessados nos processos por falta de documentação. A transferência dos processos da Câmara de Alcântara para a Justiça Federal em São Luis, o reduzindo número de juizes, a burocracia do judiciário e as exigências legais dificultam a celeridade processual. Para agravar os problemas a Advocacia da União dificulta a solução dos impasses, ara recorrendo de decisões judiciais favoráveis aos expropriados, ora orientando para não liberar as indenizações de áreas que possuem depósitos apenas a nível administrativo. REIVINDICAÇÃO: Reivindicamos que sejam adotadas as medidas administrativas que acelere a liberação das indenizações, tento a nível judicial, quanto a nível administrativo. 9. DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: O Município de Alcântara possui apenas um hospital e uma ambulância para atender quase 22 mil pessoas. Apenas 799 domicílios possuem coleta de lixo e somente 2.141 domicílios possuem água encanada. O analfabetismo é grande e a maioria dos povoados vive no escuro. REIVINDICAÇÃO: Exigimos que o governo federal em conjunto com governos estadual e municipal, com ativa participação da comunidade articule um conjunto de políticas públicas, com destaque especial para educação e saúde, voltadas para o conjunto das comunidades de Alcântara. 10. GERAÇÃO DE EMPREDO E RENDA: De acordo com os dados do IBGE existem em Alcântara apenas 77 empresas e não chega a 1.000 a quantidade de pessoas com empregos regulares. A cidade de Alcântara inchou nos últimos anos. Aumentou o número de jovens e de pessoas que desempregadas do Centro Espacial e de empresas que prestavam serviço ao Centro. Por outro lado, o numero de pessoas de Alcântara ocupadas no Centro Espacial na área civil militar é muito reduzido. Ressalta-se o crescimento constante de pessoas fixando residência na Sede do Município originarias da zona rural. REIVINDICAÇÃO: Reivindicamos que haja políticas de qualificação da população de Alcântara, visando capacitá-la para o mercado de trabalho; que haja políticas de geração de emprego e renda no Município e que seja garantido um percentual dos empregos no Centro de Lançamento e nas empresas que prestarem serviços ao Centro, exclusivamente para os Alcantarenses. Estas são as principais reivindicações que os romeiros participantes da 1ª ROMARIA DOS ATINGIDOS pelo Centro de Lançamento de Alcântara, realizada em Alcântara nos dias 16 e 17 de novembro DE 2002. Atenciosamente. 1ª ROMARIA DA TERRA DOS ATINGIDOS
https://www.alainet.org/pt/articulo/106833?language=en
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