A globalização do risco

24/01/2003
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A globalização trouxe, entre outras coisas, a planetização da condição humana e a consciência de que Terra e humanidade possuem destino comum. Por isso devemos enfrentar o futuro como um sujeito único. Isso nos obrigaria, normalmente, a elaborar um projeto planetário solidário e uma gestão coletiva das questões globais, visando conferir sustentabilidade à vida do Planeta. Mas isso não ocorre. Qualquer tentativa nesta linha é sistematicamente boicotada, pelos grandes da Terra, encabeçados pelos EUA, como se pôde constatar recentemente, por ocasião da cúpula da Terra em Joanesburgo. Não se logrou nenhum acordo sobre as questões realmente globais como o clima, a água, as fontes de energia, a agricultura e a biodiversidade. Não há vontade de se construir o bem comum planetário, nem existe cultura para esse tipo de postulado. O que une a todos é a guerra contra o terrorismo. Preferem as políticas prepotentes dos estados-nações, hegemonizados imperialmente pela potência mais forte e belicista que são os EUA. Tal mentalidade provinciana é demente porque tolera a globalização do risco da guerra tecnológica, cujo desfecho pode ser fatal para os seres humanos. Se somos como espécie, simultaneamente, sapiens e demens, então aqui vem à tona, de forma assustadora, o lado de demência. Esta se revela nas medidas político-militares do Presidente Bush. Representam um crime de lesa-humanidade. Pois, as armas nucleares não serão mais de dissuasão. Serão de agressão, até preventiva. Nem imaginemos a devastação de vidas humanas implicada em tal guerra, as lesões no código genético, o fantasma a aterrorizar as mentes futuras. Configurará o ato de terrorismo maior da história, já antecipado pelo terrorismo das duas bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki. Para onde essa demência desabrida nos poderá levar? O mais grave, todavia, é o fundamentalismo que subministra razões para esse caminho de alto risco, a crença cega de que não precisamos nos preocupar com a ordenação do mundo e a garantia de nosso futuro. Estão assegurados, crêem, pelas forças livres do comércio, pelo livre espaço dos capitais e pelo mercado livre. O dogma proclama que estas instâncias constituem a forma mais eficaz de auto-regulação. Mas a crescente miséria dos povos, o aumento da devastação ecológica e o agravamento dos conflitos mundiais desmascaram esse dogma como heresia. Nunca sentimos tanta urgência de sabedoria para impormos limites ao poder avassalador e salvar o futuro da vida e da Terra. Não há mais uma Arca de Noé salvadora. Desta vez, todos, até os ateus, amantes da vida, são urgidos a rezar. Leonardo Boff, Teólogo, prof. Emérito da UERJ, autor de Do iceberg à arca de Noé, Garamond, Rio de Janeiro 2002.
https://www.alainet.org/pt/articulo/106857
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