Hipocrisia da guerra
26/01/2003
- Opinión
Paira um cheiro de pólvora no ar. A teimosia de Bush em iniciar a
"primeira guerra do século 21" aumenta as apreensões de todos os que
temem pelos desdobramentos imprevisíveis que toda guerra traz
consigo. "Com a paz tudo se pode ganhar, com a guerra tudo pode se
perder", já advertia sabiamente Pio XII antes do eclodir da segunda
guerra mundial, em 1939.
E' estranho que depois de tantos avanços da consciência da humanidade
ainda se pense na guerra como expediente para superar conflitos. Na
verdade, o que há por trás desta obsessão pela guerra contra o
Iraque?
Nesta semana tive a oportunidade de conversar com o Cardeal de
Washington, Theodore E.McCarrick, que também estava na audiência
geral que tivemos com o Papa na quarta-feira. Perguntei-lhe sobre o
que pensava da guerra dos Estados Unidos contra o Iraque. Disse-me
que tinha estado, pessoalmente, com o Presidente Bush, para dissuadi-
lo desta aventura militar. E que tinha enfatizado junto a ele de que
não via justificativas para a guerra. "A não ser que o Sr. seja muito
mais inteligente do que nós, não vemos motivos para a guerra", teria
dito o cardeal para o presidente. Parece irônica esta deferência com
a inteligência do Bush.
O Cardeal McCarrick, porém, insinuou que os motivos verdadeiros
poderiam ser outros. "Tomara que o motivo não seja Israel, nem o
petróleo", desconversou.
Quando começa uma guerra, a primeira vítima é a verdade. Desta vez
parece que a verdade é sacrificada ainda antes que a guerra comece.
Pois busca-se, a todo custo, um pretexto que justifique a ação
militar. A obsessão pelo pretexto faz perder a racionalidade. Se o
Iraque permitiu a entrada dos inspetores da ONU, parece evidente
tanto o itinerário como o desfecho do procedimento. Em primeiro
lugar, manda o bom senso pensar que se ele permitiu a inspeção é
porque, de fato, as supostas "armas de destruição em massa" não
existem. E caso existam, simplesmente elas podem ser destruídas, pois
estarão ao alcance da ONU. Mas se ficar comprovado que não existem,
deveria se suprimir o bloqueio econômico a que o Iraque está
castigado há doze anos, com enormes prejuízos para a população do
país. Mas a insistência de Bush se assemelha à do lobo, na famosa
fábula de Fedro. Com vontade de encontrar pretexto para devorar o
cordeiro, o lobo insiste em dizer que o cordeiro lhe sujou a água do
córrego. "Mas como pode, responde o cordeiro, se a água vem de lá
para cá?". Ao que o lobo retrucou, encerrando a discussão "Se não
foi você, foi se pai!". E se lançou sobre o cordeiro. Fedro não
podia imaginar que, desta vez, pai e filho estão do outro lado. O que
não fez o Bush pai, o Bush filho quer fazer. E em vez de água, o que
está em jogo é o petróleo. Assim, a irracionalidade dos atentados
legitimam a irracionalidade da guerra declarada, propiciando outros
intentos. Fica evidente que a guerra que interessa aos Estados Unidos
é aquela que proporciona vantagens econômicas. Assim, a incompetência
econômica do neo-liberalismo é socorrida pelas vantagens obtidas pela
prepotência militar, justificada pelas atitudes fanáticas dos
fundamentalistas. Esta é fórmula da idiotice que parece estar hoje
conduzindo o mundo. Tanto uma como outra atitude são equivocadas.
Pois, tanto os "taliban" como os "talibush", na verdade são "tais e
quais"!
https://www.alainet.org/pt/articulo/106864?language=en
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