Fome Zero
19/12/2002
- Opinión
COMO PARTICIPAR DO COMBATE À FOME
Garantir a cada brasileiro três refeições diárias é a prioridade do presidente Lula e de sua equipe de governo. Zerar a fome de mais de 40 milhões de brasileiros é tão importante que, para isso, o presidente criou o MESA Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome, coordenado pelo ministro José Graziano da Silva. O que você pode fazer? Seja o que for, estabeleça um programa para os próximos 4 anos. Evite agir sozinho. A união faz a força. Una-se a outras pessoas amigos, colegas de trabalho, parentes para que o resultado seja mais eficaz. Organize um comitê do Fome Zero em seu local de trabalho, igreja ou denominação religiosa, bairro, escola, clube, prédio etc. Faça o seu PRATO Programa de Ação Todos pela Fome Zero. É com ele que você e seus companheiros(as) irão encher os pratos de quem tem fome.
FORMAR O CONSEA
É meta do Programa Fome Zero estabelecer, em cada município, um CONSEA Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional. O que faz o CONSEA? Elabora diretrizes para implementar a política local de segurança alimentar e nutricional, em sintonia com as diretrizes traçadas pelo CONSEA estadual e pelo CONSEA nacional; orienta a implantação de programas sociais ligados à alimentação, estabelecendo objetivos e prioridades; e articula a participação da sociedade civil.
O CONSEA municipal deve congregar três setores da sociedade: representantes do poder público (prefeitura, Câmara Municipal, agência dos Correios, do Banco do Brasil ou da Caixa Econômica Federal etc.); representantes de entidades ou instituições que já atuam em segurança alimentar e nutricional (igrejas, cooperativas, ONGs etc.); e representantes da sociedade civil organizada (sindicatos, associações etc.). Na proporção de 2 representantes da sociedade civil organizada para 1 do poder público. Além de instalar o CONSEA, forme um COPO Conselho Operativo do Programa Fome Zero. Ele será o braço executivo do CONSEA, cadastrando as entidades que atuam junto à população carente; cuidando de receber e distribuir donativos; mobilizando a sociedade no combate à fome, sobretudo articulando a ação dos PRATOs. Na formação do CONSEA e do COPO não parta da estaca zero. Dele deverão participar membros dos Conselhos Municipais já existentes, como os fóruns e/ou conselhos de Assistência Social, Saúde, Criança e Adolescente, Idoso e Desenvolvimento Rural etc.
DONATIVOS
Antes de arrecadar alimentos, saiba a quem destiná-los. Jamais corra o risco de manter parado um estoque de alimentos, sob o risco de estragar. Procure entidades e instituições que já prestam serviço à população carente, como o Banco de Alimentos; os vicentinos; equipes de espíritas; ONGs (Organizações Não-Governamentais) etc. Estabeleça um ponto de coleta de donativos: uma igreja, uma garagem, uma loja etc. Faça os donativos chegarem o quanto antes às mãos da entidade ou instituição que tem contato direto com quem tem fome.
ENSINAR A PESCAR
Evite fazer assistencialismo. O Fome Zero, como disse o presidente Lula no lançamento do programa, "não quer apenas dar o peixe, mas ensinar a pescar". Confira a qualidade do trabalho da entidade ou instituição à qual você repassa os donativos. Verifique se ela faz um trabalho pedagógico de inclusão social, de modo que as pessoas beneficiadas venham a recuperar sua auto-estima e se sentir verdadeiras cidadãs, participando de atividades e empreendimentos que a tornem geradoras de renda. Se preferir, seu PRATO pode fornecer alimentação sadia a uma comunidade carente: creche, asilo, grupo que mora na rua, centro de acolhimento de doentes mentais, escola pública da periferia etc. Faça-o através de uma instituição ou entidade experiente em segurança alimentar (higiene bucal, controle de qualidade dos alimentos, combate à desnutrição materno-infantil etc.). Evite entregar alimentos diretamente a indivíduos ou famílias carentes.
EXEMPLOS
Vamos aos exemplos do que o seu comitê ou PRATO pode fazer:
BANCO DE ALIMENTOS
Junto com o CONSEA municipal, organizar um Banco de Alimentos, à semelhança do que existe em Santo André, SP. Graças a uma rede de voluntários e à infra-estrutura fornecida pela prefeitura (transporte, local de processamento dos alimentos etc.), o Banco recolhe alimentos, como pães ofertados por padarias, e outros mantimentos e, no mesmo dia, faz chegar às entidades cadastradas que cuidam de pessoas em situação de carência alimentar.
SOPÃO
Uma ou duas vezes por semana faça um sopão para quem vive na rua. Procure um nutricionista para tornar a refeição saborosa e nutritiva. Não se restrinja a distribuir a sopa. Faça um cadastro de cada pessoa favorecida pela refeição. Nome, data e local de nascimento, escolaridade, trabalhos que já exerceu, estado de saúde, se tem ou teve família (esposa/esposo e filhos) etc. Incentive quem não tem documentos a tirá-los. Ajude-o nisso. Facilite o retorno ao local de origem daqueles que assim desejam. Restabeleça os vínculos do beneficiado com a família dele. Ajude-o a encontrar um emprego ou fazer um curso profissionalizante. Alfabetize-o. Leve-o a fazer um exame médico.
Não basta saciar a fome de pão. É preciso saciar também a fome de beleza, ou seja, recuperar a auto-estima, a visão de mundo, a cidadania. Crie a possibilidade de a turma do sopão assistir a um filme ou a uma peça de teatro. Os filmes de Carlitos podem favorecer um bom debate.
Nesse contato em que o povo da rua ganha rosto e nome junto a você, o seu PRATO terá que fornecer algo mais que os ingredientes da sopa. Terá de coletar também roupas e remédios. E oferecer condições e oportunidade de inclusão social, como a documentação, a reinserção no núcleo familiar e no mercado de trabalho.
Procure descobrir os talentos de cada um. É possível que haja entre eles quem gosta de tocar um instrumento musical. Ou dançar. Ou cozinhar. Ou lidar com animais. Ou trabalhar na lavoura. Ajude-os a reencontrarem o que os faz felizes.
CRECHE
Procure uma creche de crianças carentes ou ajude a formar uma, já que é cada vez maior o número de mulheres chefes de família. (Na América Latina, 25% dos chefes de família são mulheres). Muitas não podem trabalhar porque não têm com quem e onde deixar os filhos. Além de fornecer alimentos à creche, estabeleça parceria com a Pastoral da Criança, que cuida de crianças de 0 a 6 anos de idade e de mães gestantes. Procure também os Agentes Comunitários de Saúde. No seu município deve funcionar o Núcleo de Atendimento à Família. Essas parcerias são importantes.
Através das crianças da creche, entre em contato com as famílias. Faça um cadastro de cada uma delas. Verifique como vive, que dificuldades enfrenta, como se alimenta. Encaminhe à escola as crianças que, por acaso, estejam fora da sala de aula; oriente a família quanto à Bolsa-Escola; encaminhe o desempregado ao Seguro-Desemprego e a um curso profissionalizante; favoreça o atendimento dos doentes etc.
Preste muita atenção nos irmãos e irmãs da criança matriculada na creche. Podem ser meninos e meninas ou adolescentes em situação de risco. Examine as dificuldades que enfrentam e os sonhos que acalentam. Crie formas de evitar que caiam na marginalidade. Organize com eles/elas grupo de teatro, videoclube, oficinas de arte e literatura, artesanato etc.
Saiba que, segundo a UNICEF, na América Latina a educação de uma menina vale mais que a de um menino. Uma menina escolarizada tende a livrar-se da gravidez precoce, da prostituição, da possibilidade de transmitir doenças venéreas, da procriação irresponsável, do risco de abandonar filhos na rua etc.
Através da creche a sua equipe de participação no Fome Zero pode prestar um importante serviço a inúmeras famílias.
O ASILO
Faça parceria com quem já trabalha com pessoas da terceira idade. Muitas vivem em recolhimentos precários, sem alimentação adequada. Assessore-se de um nutricionista para balancear adequadamente a dieta dos beneficiados. Procure médicos voluntários que se disponham a atendê-los. Incentive ao trabalho aqueles que ainda dispõem de condições físicas e mentais, como ajudar na cozinha e na copa. Cuide da higiene pessoal dos beneficiados e da limpeza do local. Isso é muito importante para ajudá-los a resgatar a auto-estima. Organize no local um salão de beleza. Organize atividades culturais e lúdicas, como peças de teatro, videoclube, saídas para ir ao cinema, passeios, e também festas de aniversário, eventos religiosos etc.
ACAMPAMENTOS E ASSENTAMENTOS RURAIS
Faça, primeiro, parceria com o movimento que representa os acampados e assentados. Estabeleça com ele uma agenda de trabalho. Ele dirá quais são as necessidades e prioridades dos sem-terra. Organize com as fontes doadoras locais (empresas, cooperativas, poder público) um sistema de canalização permanente de recursos aos beneficiados. Procure instalar na área equipamentos sociais indispensáveis à inclusão social: escolas, postos de saúde, alfabetização de adultos, cursos profissionalizantes, sobretudo os que tratam da agricultura familitar e da formação de cooperativas. Promova debates sobre políticas públicas com os beneficiados, em especial a reforma agrária. É bom que tenham uma visão das lutas pela terra ao longo da história do Brasil e da América Latina.
NÚCLEOS POPULACIONAIS CARENTES (favelas, vilas, palafitas etc.)
Nunca ingresse nesses núcleos populacionais sem ser conduzido por uma entidade ou instituição que já desenvolve ali algum trabalho, como as igrejas. Não por risco de violência. Mas sim para evitar desconfianças. Examine com a população local quais são as carências básicas. Alimentação? Comece por priorizar as crianças, os idosos e os enfermos. Analise com eles a possibilidade de desenvolverem hortas comunitárias. Cadastre os mais pobres. Promova cursos de alfabetização, primeiros-socorros, saúde comunitária, profissionalizantes. Ajude-os a ter seus documentos em dia. Encaminhe as crianças e jovens para o Bolsa-Escola e o desocupados para cursos profissionalizantes. Ajude a comunidade a se organizar em Centro Comunitário ou Associação. Promova atividades culturais, lúdicas e esportivas. Procure escolas, clubes, unidades militares existentes nas redondezas, para que cedam seus equipamentos aos moradores do núcleo. Leve até lá grupos jovens de teatro, cinema, vídeo, dança, pintura etc.
REMANESCENTES DE QUILOMBOS
Existem no Brasil muitos remascentes de quilombos, antigas áreas que são habitadas, hoje, por descendentes de escravos. Se você vive próximo a um deles, entre em contato para verificar como estabelecer uma parceria entre ele e o Fome Zero. Na periferia da Grande São Paulo, um movimento religioso atua junto a um desses núcleos populacionais. O centro do trabalho é a padaria ali instalada. Quase todas as mulheres trabalham no preparo de pães, com os quais alimentam suas famílias. O excedente é vendido, obtendo-se renda para a comunidade. Muitos jovens, homens e mulheres, encontraram emprego em padarias após alcançarem essa qualificação profissional. Priorize a escolaridade de crianças e jovens, a agricultura familiar, o trabalho em artesanato, e atividades artísticas, como a música.
ALDEIAS INDÍGENAS
Elas também são prioridade no Programa Fome Zero. Caso você viva próximo a uma delas, entre em contato para saber como estabelecer parceria. Ajude-a a consolidar seus sistemas de educação, saúde e produção alimentar e artesanal, a valorizar sua culinária tradicional. Colabore para que ela não seja alvo de aproveitadores e exploradores. A demarcação das terras indígenas é fundamental. Contribua para que esse processo tenha êxito.
EDUCAÇÃO ALIMENTAR
Nem sempre a fome do brasileiro é falta de comida, e sim de educação nutricional. Come-se mal, desprezando alimentos de alto valor nutritivo ou deixando de plantar uma horta caseira ou comunitária. É muito importante criar recursos para a educação alimentar: cursos de culinária, cartilhas, vídeos/filmes etc. Um exemplo é a casca do ovo, em geral atirada ao lixo. Ora, basta lavá-la e, num tabuleiro, levá-la ao forno. Ao começar a tostar, retire e bata no liquidificador, a seco. Esta farinha de casca de ovo contém muito cálcio. Misturada ao feijão oferecido às crianças produz efeitos imediatos no saudável crescimento delas. Ligada à educação alimentar está a higiene bucal. A pessoas precisam aprender a cuidar de seus dentes, escovando-os após as refeições, utilizando o fio dental etc. É preciso que as escolas infantis incutam desde cedo este hábito nas crianças. Favoreça a valorização da culinária local, combate à obesidade, ajude a divulgar informações sobre a composição química dos alimentos.
INCLUSÃO SOCIAL
O Programa Fome Zero não pretende apenas assegurar a cada brasileiro(a) uma alimentação sadia, de qualidade e suficiente. Pretende, sobretudo, acabar com a exclusão social. É claro que isso não depende apenas da ação voluntária de inúmeras pessoas dispostas a integrar o mutirão de combate à fome. Depende da possibilidade de somar as ações emergenciais como as que o seu comitê pode fazer às medidas estruturais, como as cinco reformas prioritárias do governo Lula: previdenciária, tributária, agrária, trabalhista e política. Você pode participar das reformas estruturais mantendo contato com o deputado federal e o senador que elegeu, de modo que eles atuem nessa direção transformadora que visa erradicar a abissal desigualdade que, hoje, marca a nação brasileira. Mas você e seu comitê ou PRATO podem muito mais: assumir um dos núcleos populacionais acima citados, reunindo esforços para garantir a ele alimento, educação nutricional, escola, saúde, trabalho e cultura. Torne-se, assim, solidário com aqueles que padecem necessidade e parceiro do governo federal. Torne-se um militante do Fome Zero.
Mais informações sobre o Fome Zero: www.fomezero.gov.br www.fomezero.org.br Núcleo de Atendimento Especial: naeempresas@planalto.gov.br Central telefônica: 0800-707-2003 Contribuições financeiras: Banco do Brasil, agência 1607-1, conta 1002003-9; Caixa Econômica Federal: agência 0647-5; conta 2003-3; operação 006. CNPJ: 00.394.460/0409-50. Titular: Fome Zero.
* Frei Betto é escritor, autor de "Lula, um operário na presidência" (Casa
Amarela), e coordena, com Oded Grajew, a mobilização social do programa Fome
Zero.
https://www.alainet.org/pt/articulo/107129
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