Os riscos da guerra banalizada
03/04/2003
- Opinión
Bush conta com isso. As pessoas de tal forma acostumarem-se ao
noticiário da guerra, que mortes ou crimes contra a humanidade, no
caso do bombardeio que atingiu a uma maternidade no Iraque,
incorporem-se ao dia a dia e acabem não causando impacto ou reação
alguma.
Há duas conseqüências graves nesse tipo de atitude: aceita-se a
violência, desdenha-se a perversidade, é uma atitude. Dura até que a
próxima agressão contra a liberdade e os direitos seja perpetrada
pelo Império. É há uma lista intensa de horrores previstos no diário
de George Bush, mais precisamente, nos diários dos que manipulam o
boneco texano.
E assim vai, até que não exista reação mais a esse tipo de estupro
praticado contra cada e todos os seres humanos. E os objetivos dos
tiranos sejam alcançados.
Os maiores índices de audiência da televisão brasileira, na terça-
feira, estiveram por conta da Globo, na final do programa Big
Brother. Quem ganharia o prêmio de 500 mil reais, pouco mais de 160
mil dólares, depois de um longo período de disputas. O modelo do
programa vem da televisão européia e tem larga audiência em similar
norte-americano. O drama de um iraquiano, foto em todos os jornais
brasileiros, na primeira página, que perdeu 15 pessoas da família em
bombardeios, não comoveu tanto quanto a vitória de um idiota disposto
a tudo pelo dinheiro, anunciando aos quatro cantos que vai ser
candidato a um cargo qualquer nas próximas eleições.
As festas e os regalos para o vencedor ultrapassam a indignação com o
ataque a um hospital maternidade no Iraque. O que está longe, as
bombas caindo e matando, gerando "horror" como disse um diretor da
Cruz Vermelha, não têm causado a necessária reação nas pessoas, ainda
que seja grande o número das que percebem a importância da luta, da
resistência, da denúncia, pois entenderam que o Iraque somos todos
nós. A "maioria silenciosa", expressão de Nixon, já não é tão
maioria assim. Dois e dois pode ser cinco, como pode ser quatro,
como pode ser coisa alguma, foi o que George Orwell escreveu em
"1984", para mostrar o terror totalitário de um "Grande Irmão". O
resultado vai ser sempre o que o poder quiser.
É claro que o Big Brother na sua versão brasileira não foi construído
ou copiado pela Globo para camuflar o massacre e a destruição dos
iraquianos e do Iraque. Propõe-se a objetivos mais amplos, como o de
despersonalizar o ser humano enquanto sujeito de si próprio, da sua
ação, do seu desejo, para transforma-lo em zumbi da realidade
capitalista. É a que faz com que consuma coca cola e arrote o arroto
repulsivo da felicidade e seja aceito como alguém integrado. E
aceite qualquer fato. Qualquer crime, cole a si a violência, como
algo natural. E é um desafio para os que lutam por outro mundo
possível.
Há, verdade seja dita, um número muito maior de pessoas atingidas
pelas bombas americanas, hoje, que ontem. Há, uma crescente rejeição
aos métodos imperiais de terroristas que controlam o governo dos
Estados Unidos.
As manifestações de paz pelo mundo afora são como oxigênio diante da
sufocante ameaça daquelas bombas. Mas têm que ultrapassar o
genocídio no Iraque, como na Palestina.
Tem que ser uma luta sem tréguas. O Fórum Social Mundial provou, ao
desencadear um processo quase que permanente de mobilização popular,
fóruns nacionais, regionais, municipais, setoriais, etc, que o sonho
de outro mundo é possível.
Organização e resistência.
Isso implica num desafio, o primeiro, hoje o maior de todos: o
desafio das comunicações.
Não há sequer interesse em disfarçar, por parte dos terroristas
norte-americanos, que a violência se esconde atrás de imagens de alta
tecnologia, estupidificando adoradores de B 52, transformando vídeo
games em realidade sangrenta, palpável e ao nosso lado, tudo gerando
a verdade única e absoluta dos 100% do "bem" e, portanto, investidos
de mandato divino.
Um dos fatores fundamentais para a derrocada militar dos Estados
Unidos na agressão ao Vietnã foram os meios de comunicação. A
sociedade americana percebeu e reagiu envergonhada a napalms e
mentiras de Westmoreland, que hoje se chama Tommy Franks.
O terror também percebeu a importância desse ponto e tratou de
garantir-se tanto na chamada Guerra do Golfo, como agora. O relato
de jornalistas sobre pontapés, socos levados por companheiros
portugueses, pelo crime de não noticiarem a "verdade" vinda dos céus,
atesta que não existem limites para os zumbis de Bush.
A tentativa de desmoralização da rede Al Jazeera é outro capítulo.
Não pode existir nenhuma verdade além daquele propagada pela CNN e
pela Foxnews. Jornais americanos, que resistem mais ao controle do
terror do Pentágono, não têm tanta influência, na avaliação deles,
sobre a opinião pública.
Esconder o número real de baixas é a maneira de evitar que mães e
pais no desespero da perda de seus filhos, perguntem, como uma das
mães, ao louco da Casa Branca: "por que presidente, mandar os nossos
jovens para a morte?"
Há um dado que os terroristas já perceberam: a importância da rede
mundial de computadores. E há uma declaração de Bush que aterroriza:
"temos condições de parar todas as comunicações em todo o mundo".
Esse é um desafio para agora, está sendo cumprido apesar das
limitações, é um desafio para o que chamam de pós-guerra: Bush e seus
terroristas já estão nomeando os homens que vão "libertar" o Iraque,
sobretudo administrar o petróleo daquele país.
E não se limita à guerra. Transcende em muito a ela. Da mesma forma
que insistir na política de boicotes (a coca cola está gastando
horrores em propaganda) é preciso enfrentar meios de comunicações de
cada país, os nacionais, algo como, por exemplo, desligar a Globo de
nossas vidas. Essa é uma guerra maior que a do Iraque, por mais
exagerado que possa parecer. Até porque, pelo resultado da votação
no Congresso brasileiro, hoje, a porta aberta para a autonomia do
Banco Central, ficou claro que o presidente do Brasil é Henrique
Meireles. O outro faz churrascos e joga peladas.
Breve, nas lojas do ramo, CDs com jogos sobre a guerra do Iraque:
"mate o seu iraquiano".
Se não reagirmos, vai ser dentro de nossas casas e os "assassinos"
serão nossos filhos e nossos netos.
https://www.alainet.org/pt/articulo/107266
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