Choque ou diálogo?
08/05/2003
- Opinión
O mundo está ficando cada vez mais pequeno. A espécie "homo
sapiens/demens" ocupou e, em parte, depredou já 83% de todo o
planeta. As relações entre as pessoas e as culturas se tornam
imediatas. Como limitar a luta dos egos e os interesses
particulares que se sobrepõem aos coletivos? Como elaborar um
consenso básico que nos permita estar juntos? Como conviver com
um mínimo de paz?
Duas posições sobressaem, uma da escola "realista" e outra da
escola "ético-idealista". A escola "realista" é representada por
Samuel P. Huntington, um renomado cientista político de Harvard
e já citado por nós. Em seu famoso livro "O choque das
civilizações"(1996),com grande acúmulo de dados e reflexões,
sustenta a tese de que, inexoravelmente, vamos ao encontro de um
choque global de civilizações. No final será o Ocidente contra
todos os outros. Ocorrerá, segundo ele, uma fantástica
devastação da biosfera e das riquezas das nações. O cenário
dramático que desenha no final de seu livro nos faz pensar na
frase de Einstein: não sei como será a terceira guerra mundial;
sei apenas que a seguinte será apenas com pedras e paus.
A posição "ético-ideal" é representada por Hans Küng, teólogo
católico alemão, companheiro de tribulações, pois também sofreu
pesadas censuras do Vaticano. No seu já clássico "Uma ética
global para a política e a economia mundiais"(1997) sustenta a
tese inversa: ou estabelecemos um diálogo entre todas as
religiões e culturas, buscando pontos comuns, ou então vamos ao
encontro de um desastre nunca dantes visto. Sua tese é:"Sem paz
entre as religiões, não haverá paz entre as nações".
Por que começar pelas religiões? Por uma simples constatação: as
principais áreas de conflito hoje têm subjacente uma questão
religiosa. Ademais o próprio Huntington em seu livro reconhece
que "no mundo moderno, a religião é uma força central, talvez a
força central que mobiliza as pessoasŠO que em última análise
conta não é a ideologia política nem os interesses econômicos,
mas as convicções de fé, a família, o sangue e a doutrina, é por
estas coisas que as pessoas combatem e estão dispostas a dar a
sua vida". Não eu, como teólogo, faço esta constatação mas um
cientista político da envergadura de Huntington.
O caminho da paz mundial passa, portanto, pelo diálogo entre as
religiões. Nesse diálogo surgem os pontos comuns elencados ainda
em 1970 na Conferência Mundial das Religiões em favor da Paz em
Kyoto. Pacificadas as religiões - e ainda há muito por fazer -
cria-se a plataforma para a paz política, fundada numa ética
mínima do cuidado para com a Terra e para com a biosfera, na
cooperação universal, na corresponsabilidade face ao nosso futuro
comum e na reverência face ao mistério da existência.
Por que a proposta de Huntington é inviável? Porque a máquina de
morte é de tal ordem que ela pode destruir tudo e abortar o
futuro da espécie. Já não podemos mais fazer guerras como
antigamente. Hoje só contra paises fracos como vergonhosamente
se fez contra o Iraque. Mas não se poderá fazer o mesmo contra a
Rússia e a China que possuem armas de destruição em massa. Ai
seria o fim das civilizações. Só nos resta dialogar e aprender
uns dos outros para evitarmos o choque total e darmos chance à
paz perpétua, tão sonhada pelo filósofo Immanuel Kant.
* Leonardo Boff. Teólogo.
https://www.alainet.org/pt/articulo/107503
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