A verdade é pública

17/06/2003
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A função da mídia numa democracia é a de informar e contribuir para a formação da opinião pública. Quanto menos informação, menos diversificada e menor a participação da grande massa da população na constituição da opinião pública, menos democrático um sistema político. A mídia brasileira participa desse processo, porém carrega uma grande contradição. Num país em que as outras instâncias formadoras de opinião são débeis – sindicatos, universidades, movimentos sociais, partidos -, recai sobre a imprensa um peso determinante na constituição da opinião pública. No entanto o caráter privado de grande parte das empresas de comunicação introduz uma contradição, porque como empresas privadas elas repousam no lucro e este não provêm, no essencial, da venda e sim dos anúncios – privados e governamentais -, fazendo recair a questão do financiamento da mídia nas mãos das agências de publicidade e, através destas, nas grandes corporações econômicas e nos governos, responsáveis por grande parte das publicidades. O peso da venda dos jornais em bancas e das assinaturas é relativamente menor, diminuindo a importância que os leitores poderiam ter. Além disso, o baixo poder aquisitivo de grande parte da população dificulta seu acesso diário a jornais e mais ainda a uma certa diversidade de leituras informativas e opinativas. A crise econômica vivida atualmente pelas grandes empresas de mídia brasileiras – correlata à de outros países – somente aprofunda essas contradições, porque os apoios possíveis podem vir dos governos e/ou dos bancos. Nenhum deles permite acentuar o caráter independente da mídia, seja pela benevolência que pode suscitar em relação a governos, seja pela falta de liberdade para criticar o maior obstáculo atual para o Brasil se tornar um país justo – a especulação financeira, em que o sistema bancário tem um papel central. A modalidade atual de financiamento da imprensa não funciona ou funciona mal e atenta contra a independência dos seus órgãos. Até mesmo a mais bem sucedida experiência de TV pública no país, a TV Cultura, foi entregue à roda viva das agências de publicidade e hoje definha, sem os recursos públicos e sem os privados. Enquanto isso, o que poderia ser uma alternativa ou um complemento – a imprensa alternativa – esbarra em obstáculos similares de inviabilidade econômica, além do boicote na distribuição. O apoio que pode resgatar a mídia não provêm do setor público nem do privado – no sentido mercantil que esse termo assumiu no neoliberalismo. As alternativas têm que vir da democratização do próprio sistema político, de que a imprensa deve ser parte integrante. Somente se a cidadania organizada puder opinar sobre o destino dos recursos públicos, é que será possível reformar profundamente o atual sistema de financiamento das empresas de mídia. Políticas como as do orçamento participativo – eixo de uma profunda reforma democrática de que o Estado brasileiro está tão precisado – permitem que os cidadãos organizados decidam sobre o destino dos recursos da sociedade, o que possibilita que definam que proporções devem ser destinadas para políticas sociais, culturais, informativas e quanto deve ser destinado, por exemplo, ao pagamento dos juros da dívida. O resgate democrático da mídia reside assim no fortalecimento da esfera público, eixo de um Estado brasileiro refundado como Estado republicano – em torno dos interesses públicos, liberado das garras privatizadoras e mercantis que o aprisionam. O destino da mídia brasileira está assim intrinsecamente ligado ao desenrolar da crise de hegemonia que vive atualmente o país. Se se aprofundar a financeirização da economia, a mídia será irremediavelmente arrastada nesse turbilhão. Se, ao contrário, um vendaval democrático colocar o Brasil no caminha da mudança e da prioridade do social – conforme os votos da grande maioria dos brasileiros há apenas oito meses – a informação e a construção de uma opinião pública democrática poderá contar com a mídia, atualmente numa crise da qual sairá obrigatoriamente com outra cara. Lutemos para que seja uma fisionomia melhor, para os jornalistas, para os leitores e para os que precisam da verdade e sabem que ela não nasce dos interesses mercantis, mas somente do seu caráter público. Contraversões: Será que ninguém viu que, ao baixar a inflação – pela recessão -, a taxa de juros real, mesmo com esse o,5% a menos, hoje é maior do que há dois meses?
https://www.alainet.org/pt/articulo/107738
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