Hegemonia e contra-hegemonia
15/09/2003
- Opinión
"Um tigre de papel" – a caracterização de Mao-Tse-Tung parece
aplicar-se, mais do que aos EUA de quatro décadas atrás –
quando dividia a hegemonia mundial com a URSS -, com a
potência unipolar de hoje. A lista de suas debilidades parece
interminável - e os críticos, de esquerda, como Wallerstein,
Samir Amin, Arrighi, entre outros, mas também os
conservadores, como Todd, não se cansam de apontar,
praticamente com razão em todos os casos.
A economia – ponto mais forte da ascensão norte-americana a
primeira potência mundial – se revela claramente mais frágil
do que foi essa economia no ciclo longo expansivo anterior,
começado ainda nos anos 40 e concluído na década de 70. De
grande exportador de capitais passou a maior importador de
capitais, para recompor seus déficits comercial e público.
Seu equilíbrio econômico e sua capacidade de reprodução de
capital depende dos capitais investidos em suas bolsas – em
particular daqueles provenientes da Ásia – e das importações
provenientes do Japão e da China. Sua moeda se mostra
vulnerável, passível de ser afetada por uma extensão
crescente das áreas do euro no mundo – inclusive entre os
países da Opep, apesar da derrubada do regime de Sadam
Hussein.
De economia industrial passou a economia primordialmente
de serviços. Sua economia entrou numa recessão profunda e
prolongada, depois do ciclo expansivo dos anos 90, pela bolha
especulativa que finalmente explodiu, depois da "exuberância
irracional" em que tinha se assentado. O consumo familiar,
motor dessa expansão, está bloqueado por um bom tempo,
inviabilizando uma recuperação minimamente sólida. Além
disso, a desregulação econômica comandada pelos EUA nas duas
últimas décadas e meia levou à hegemonia do capital
financeiro, na sua modalidade especulativa, na economia
mundial, o que gera instabilidade, até mesmo dentro dos EUA,
com fuga de capitais e ameaça de saída generalizada, conforme
as taxas de juros seguem baixas, o dólar se desvaloriza e a
economia não apresenta sinais de uma retomada firme.
Socialmente, é de longe o país mais desigual entre todos os
países do centro do capitalismo, tendo estendido a jornada de
trabalho até ocupar o lugar de país com mais longa jornada em
todo o mundo. Os EUA podem ser considerados um grande
caldeirão social, que pode gerar extensas formas de explosão
social e de perda de legitimidade do Estado norte-americano.
Politicamente, o rumo adotado pelo governo Bush levou os
Estados Unidos a armadilhas que, primeiro, o isolaram no
plano internacional, apesar de ter unificado o país
internamente. E agora o fazem pagar o preço do tipo de
problema gerado internamente tanto no Afeganistão quanto no
Iraque, levando de volta os problemas para dentro dos EUA,
com a quantidade de mortos e a incapacidade do país de
reconstruir o Iraque sozinho, tendo que pedir ajuda a países
que ofendeu e menosprezou no momento da guerra.
Tudo isso leva a acumular-se uma grande quantidade de
elementos de fragilidade na capacidade hegemônica dos EUA.
Anuncia-se, em base a isso, o fim da hegemonia norte-
americana no mundo. Esquece-se, quem faz isso, que a
hegemonia é uma relação, ela se exerce sobre os outros e,
portanto, sua força ou sua fraqueza depende sempre da força e
da fraqueza dos outros sobre os quais se exerce a hegemonia.
Nesse sentido, os EUA são, isoladamente, mais débeis do que
foram há algumas décadas. No entanto, a comparação, do ponto
de vista da capacidade hegemônica, não é entre os EUA em dois
momentos diferentes, mas entre o EUA e as outras forças
mundiais.
A primeira diferença é que no período histórico da
bipolaridade mundial é que agora quem ocupava o segundo lugar
– líder do campo oposto -, a URSS, desapareceu. Além disso,
no seu próprio campo, os EUA viram o Japão completar mais de
uma década de recessão e a Europa manter um nível muito baixo
de crescimento. Assim, sua posição é muito mais favorável do
que a que tinha no período anterior à queda do muro de
Berlim. O seu principal adversário, aquele que funcionava
como líder do bloco que se opunha ao bloco capitalista,
desapareceu, junto com todo o que era o "campo socialista" na
Europa ocidental. Só isso já representa uma mudança
estrutural altamente favorável aos EUA.
Em segundo lugar, quando a estrutura de poder mundial era
bipolar, o enfraquecimento de um dos blocos representava
automaticamente o fortalecimento do outro, no que se chama
"jogo se soma zero". Tropeços dos EUA representavam o
fortalecimento da URSS ou pelo menos dos "não alinhados", um
campo em geral dominado pelo antimperialismo norte-americano.
Agora a estrutura de poder mundial é unipolar, com disputa
para ver quem polariza com os EUA – o fundamentalismo
islâmico ou o Fórum Social Mundial de Porto Alegre? Os
outros países - sejam europeus ou asiáticos, sejam a aliança
França-Alemanha ou a China – não capitalizam o debilitamento
norte-americano, salvo conjunturalmente, como no caso da
guerra do Iraque para aquela aliança. Mas não se pode dizer
que sejam pólos de uma alternativa hegemônica ao predomínio
dos EUA.
Com isso, os EUA tratam de propor ao mundo sua forma de vida
como praticamente a única – contraposta ao tipo de vida do
fundamentalismo islãmico. Daí o interesse de Washington de
consolidar a polarização entre Bush/Bin Laden ou Bush/Sadam
Hussein.
Assim, a maior força da hegemonia norte-americana vem da
debilidade das forças contra-hegemônicas. O "New York Times"
escreveu, no momento das imensas mobilizações em vários
países contra a guerra, que o outro super-poder mundial seria
"a opinião pública". O exagero verbal não impede que
efetivamente, polarizado pelo Fórum Social Mundial de Porto
Alegre, efetivamente existe uma acumulação de forças para a
construção de uma hegemonia alternativa. Desde o grito dos
zapatistas, em 1994, passando pelas manisfestações contra a
OMC, em Seattle, em 1999, até chegar aos Fóruns Sociais
Mundiais, foi se constituindo um corpo de propostas,
aglutinando a forças as mais diversas e pluralistas, que
começa a aparecer como o núcleo de idéias e de forças contra-
hegemônicas. Será o desenvolvimento desta que servirá para
medir a força e o tempo de sobrevivência da hegemonia norte-
americana.
https://www.alainet.org/pt/articulo/108383
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