Bíblia e ciência
01/10/2003
- Opinión
Einstein passou os últimos trinta anos de sua vida tentando unificar o
eletromagnetismo e a gravidade. Não o conseguiu, mas, na opinião do físico
brasileiro J. Leite Lopes, de seus esforços "resultou a herança da unificação das
quatro interações fundamentais da física: vida, paixão, morte e renascimento dos
modelos inventados pelos físicos contemporâneos". Seu equívoco foi começar pela
gravidade, que domina o Universo.
Hoje, os cientistas estão convencidos de que a gravidade deve ser a última força
a ser considerada. Quem lograr encontrar a teoria do campo unificado terá o
privilégio de aproximar-se ainda mais da Estação Zero. Ficará sabendo como era o
Universo a 1-43 (1 precedido de 43 zeros) de segundo de sua existência.
A teoria unificada será suficiente sem comprovação empírica? Ora, isso exigiria
um superacelerador de partículas 1 septilhão de vezes mais poderoso do que o mais
aperfeiçoado já concebido pela mente humana.
A ciência até hoje não sabe como explicar os dois eventos mais importantes: a
criação do Universo e o surgimento da vida. Há cientistas, como Clodowardo Pavan,
da USP, convencidos de que o enigma da vida cedo ou tarde acabará por ser
decifrado em laboratório. O grande desafio seria a origem do Universo. Nem por
isso devemos incorrer no erro de pretender extrair da Bíblia, em especial do
Gênesis, uma explicação "física" de como o Universo teve origem e evoluiu. A
intenção do autor bíblico era sublinhar o sentido da existência humana, da
natureza, enfim, da Criação. As questões levantadas por ele não são de ordem
biológica, química ou física, mas sim ética, filosófica, sapiencial e, sobretudo,
teológica.
A Bíblia não pretende, em primeiro lugar, dar-nos uma visão do mundo, e sim
manifestar-nos o amor de Deus. Em sua pedagogia, sugere que contemplemos a
Criação a partir da comunhão afetiva e efetiva com o Criador. Por isso, os dados
"científicos" utilizados pelos autores inspirados são meros esquemas narrativos
baseados em concepções próprias do Mundo Antigo. Como observou Santo Agostinho no
século IV, o Espírito Santo nos foi enviado, não para informar sobre a órbita do
Sol, da Lua e das estrelas, mas para que possamos ser discípulos de Jesus.
Os capítulos iniciais do Gênesis não devem ser lidos como manuais de introdução à
cosmologia, à antropologia ou à zoologia. Não são táticas e estratégias militares
que o leitor busca na leitura de Guerra e Paz, de Tolstoi. Em seu caráter
teológico, o relato bíblico, ancorado nas noções "científicas" da época, revela-
nos o mundo como criação gratuita e amorosa de Deus e o ser humano como centro do
Universo e filho de Deus. "Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom"
(Gênesis 1, 31). Esse "muito bom" acentua a natureza paradisíaca da Criação. Se
agora algo não está "muito bom" é por causa do pecado, a quebra da harmonia do
ser humano com Deus, com os seus semelhantes e com a natureza.
* Frei Betto é escritor, autor de "Sinfonia Universal a cosmovisão de Teilhard de
Chardin" (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/108493
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