Trabalhar mais e trabalhar todos
04/10/2003
- Opinión
Uma sociedade justa tem por base o direito ao trabalho garantido para
todos, que vivem do seu trabalho e não exploram o trabalho alheio. É,
antes de tudo, uma sociedade do trabalho, fundada no trabalho e com
reconhecimento para as múltiplas formas de trabalho.
Com a votação das duas reformas que o governo apresentou ao Congresso,
fecha-se a primeira conjuntura da presidência de Lula. A segunda tem, na
reforma trabalhista, um dos seus ítens. A reforma trabalhista tem
revestido, conforme os cânones do Banco Mundial, o caráter de
"flexibilização laboral", que nada mais tem sido do que a cassação de
direitos dos trabalhadores, com a promessa vã de que aumentará o nível de
emprego. Em nenhum país onde foi colocada em prática – a começar pela
pioneira experiência espanhola sob o governo de Felipe Gonzalez, que
elevou o desemprego ao recorde de 25% -, isso se deu. Ao contrário, houve
substituição de contratos formais pelos informais, jogando grandes massas
de trabalho naquilo que termina sendo o verdadeiro resultado dessas
reformas – a precarização.
A informalidade em que vive a maioria dos brasileiros significa
inexistência de contrato formal de direitos e deveres com a sociedade,
que permite apelar para a Justiça, organizar-se, ter identidade social.
Enfim, quem está submetido à informalidade das relações de trabalho não é
sequer cidadão, porque cidadão é o sujeito de direitos e a informalidade
não reconhece direito algum, ela produz a pior figura social – o
abandono.
No Brasil, o Ministro do Trabalho, Jacques Wagner afirma que a reforma
trabalhista não passará pela "precarização e absoluta desregulamentação
do mercado de trabalho". Tomara que efetivamente não seja assim, até
porque a introdução dos contratos provisórios de trabalho no governo FHC
fortaleceram a precatização e debilitaram ainda mais os contratos formais
de trabalho. Fortalecida pela primeira ronda de reformas, os setores
conservadores tentarão se apoiar no aparente consenso de que a
contratação formal custaria muito caro – não em comparação com os lucros
dessas empresas, na produção e na especulação, responsáveis diretos pela
desigualdade social recorde do país, deixemos claro -, tratarão de atacar
de novo a direitos dos trabalhadores com a fugaz promessa que se
contratará mais com menos custos.
Colocar o social como prioritário – conforme o objetivo central da
campanha de Lula – não pode ser feito com o programa Fome Zero, por
maiores que possam vir a ser os seus resultados. Sua própria natureza é
emergencial, focalizada. Enquanto que o combate ao desemprego – o
desemprego zero – têm um potencial de abrangência que pode colocar o
conjunto do governo em função desse objetivo e efetivamente colocar o
social como prioridade.
Que nenhum empréstimo, isenção, subvenção ou qualquer outro recurso
disponibilizado pelo governo deixe de ter como contrapartida a melhoria
do nível de emprego formal. Que se reduza a jornada de trabalho sem
redução dos salários, como foi colocado em prática na França, entre
outros países, o que permite que se avance para o justo objetivo de que
"todos trabalhem, para que todos trabalhem menos". Uma redução de 10% da
jornada representa a possibilidade concreta de aumento em 10% do nível de
emprego, com absorção de cerca de 2 milhões de trabalhadores.
Valorizar o mundo do trabalho significa, também, valorizar a produção e o
mercado interno de consumo popular, já que significa expandir a produção
e redistribuir renda no mundo do trabalho, elevando a demanda de produtos
de consumo popular, aquela que ativam as médias e pequenas empresas e
podem ser satisfeita sem importações. Significa, ao mesmo tempo, a mais
efetiva política social, alavancando o fortalecimento do ensino público,
da qualificação profissional, da saúde pública, das políticas de
habitação popular, entre tantas outras.
A centralidade de uma política de desenvolvimento fundada no trabalho
pode representar efetivamente a prioridade do social para a qual Lula foi
eleito e que até agora não foi transformada em prioridade de seu governo,
ao mesmo tempo que alavanque a adoção de um modelo de desenvolvimento
sustentável econômica, social e moralmente.
https://www.alainet.org/pt/articulo/108500
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