Fim do mundo(II)
23/10/2003
- Opinión
Fim do mundo(I)?
Terminamos as reflexões da semana passada, cheios de angústia, pelo
provável fim sinistro do universo, da Terra e de cada um de nós. E
indagávamos ansisos: não haverá uma outra leitura possível que venha
ao encontro de nosso coração? Sim, existe esta leitura, fundada, não
nas quantidades, mas nas qualidades do universo e que foram postas à
luz pelos avanços da ciência mais contemporânea. Ela propiciou três
mutações que modificaram nossa visão da realidade e de seu futuro.
A primeira foi a teoria da relatividade de Einstein, conjugada com
a mecânica quântica de Heisenberg e Bohr. Elas nos obrigaram a
entender o universo como energia, estruturada sempre em campos,
sendo a própria matéria uma forma condensada de energia. O universo
é um jogo incessante de energias, irrompendo do vácuo quântico, e em
permanente interação, dando origem a todos os seres.
A segunda, derivada da primeira, foi a descoberta do caráter
probabilístico de todos os fenômenos. Cada ser representa a
concretização de uma probabilidade. Mas mesmo sendo isso, ele
continua contendo dentro de si outras infindas probabilidades que
podem vir à tona. E quando vêm à tona, o fazem dentro da seguinte
dinâmica: ordem-desordem-ordem nova. Assim a vida surgiu num momento
de alta complexidade da matéria em desordem que se auto-ordenou,
inaugurando uma nova ordem que ganhou sustentabilidade e capacidade
de autoreprodução.
A terceira, a ecologia integral, apreende e articula os mais
distintos níveis de realidade vendo-os como momentos do único e
imenso processo evolutivo do universo. Ele possui um caráter
sistêmico, panrelacional e aberto para formas cada vez mais
complexas, ordenadas e aptas a realizar sentidos cada vez mais
altos e conscientes. Esta seria a seta do tempo e o propósito do
universo: não simplesmente dar vitória ao mais forte (Darwin) mas
realizar virtualidades também dos mais fracos (Swimme).
Estas três vertentes nos oferecem outra visão do futuro da vida e do
universo. Este está ainda em gênese, pois não acabou de nascer. Ele
é aberto, auto-organizativo, criativo, tem futuro e, por isso, é
carregado de propósito. Se no sistema que privilegia a quantidade e
o sistema fechado predominava a entropia, aqui no sistema aberto que
enfatiza a qualidade, funciona a sintropia, quer dizer, a capacidade
de somar, de transformar a desordem numa nova ordem, o lixo numa
nova fonte de energia e de vida.
Esta visão é mais coerente com a própria dinâmica interna do
universo. Ele avança criando futuro. A vida busca por todos os
modos, auto-incrementar-se e perpetuar-se. Nossos anseios mais
permanentes são de viver sempre, mais e melhor. A própria morte
seria uma invenção inteligente da própria vida para libertar-se dos
limites espácio-temporais e poder continuar no jogo das relações de
tudo com tudo e com o Futuro absoluto. Por isso ela faz a travessia
do tempo para a eternidade para lá continuar sua trajetória de
futuro e de expansão. É quando cairemos nos braços de Deus-Pai-e-Mãe
e viveremos uma vida que não conhece mais entropia, só o futuro sem
fim.
E então será o puro Ser no ridente esplendor de sua glória.
* Leonardo Boff. Teólogo.
https://www.alainet.org/pt/articulo/108659
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