Que é o espírito?
14/11/2003
- Opinión
Para entendermos o que seja espírito precisamos ir além da
compreensão clássica e da moderna e valorizar a contemporânea.
A clássica diz: o espírito é um princípio subtancial, ao lado
do outro, material, o corpo. Espírito seria a parte imortal,
inteligente, capaz de transcendência. Convive um determinado
tempo com a outra parte, mortal, opaca e pesada. A morte
separa uma da outra, com destinos diferentes: o espírito para
o além, a eternidade, e o corpo para o aquém, o pó cósmico.
Essa visão é dualista e não responde pela experiência de
unidade que vivemos. Somos um todo complexo e não a soma de
partes.
A concepção moderna diz: espírito não é uma substância, mas o
modo de ser próprio do ser humano, cuja essência é a
liberdade. Seguramente somos seres de liberdade porque
plasmamos a vida e o mundo. Mas o espírito não é exclusivo do
ser humano nem pode ser desconectado do processo
evolucionário. Ele pertence ao quadro cosmológico. É a
expressão mais alta da vida que, por sua vez, é sustentada
pelo restante do universo.
A concepção contemporânea, fruto da nova cosmologia, diz: o
espírito possui a mesma ancestralidade que o universo. Antes
de estar em nós está no cosmos. Espírito é a capacidade de
inter-relação que todas as coisas guardam entre si. Forma
teias relacionais cada vez mais complexas, gerando unidades
sempre mais altas. Quando os dois primeiros topquarks
começaram a se relacionar e a formar um campo relacional, lá
estava nascendo o espírito. O universo é cheio de espírito
porque é reativo, panrelacional e auto-organizativo. Em certo
grau, todos os seres participam do espírito. A diferença entre
o espírito da montanha e o do ser humano não é de princípio
mas de grau. O princípio funciona em ambos mas de forma
diferente.
A singularidade do espírito humano é ser reflexivo e auto-
consciente.
Pelo espírito nos sentimos inseridos no Todo a partir de uma
parte que é o corpo animado e, por isso, portador da mente. No
nível reflexo, espírito significa subjetividade que se abre ao
outro, se comunica e assim se autotranscende, gestando uma
comunhão aberta, até com a suprema Alteridade. Definindo:
vida consciente, aberta ao Todo, livre, criativa, marcada
pela amorosidade e o cuidado: eis o que é concretamente o
espírito humano.
Se espírito é relação e vida, seu oposto não é matéria e corpo
mas morte e ausência de relação, Pertence também ao espírito a
vontade de encapsulamento e recusa de comunicação com o outro.
Mas nunca o consegue totalmente, porque viver é forçosamente
con-viver. Mesmo negando, não pode deixar de estar conectado e
de se conectar.
Esta compreensão nos torna consciente o elo que liga e religa
todas as coisas. Tudo está envolvido no imenso processo
complexíssimo da evolução, perpassado em todas as etapas pelo
espírito que emerge, cada vez, sob formas diferentes,
inconsciente numas e consciente noutras.
Nesta acepção espiritualidade é toda atitude e atividade que
favorece a relação, a vida, a comunhão, a subjetividade e a
transcendência rumo a horizontes cada vez mais abertos. No
termo, espiritualidade não é pensar Deus mas sentir Deus como
o Elo que perpassa todos os seres, interconectando-os e nos
constituindo e o cosmos.
* Leonardo Boff. Teólogo.
https://www.alainet.org/pt/articulo/108778
Del mismo autor
- O risco da destruição de nosso futuro 05/04/2022
- Reality can be worse than we think 15/02/2022
- ¿Hay maneras de evitar el fin del mundo? 11/02/2022
- Há maneiras de evitar o fim do mundo? 08/02/2022
- The future of human life on Earth depends on us 17/01/2022
- El futuro de la vida depende de nosotros 17/01/2022
- A humanidade na encruzilhada: a sepultura ou… 14/01/2022
- “The iron cage” of Capital 04/01/2022
- Ante el futuro, desencanto o esperanzar 04/01/2022
- Desencanto face ao futuro e o esperançar 03/01/2022