O ano que vivemos em guerra

19/12/2003
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2003 foi um ano cheio de grandes acontecimentos no mundo. Bastaria destacar aqueles protagonizados pelo nosso próprio continente, como a articulação levada a cabo pelos governos brasileiro e argentino pela reorganização, extensão e aprofundamento do Mercosul, como alternativa ao projeto norte-americano de imposição da Alca. No mesmo marco se insere a criação do G-20, a partir da reunião da OMC em Cancun, que teve protagonismo também da política externa brasileira. A rebelião popular boliviana foi a melhor expressão da vitalidade do povo latino-americano para lutar por um mundo pos-neoliberal. As ambigüidades e indefinições dos governos Lula e Kirchner projetam para 2004 o destino desses governos, mas o de Lúcio Gutierrez no Equador se comprometeu definitivamente com uma linha de continuidade com os governos anteriores, que fracassaram e foram derrubados. Os governos de Vicente Fox no México, de Jorge Battle no Uruguai, de Alejando Toledo na Bolívia e de Sanchez de Losada na Bolívia se esgotaram e os três primeiros apenas sobrevivem até seu final, enquanto este último caiu espetacularmente. A Venezuela de Hugo Chaves e a Colômbia e Álvaro Uribe, com governos com sinais opostos, verão definições mais claras sobre seu futuro em 2004, enquanto o Uruguai se preparar para estar mais diretamente coordenado com as políticas dos outros países da região, com a provável vitória da Frente Ampla nas eleições presidenciais. Em El Salvador também pode haver um acontecimento de transcendência, se os acordos que deram fim aos enfrentamentos militares das décadas anteriores desembocam numa verdadeira alternância política, com a possível vitória da Frente Farabundo Martí nas eleições presidenciais do próximo ano. Mas esse quadro mais favorável na América Latina se insere num cenário internacional obrigatoriamente condicionado pelo clima de guerra desatado pelo governo norte-americano e que teve – e continua a ter – o Iraque como seu epicentro atual. Vitória do governo Bush impor à humanidade como um todo o tema da "guerra contra o terror" como central, não pelo poder do seu convencimento – nunca os EUA estiveram tão isolados como na adesão a essas teses -, mas pelo poderio imperial de colocar a guerra como questão fundamental na agenda mundial. A escolha do governo de Sadam Hussein no Iraque como objetivo prioritário da guerra norte-americana, depois do Afeganistão, iniciada em agosto de 2001, permitiu resultados eleitorais favoráveis aos republicanos em novembro desse ano e confirmou a efetividade do tema para a campanha de reeleição de Bush. Esta passou a guiar as ações de Washington, seu cronograma, assim como o monitoramento estreito das reações do eleitorado norte-americano, que condiciona os destinos imediatos de toda a humanidade. O anúncio da convenção republicana em Nova York, coincidindo com o novo aniversário dos atentados contra as Torres Gêmeas já delata esse conluio, assim como o anúncio precipitado e sem efetividade de que o poder seria transferido no Iraque em poucos meses. Ninguém acredita nesta, até mesmo porque o poder militar continuará solidamente em mãos norte-americanas, apenas com a mudança da modalidade de tropas de ocupação (que se pretendiam de libertação) para as de tropas convidadas por um governo instalado pelos próprios EUA. A recuperação relativa da economia norte-americana pode sofrer o mesmo efeito da prisão de Sadam, passando antes que possa condicionar o quadro eleitoral. No entanto, Bush – mesmo depois do efeito imediato da prisão de Sadam – segue favorito para triunfar em novembro de 2004, reforçando o impulso de guerra vindo desde Washington. A unidade interna do Partido Republicano e de boa parte do establishment econômico – fortemente aquinhoado pelas políticas do governo atual -, diante de uma opinião pública mais dividida do que nunca e ainda sem confiança no candidato democrata – que sairá das prévias internas ferido pelos embates do partido opositor – projetam a reeleição ainda como a alternativa mais provável. E, portanto da guerra como cardápio para os próximos anos. Quem luta por outro mundo, tem que batalhar centralmente contra essa política, cuja manutenção inviabiliza qualquer mudança positiva no mundo.
https://www.alainet.org/pt/articulo/109004
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