Água: alerta máximo!
20/02/2004
- Opinión
Os dias de carnaval advertem que a quaresma está à vista. Como
marinheiros atentos ao destino da nave, nosso olhar não se detém nas
imediações, mas se volta para o farol mais distante, que aponta os
rumos a seguir. Bem entendida, esta é a função do carnaval:
alertar para o momento das manobras importantes. Se imbicarmos
certo pela quaresma, o caminho do porto estará assegurado.
Com a quaresma, chega a Campanha da Fraternidade. Desta vez, ela nos
apresenta um tema de evidente interesse para todos. "Água, fonte de
vida". Nada mais oportuno do que trazer para nossa reflexão a
questão da água, com todas as implicações que ela traz consigo.
Está na hora de dar-nos conta que a água faz a diferença entre os
planetas.
No momento em que se busca, ansiosamente, comprovar resquícios de
água em marte ou em outras paragens do sistema solar, salta aos
olhos a presença da água sobre a face da terra, e sua decisiva
importância para as condições de vida em nosso planeta.
Bem vinda, portanto, a quaresma, com sua campanha sobre a água. As
Campanhas de Fraternidade já têm a tradição de criar uma plataforma
comum entre Igreja e Sociedade, um ponto de encontro entre fé e
vida, uma convergência de causas entre espiritualidade e cidadania,
entre teologia e ciência, entre oração e política, entre mística e
ação social.
Mas neste ano a coincidência de interesses não podia ser mais
completa e mais adequada. A questão da água, além de abrangente e
fecunda, se tornou urgente e dramática. O novo milênio detecta cedo
que a água será sua preocupação maior e sua angústia mais premente.
O planeta está pedindo água!
A ciência nos diz que durante quinhentos milhões de anos a situação
das águas na terra permaneceu estável, com seu ciclo constante de
renovação. Só ultimamente começaram a perder sua capacidade de
regeneração, pelo alto grau de poluição e pelo drástico aumento do
seu consumo. Daí a necessidade de uma tempestiva mudança em nossos
hábitos e de uma guinada em nossa mentalidade.
Fomos habituados à naturalidade da água. Por ser incumbência da
natureza, pensamos que podíamos nos eximir do seu cuidado. Fomos
habituados ao descaso e à irresponsabilidade para com a situação da
água.
Finalmente, começamos a nos dar conta que a água é dom precioso,
escasso, limitado, e sujeito aos desmandos da ação humana
irresponsável. Basta constatar o alto grau de poluição dos rios e a
contaminação das nascentes.
Na questão da água, que a Campanha da Fraternidade levanta, uma
advertência se torna mais urgente: por sua estreita ligação com a
vida, a água precisa ser resguardada como patrimônio comum, como
direito de todos, como bem social que não pode ser apropriado para
exploração mercantilista. A água não pode ser privatizada.
A pior contaminação da água seria confiá-la à volúpia do lucro. E'
urgente subtraí-la aos ditames do liberalismo. Pois ele seria capaz
de levar ao pé da letra a máxima que inspira seu ideário econômico:
"Fiat questus et pereat mundus" "haja lucro, e pereça o mundo". A
crise da água se constitui na advertência mais real da fatalidade
desta postura. A exploração predatória dos recursos naturais pode
levar este mundo à sua falência como sistema de vida.
O poder público não pode nunca se eximir de suas responsabilidades
com a água. Ele precisa garantir sua preservação para disponibilizá-
la, em primeiro lugar, para as necessidades vitais da população. A
Campanha da Fraternidade nos convoca, portanto, para cerrar fileiras
em defesa da água. Assim fazendo, nos colocamos na verdade em defesa
da vida.
D. Demétrio Valentini é Bispo de Jales - SP
https://www.alainet.org/pt/articulo/109451?language=en
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