Críticos, criativos, cuidantes
18/04/2004
- Opinión
Já se disse acertadamente que educar não é encher uma vasilha
vazia mas acender uma luz. Em outras palavras, educar é ensinar a
pensar e não apenas ensinar a ter conhecimentos. Estes nascem do
hábito de pensar com profundidade. Hoje em dia conhecemos muito
mas pensamos pouco o que conhecemos. Aprender a pensar é decisivo
para nos situar autonomamente no interior da sociedade do
conhecimento e da informação. Caso contrário, seremos simples
caudatários dela, condenados a repetir modelos e fórmulas que se
superam rapidamente. Para pensar, de verdade, precisamos ser
críticos, criativos e cuidantes.
Somos críticos quando situamos cada texto ou evento em seu
contexto biográfico, social e histórico. Todo conhecimento envolve
também interesses que criam ideologias que são formas de
justificação e também de encubrimento. Ser crítico é tirar a
máscara dos interesses excusos e trazer à tona conexões ocultas. A
crítica boa é sempre também auto-crítica. Só assim se abre espaço
para um conhecimento que melhor corresponde ao real sempre
cambiante. Pensar criticamente é dar as boas razões para aquilo
que queremos e também implica situar o ser humano e o mundo no
quadro geral das coisas e do universo em evolução.
Somos criativos quando vamos além das fórmulas convencionais e
inventamos maneiras supreendentes de expressar a nós mesmos e de
pronunciar o mundo; quando estabelecemos conexões novas,
introduzimos diferenças sutis, identificamos potencialidades da
realidade e propomos inovações e alternativas consistentes. Ser
criativo é dar asas à imaginação "a louca da casa" que sonha com
coisas ainda não ensaiadas mas sem esquecer a razão que nos segura
ao chão e nos garante o sentido das mediações.
Somos cuidantes quando prestamos atenção aos valores que estão em
jogo, atentos ao que realmente interessa e preocupados com o
impacto que nossas idéias e ações podem causar nos outros. Somos
cuidantes quando não nos contentamos apenas em classificar e
analisar dados, mas quando discernimos atrás deles, pessoas,
destinos e valores. Por isso, somos cuidantes quando distinguimos
o que é urgente e o que não é, quando estabelecemos prioridades e
aceitamos processos. Em outras palavras, ser cuidante é ser ético,
pessoa que coloca o bem comum acima do bem particular, que se
responsabiliza pela qualidade de vida social e ecológica e que dá
valor à dimensão espiritual, importante para o sentido da vida e
da morte.
A tradição iluminista de educação tem enfatizado muito a dimensão
crítica e criativa e menos a cuidante. Esta é hoje urgente. Se não
formos coletivamente cuidantes esvaziaremos a crítica e a
criatividade e podemos pôr tudo a perder, o bem viver em sociedade
com justiça mínima e paz necessária e as as condições da biosfera
sem as quais não há vida.
Albert Einstein despertou para a dimensão cuidante de todo saber
quando Krishnamurti o interpelou: Em que medida, Sr. Einstein, a
sua teoria da relatividade ajuda a minorar o sofrimento humano?
Einstein, perplexo, guardou nobre silêncio. Mas mudou. A partir
dai se comprometeu pela paz e contra as armas nucleares. Em todos
os âmbitos da vida, precisamos de pessoas críticas, criativas e
cuidantes. É condição para uma cidadania plena e para uma
sociedade que sempre se renova. Tarefa da educação hoje é criar
tal tipo de pessoas.
* Leonardo Boff. Teólogo e escritor
https://www.alainet.org/pt/articulo/109793
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