Respeito a todo o ser

20/05/2004
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A humanidade já existe há alguns milhões de anos. Mas a guerra somente há uns cinco mil anos. O grande historiador Arnold Toynbee atribui aos sumérios a invenção da guerra, pois somente eles, por primeiro, desenvolveram disciplina e organização e conseguiram, no vale fértil do Tigre e Eufrates, um excedente em recursos materiais, necessários para se fazer uma guerra. Eliminar esta perversa instituição que nos dias atuais se tornou suicida, dada a sua destrutividade, consta na agenda de todos os humanismos e movimentos pacifistas. A Carta da Terra postula que "se eliminem as armas nucleares, biológicas, químicas e outras de destruição em massa e que se convertam os recursos militares em propósitos pacíficos como a regeneração ecológica". A democracia, os direitos humanos e a cultura da paz são os antídotos mais eficazes contra a guerra. São formas civilizadas que permitem os seres humanos se abraçarem fraternalmente. Mas até hoje tais valores não conseguiram impedir o recurso contínuo à guerra e ao terrorismo, como forma de se impor aos demais. Por que esse insucesso? Prescindindo de muitas explicações, podemos dizer que o impasse reside, de início, na persistência do patriarcado. Instaurado nos últimos dez mil anos, sua característica fundamental consiste em colocar o poder, na forma da violência, como eixo organizador de tudo. Marginalizou e tornou invisível a mulher e os valores ligados ao feminino como a visão do todo, a gentileza e o cuidado. Criou o Estado, seus aparatos e a guerra. Projetou um tipo de ciência assentada sobre a violência contra a natureza. Deu origem a uma cultura marcada pela competição e não pela cooperação. A Declaração universal dos direitos humanos serve como baluarte contra a tirania do poder autoritárrio. É um avanço civilizatório significativo. Mas sempre que se instaura um conflito com os interesses do poder patriarcal, os direitos são postos de lado. E se dão razões para não respeitar o outro: a mulher, porque tem mais sentimento que razão, o índio porque é selvagem, o negro por causa da pele, o muçulmano porque é um terrorista virtual. Faz-se então a distinção entre o humano e pseudo-humano para poder oprimir sem má consciência. Os sérbios cortavam o pênis dos prisioneiros muçulmanos para assim mostrar que eles não são humanos como nós, são pseudo-humanos contra os quais se pode fazer limpeza étnica sem ferir os direitos humanos. Como sair deste emaranhado perverso? Seguramente um dos pontos é mediante a integração dinâmica dos princípios masculino/feminino, superando historicamente o patriarcado. Mais fundamentalmente mediante o respeito a todo ser e a cada forma de vida. A razão deste respeito é o fato de que somos um elo da corrente da vida, que somos todos interdependentes e que tudo o que existe e vive merece existir e viver. O respeito pelos direitos humanos deve começar, pois, pelo respeito por cada ser, pela natureza e pela vida. Não respeitaremos a vida de nossos semelhantes se não respeitarmos a vida em toda a sua diversidade e cada ser. Se exercermos violência contra eles cedo ou tarde ela se volta contra nós. Somos enraizados no ser e na natureza. Respeitar todos os seres é respeitar a nós mesmos. Essa é a base real que sustenta o respeito aos direitos humanos. Sem esse respeito fundamental, não há como esperar resultados efetivos de nosso empenho pelos direitos humanos. * Leonardo Boff é teólogo e escritor
https://www.alainet.org/pt/articulo/109956
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