A macroeconomia e a macrosociedde
07/12/2004
- Opinión
Há um mal-estar inegável dentro e fora do Governo
referente à opção macroeconômica assumida pelo Presidente
Lula. Confrontam-se dois olhares conflitantes, cada qual
com sua lógica e seu discurso coerente.
Um olhar se fixa na economia e aduz os seguintes fatos:
após severa política fiscal, está ocorrendo inegável
crescimento econômico, controle sobre a inflação e o
dolar, queda da relação PIB-dívida, pagamento sustentado
da dívida, boa balança comercial e aumento de empregos .
O outro olhar enfoca a sociedade e traz à tona os dados
do Relatório dos Direitos Humanos no Brasil 2004 que são
assustadores.
Quase todos os itens negativos ou se mantiveram ou
pioraram: degradação do ganho real dos salários,
violência no campo e na cidade, trabalho escravo, demora
na demarcação de áreas indígenas, morosidade na reforma
agrária e desmobilização política dos movimentos.
A análise crítica tem mostrado que a crise social é, em
parte, o preço a ser pago pelo sucesso econômico. Mas que
adianta crescimento econômico sem desenvolvimento social?
Os ganhos da economia não são repassados na forma de
benefícios sociais para as grandes maiorias empobrecidas
e excluidas. Quem ganhava, ganha agora muito mais.
Não houve a mudança necessária e prometida. Quantos
esperávamos que um filho do caos social, sobrevivente da
tribulação histórica dos humilhados e ofendidos de nosso
povo, instaurasse a viragem libertadora.
Ele se elegeu com essa bandeira. E ao chegar lá, trocou
de agenda. As elites nacionais e mundiais conseguiram
trazê-lo para a sua lógica, para o modelo econômico
neoliberal dominante. Quem aceita entrar por aquela porta
está perdido. Em seu frontal bem poderia estar a frase
que Dante colocou na entrada do inferno: "Lasciate ogni
speranza voi ch¹intrate"(percam a esperança, vocês que
aqui entram). Ai só contam os interesses do capital.E ele
que representava os trabalhdores.
O que sinceramente esperávamos? Que ele com o cacife que
tinha por causa de sua história de vida e pela novidade
do PT pudesse dar início à superação do neoliberalismo
mediante uma renegociação com o FMI acerca das formas de
saldarmos nossa dívida externa. Esperávamos que
submetesse as elites dominantes e argentárias à lógica de
políticas sociais para que começassem a pagar a dívida
social secular que elas têm para com o povo.
Pouco disso ocorreu. Foi vítima da política velhista das
elites que o saudoso historiador José Honório Rodrigues
bem descreveu: "elas buscam sempre a conciliação entre
elas mesmas para não conceder nada ao povo".
Estamos tristes por nós mesmos: ou porque fomos ingênuos,
ou porque não acumulamos força suficiente para impôr
rumos novos ao país ou porque ainda não conseguimos criar
um líder que tivesse a coragem para esta mudança
inovadora.
Confio ainda na pessoa de Lula. Ele é bom e jamais
trairia seus sonhos.
Infelizmente escolheu gente e meios inadequados para
realizar aqueles sonhos. Mas é carismático e pode mudar
desde que entenda aquilo que sempre pregou:o capitalismo
é só bom para o capitalista, nunca para o trabalhador.
Este precisa de outro tipo de economia onde ele não é
apenas beneficiário mas também ator.
* Leonardo Boff. Teólogo
https://www.alainet.org/pt/articulo/110993
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