Impasses do crescimento com inclusão
17/12/2004
- Opinión
O Governo estabeleceu para 2005 o lema "crescimento
econômico e inclusão social com democracia". O
propósito é sincero e honesto. Como torcemos para que
isso ocorra! Mas analisando a agenda nota-se a ausência
de um visão crítica de fundo acerca dos impasses que se
escondem atrás do crescimento econômico. O olhar sobre
o problema é velho e não incorporou a crítica dos
últimos 30 anos. Há que se tomar em conta que já há
quatro séculos o crescimento representa a ideologia
dominante em todas sociedades ditas modernas.
Estruturou-se ao redor de dois pressupostos: de que os
recursos da natureza e o crescimento para frente seriam
ilimitados. Ambos os pressupostos são ilusórios: os
recursos são limitados pois escasseiam cada vez mais; o
crescimento para frente é limitado porque se fossemos
estendê-lo a toda a humanidade precisaríamos de três
Terras semelhantes à nossa, o que é claramente absurdo.
A história destes quatro séculos tem mostrado que
deixado à sua lógica interna, o crescimento implica
explorar as classes, criar perversas desigualdades
sociais, submeter países, devastar a natureza e hoje
colocar em risco a sustentabilidade da Terra.
Aduzamos o exemplo do agronegócio mais agressivo. Ele
avança matando e desmatando, destruindo a
biodiversidade, aterrando nascentes e riachos,
envenenando solos, contaminando águas, expulsando os
povos do cerrado e da floresta. Emprega pouca gente
pois usa técnicas avançadas até reguladas por satélite
e beneficia poucas empresas nacionais e transnacionais
que destinam seus produtos para a exportação. Em 2004
absorveu o crédito de 39 bilhões de dólares, enquanto a
agricultura familiar, responsável por 60% do que
comemos, recebeu apenas 7 bilhões. O que é mais grave,
ele bloqueia o desenvolvimento social. Márcio Pochman,
um dos pesquisadores que mais entende de crescimento e
emprego no país, nos forneceu os dados. Entre 1980 e
2000 as famílias ricas no Brasil passaram de 1,8% a
2,4%. A renda média das famílias ricas comparada com a
média do total das famílias passou de 10 para 14 vezes.
Pela lógica das coisas esta proporção atualmente deverá
ter-se mantido, até se agravado. O emprego tem
aumentado mas revela que 54% dos novos empregados
recebem no máximo até 1,5 salários mínimos, salários de
pobreza. Quer dizer, o crescimento econômico sozinho
beneficia aqueles que já têm à custa daqueles que não
têm. Por esse caminho não há como haver inclusão
social. Precisamos de sinais que apontem para rumos
novos de uma economia que realmente possa incluir.
Para isso temos que partir de outro pensamento. Não
podemos mais tratar a natureza e a Terra como um baú de
recursos, pois essa atitude pode destruir as condições
da vida. Temos que assumir estrategicamente a ecologia
(que não é o meio ambiente mas o ambiente inteiro) que
nos ensina que todos somos interdependentes, que a
relação para com a Terra não pode ser apenas de
exploração mas de respeito e cooperação, que a pessoa
humana é o primeiro destinatário do desenvolvimento.
Sempre a Terra cuidou de nós dando-nos tudo o que
precisávamos. Mas a ferimos tanto que agora cabe a nós
cuidar dela para que continue nos cuidando.
Concretamente: o ministro da Fazenda Palocci precisa
incorporar o olhar da ministra do Meio Ambiente, Marina
Silva. Só então é possível um crescimento consistente,
base para um desenvolvimento com inclusão, ecológico e
democrático.
* Leonardo Boff e teólogo.
https://www.alainet.org/pt/articulo/111048
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