A cor do "jornalismo"
Os assinantes pagam, Veja mente
18/03/2005
- Opinión
em resposta à revista Veja
Em sua edição de 5 de março, a revista - ou melhor, panfleto da direita
racista tupiniquim - volta a produzir injúrias, calúnias e difamações
contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com a
"reportagem" intitulada "Nós pagamos, eles invadem". O panfleto acusa o
MST de desviar "milhões de reais" fornecidos pelo governo para implementar
a Reforma Agrária. O dinheiro "desviado" seria utilizado para promover
novas "invasões". Além disso, Veja publica depoimentos de supostos
ex-integrantes do MST que denunciam a cobrança de taxas ilegais a todos os
assentados por parte da direção nacional do Movimento. Irados com tamanha
injustiça, os ex-militantes queimam a bandeira do MST, produzindo um
indisfarçado orgasmo nos autores da "reportagem", feita no assentamento
Baixio do Boi, no município de S. José de Belmonte, sertão central de
Pernambuco.
... E a Veja mente de novo.
Primeiro, vem a questão dos "dissidentes irados". No assentamento vivem
190 famílias, cerca de 800 pessoas. Destas, apenas 10 participaram do
"protesto", liderado por um certo Francisco, ex-técnico agrícola dos
assentados. Outros que acompanhavam o evento não tinham qualquer relação
com o MST. O que a revista não conta, explica Jaime Amorim, da direção do
Movimento, é que há cerca de seis meses o tal Francisco foi demitido pelo
MST, por suspeitas de desvios de dinheiro do Pronaf e má conduta.
Atualmente, o tal Francisco sofre processo do Banco do Nordeste, por
desvio de dinheiro. Ou a Veja não sabia disso, e portanto é incompetente,
ou sabia e ocultou a informação, e portanto é criminosa.
Depois, vem a acusação da suposta "cobrança ilegal de taxas". Essa é
velha. A lebre foi levantada, no ano 2000, pelo suposto "jornalista"
Josias de Souza, da Folha de S. Paulo, posteriormente obrigado a admitir
ter feito a sua "reportagem" sob os auspícios do governo Fernando Henrique
Cardoso, que chegou a ceder automóveis e orientação técnica para a
produção de um trabalho realmente "independente" de jornalismo. Na época,
o MST esclareceu exaustivamente que qualquer cooperativa, em qualquer
parte do planeta Terra, cobra um taxa mínima de seus associados, como
condição básica de subsistência.
Por fim, vem a acusação de "desvio de verba" para promover "invasões".
Francamente, o assunto chega a ser tedioso e não merece sequer ser
comentado. Os editores do panfletão acham estranho o governo ceder verbas
a um movimento social que agrega 300 mil famílias de trabalhadores rurais
em todo o país e que mantém escolas, atendimento de saúde, treinamento
profissional, assistência técnica e outros serviços públicos. Só para mero
efeito de comparação: em 2003, a Associação Nacional de Cooperação
Agrícola (acusada pela Veja de receber dinheiro público indevido) obteve
do Ministério da Educação R$ 3.424.608,00 para promover o seu programa de
alfabetização de 35 mil sem terras adultos, em acampamentos e
assentamentos, alguns situados em áreas tão inóspitas que não são servidos
por qualquer infraestrutura estatal. Pois bem: no mesmo período, a
entidade dirigida pela ex-primeira-dama Ruth Cardoso (Alfabetização
Solidária) recebeu R$ 33.966.900,00 e o SESI, R$ 27.680.400,00; ao
Instituto Riomafrense do Bem Estar do menor, entidade nível municipal do
Paraná, foram destinados R$ 6.193.440,00. Nada disso merece atenção dos
honestos editores do panfletão.
Curiosamente, a revista - também repudiada pelo PT, a quem acusou sem
provas de ter recebido verbas das Farc colombianas para promover a
campanha eleitoral de 2002 - nada diz quanto aos recursos bem mais
vultuosos endereçados pelo governo aos cofres da família Civita, a título
de pagamento por anúncios publicitários e aquisição de assinaturas de
publicações do Grupo Abril. Seria muito interessante promover uma CPI para
investigar as relações entre os vários governos e os donos do Grupo Abril,
e mais ainda investigar o destino que a família Civita dá ao botim.
Vejamente, eis tudo. De nada adiantou, ao que parece, a revista ter sido
condenada por injúria, calúnia e difamação, por "reportagem" semelhante,
publicada na edição de 10 de maio de 2000, intitulada "A tática da
baderna". Na época, João Pedro Stedile entrou com processo no Fórum da
Lapa, e ganhou em primeira instância. Apostando na morosidade da Justiça,
a revista recorreu. O processo ainda tramita, mas moralmente a revista foi
conduzida ao seu lugar: a lata de lixo da história. Os assinantes da
revista, aliás, deveriam fazer um movimento para exigir de volta o seu
dinheiro, por receberem notícias falsas e ainda por cima requentadas. Fica
a sugestão: aproveitem como mote o lema "nós pagamos eles mentem".
* José Arbex Jr. é jornalista. Colaborou Hamilton Octavio de Souza.
Publicado originalmente na revista Caros Amigos
https://www.alainet.org/pt/articulo/111626
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