Ekklesia-democracia radical
23/06/2005
- Opinión
Sempre que falamos de democracia, nos reportamos à experiência
fundadora dos gregos que em suas cidades, os cidadãos exerciam
o poder de decisão de forma direta consoante o princípio da
predominância da maioria. Por mais que a idealizemos,
especialmente, depois das teorizações de Platão e Aristóteles,
a democracia era, na verdade, muito restrita. As cidades-
estado eram pequenas e somente 1/6 da população exercia a
democracia, concretamente, os cidadãos livres. As mulheres, os
escravos, os artesãos, os estrangeiros e os imigrados eram
excluidos. Mas a experiência grega se tornou referência para
toda a reflexão política posterior.
Entretanto, há uma outra experiência de democracia muito mais
radical que a grega e que foi vivida pelas duas primeiras
gerações de cristãos. Ela é paradigmática para todo pensamento
utópico posterior, embora tenha sido abandonada pelo
cristianismo vigente que se organizou numa forma oposta. Ela
não ficou referência para o discurso político atual pelo fato
de ter sido realizada nos quadros de uma experiência religiosa,
pouco ou nada valorizada pelo pensamento laico e laicista.
Hoje, a despeito seu nicho religioso, vemos a democracia
cristã como qualquer outro fenômeno social. merecendo
consideração especialmente quando se busca uma democracia
radical, levada a todos os campos da convivência humana, aos
movimentos sociais e também à economia, quer dizer, uma
democracia sem fim.
A experiência geradora da democracia radical cristã foi a
prática de Jesus: absolutamente anti-discriminatória, anti-
hierárquica e de fraterndade universal. São Paulo resumiu tudo
dizendo:"Agora já não há judeu nem grego, nem escravo nem
livre, nem homem nem mulher, pois todos são um em Cristo
Jesus"(Gal 3,28). O resultado foi que escravos, livres,
portuários, mercadores, advogados, soldados, independente de
sua situação social e de gênero, formavam comunidades
fraternais que viviam a "koinonia" (comunhão), palavra para
expressar o comunismo radical de "colocar tudo em comum",
repartindo os bens materiais "conforme as necessidades de cada
um". E como louvor se diz que "não havia pobres entre eles"(At
2 e 3). Essa democracia era radical mesmo pois as decisões
eram tomadas com a participação de toda a comunidade. A lei
básica era: "o que concerne a todos, deve ser decidido por
todos". Isso valia também para a nomeação dos bispos e dos
presbíteros.
Chamou-se tal comunidade de "ekklesia" em grego, "ecclesia" em
latim e "igreja" em português. O sentido original de
"ekklesia" não era religioso, mas político: a assembléia
popular. Escolheu-se esse nome profano para distinguir a
democracia cristã de outras expressões religiosas da época.
Essa memória foi perdida na Igreja Católica. Perguntaram,
certa feita, a João Paulo II se a Igreja era uma democracia.
Respondeu: não; ela é uma "koinonia". Ora "koinonia" é
sinônimo de democracia radical, coisa que seguramente o Papa
não pensou. Com efeito, hoje como ela se estrutura, não é
"koinonia". É uma monarquia absolutista espiritual organizada
sob a influência das monarquias do passado. Como tal, fecha as
portas à democracia cristã dos primórdiois. Ou só a aceita sob
a forma inócua da espiritualização. É importante resgatarmos a
memória revolucionária escondida na palavra "Igreja". Quem
sabe, não inspira outro jeito de ser cristão e de ser cidadão?
- Leonardo Boff é teólogo
https://www.alainet.org/pt/articulo/112297
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