Ética, o melhor investimento

03/07/2005
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Muitas empresas brasileiras devem o êxito de seus negócios ao fato de terem sido apadrinhadas pelo governo. O tráfico de drogas parece irrisório diante do tráfico de influências. Enquanto na Suíça basta um dia para abrir uma nova empresa, e sem sair de casa, desde de que se tenha acesso à Internet, no Brasil são precisos meses, muita paciência com a burocracia e, por vezes, algum dinheiro para as propinasŠ Fechar a empresa é, então, muito mais difícil do que abri-la. O sistema funciona como a história do pai que bateu no filho, que se vingou no cachorro, que correu atrás do gatoŠ Como a carga tributária é altíssima, a sonegação se equipara, e essa prática de lesar o contribuinte aquece o caldo de cultura do lucro rápido e exorbitante. Leia-se: baixos salários, fraude ao INSS, direitos trabalhistas desrespeitados etc. Diz a lei que toda empresa com mais de 50 funcionários é obrigada a ter creche. Quem cumpre? A mentalidade arrivista de muitos empresários brasileiros facilita o sucateamento de nossa mão-de-obra, o que é uma forma indireta de favorecer a concorrência estrangeira e, a médio prazo, corroer a iniciativa nacional. Quando os únicos valores para o empresário resumem-se em inflar a Bolsa e o bolso, às custas de sonegações e baixos salários, a estabilidade e a credibilidade do negócio ficam permanentemente ameaçadas. Há, felizmente, exceções à regra. E uma delas é a CBMM ­ Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, com sede em Araxá (MG), e líder mundial na exploração de nióbio, mineral utilizado para dar resistência ao aço. Fundada em 1955 e sem jamais depender de favores ou empréstimos governamentais, a empresa, que exporta 92% de sua produção, faturou, em 2004, R$ 908 milhões. Tal êxito se deve à auto-estima de seus funcionários, que ganham 13 salários e participação nos resultados anuais. O piso atual é de R$ 1.450 e 80% das famílias vinculadas à CBMM já têm casa própria quitada. Entre os recursos de aprimoramento cultural dos trabalhadores, incluem-se palestras sobre temas diversificados e um programa de planejamento familiar que engloba médicos, religiosos, o sindicato e Ministério Público. Para agilizar suas ações de responsabilidade social, a empresa mantém, há 30 anos, a Fundação Djalma Guimarães (homenagem a um dos maiores geólogos brasileiros), com recursos anuais de cerca de R$ 4,5 milhões, investidos em programas sociais, combate à fome, tratamento de saúde de comunidades de baixa renda, construção de creches e escolas, além de patrocinar estudos e projetos de políticas públicas, como o Fome Zero, voltados ao aprimoramento da cidadania e da democracia. Entre os projetos financiados pela CBMM destacam-se a Casa do Caminho, centro geriátrico e psiquiátrico que atende gratuitamente, em Araxá, 200 pacientes pobres; as “fazendinhas”, unidades rurais de tratamento terapêutico para dependentes químicos; a construção de casas populares; hortas comunitárias etc. Enquanto muitas empresas vendem ou leiloam a sucata e seus equipamentos obsoletos, a CBMM doa a obras sociais. Nos últimos 8 anos, foram doados cerca de 230 veículos, entre carros, caminhões e tratores, e 200 microcomputadores. Ao Fundo da Criança e do Adolescente ela destina, anualmente, R$ 750 mil. Na bolsa dos valores, a ética é, sem dúvida, o melhor investimento. A começar pela valorização dos recursos humanos. Responsabilidade social apenas da porta para fora é falso marketing. Deve começar dentro da empresa, oferecendo excelência nas condições de trabalho, de modo a favorecer a auto-estima dos funcionários. Qualidade de vida, mais que um conceito, é uma atitude que se traduz em acesso a direitos básicos, como alimentação, saúde, educação, lazer e casa própria, e na possibilidade de se cultivar os valores subjetivos, éticos, estéticos, afetivos e espirituais. A CBMM tornou-se uma empresa brasileira líder mundial em sua área de negócio graças à sua filosofia de investir no melhor capital: o humano. - Frei Betto é escritor, autor do romance “Hotel Brasil” (Ática), entre outros livros.
https://www.alainet.org/pt/articulo/112358
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